Morreu Nuno Melo

por Bruno Ricardo em 9 Junho, 2015

O ar lupino tornava-o num dos mais reconhecíveis actores portugueses, e é isso que torna a sua morte uma espécie de sombra que paira sobre este dia: Nuno Melo morreu hoje, aos 55 anos, vítima de cancro no fígado.

Atravessar a sua carreira é entrar no reino mítico que é a história da televisão portuguesa: a sua carreira começa com Vila Faia, e engata em 5.ª em tudo o que há de maravilhoso na década de 80 da RTP. Duarte e Companhia? Pois com certeza; Casino Royale? Sim senhora; Alentejo Sem Lei? Não se negou! E é em Chuva na Areia que vive um dos seus mais marcantes papéis, o Caniço, protagonista de uma das cenas mais memoráveis do imaginário televisivo português.

Viria a participar noutras novelas e séries que o colocavam invariavelmente no lado vilanesco, devido às suas feições únicas, perfeitamente desenhadas para terem figurado num film noir ao lado de Peter Lorre, mas Nuno Melo arranjava sempre maneira de se transformar no que de mais interessante existia numa cena. É preciso recordar que é este mesmo Nuno Melo que torna Camilo de Oliveira suportável por momentos em Camilo e Filho, um dos seus papéis mais recordados.

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A sua carreira no cinema caracterizou-se por trabalhos com todo o tipo de realizadores portugueses, desde os mais conhecidos e consagrados até novos talentos que despontam, fosse em obras de grande público, como O Crime Do Padre Amaro, ou filmes de nicho como Estrada de Palha. Colaborou com Manoel de Oliveira, João Botelho e João Canijo, mas os seus papéis mais marcantes deram-se com os realizadores José Nascimento, em Tarde Demais e Os Lobos.

Foi principalmente com Edgar Pêra, onde o aspecto único do talento e criatividade de Melo melhor casaram em filmes como A Janela ou O Homem-Teatro e acima de todos O Barão, obra que coloca Nuno Melo como um protótipo de tirano de aldeia paroquial, replicando os tiques mais atávicos do Estado Novo, e soltando frases como quem prega lições de vida em forma de slogans. O filme de Pêra é fantástico em vários sentidos, e grande parte das razões acabam no actor português que melhor reflecte o preto-e-branco estilizado de um mundo visual que assenta nos ângulos da sua cara, nos seus olhos que arrombam a nossa segurança e, por fim, no perfeito sentido de estar a fazer uma rara comédia noir. Nuno Melo é o barão, e durante muitos anos, acima de todos os seus papéis cinematográficos, este será aquele pelo qual o recordaremos.

Nuno Melo era o nosso Christopher Walken: um actor inconfundível, que parecia viver e actuar num mundo só seu, com regras específicas e um ritmo pessoalíssimo, capaz de virar ao contrário cenas perfeitamente banais, e vestir por cima da pele e debaixo do sopro uma coragem destemida que faziam o espectador acreditar que ele era capaz de tudo em cena, mesmo daquilo que não sabíamos gostar. Apenas não foi capaz de ser mais do que humano contra a mais inumana das doenças.

E ainda assim, informou quem manda aqui: ele. Sempre. Para sempre.


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Bruno Ricardo

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