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Neste momento que atravessamos na música popular mais recôndita, muitas vezes ganha quem mais fronteiras atravessa – sobretudo se estas forem arriscadas ou dificilmente transponíveis, isto é, entre géneros aparentemente antagónicos ou de complicada aglutinação. Emma Ruth Rundle, distinta cantautora da folk com peso e de junções aos autos do post-rock, muito bem se enquadra nessa caixa (por assim dizer); membro dos Marriages e dos Red Sparowes, tem vindo a consolidar o seu próprio som desde há mais de uma década. Depois de bem conseguidas actuações a solo no ano passado (que lhe deixaram boa réplica emocional) por cá, trouxe os melhores amigos (palavras da própria) em banda e uma maior gravitas, desta feita ao MusicBox (e ao Passos Manuel, no Porto).
De entre esses amigos conta-se Jaye Jayle (no passaporte, Evan Patterson), trovador de Louisville no Kentucky que começou a contar de si ainda mal trinta minutos das nove da noite passavam. Com um álbum fresco para mostrar, No Trail and Other Unholy Paths (e um em colaboração com Rundle, The Time Between Us; 2017, Sargent House), pediu emprestado Todd Cook (ou, melhor dizendo, um guru Maharishi no baixo) à banda de Rundle e deu-nos um concerto que, depois de um começo morno e monótono, evoluiu para um belíssimo resfolegar de folk, com umas idas ao sintetizador que bem assentam e distinguem Jayle e comparsas dos demais, resvalando para a industrial e para uns pós de post-rock.
Destaque para canções como Cemetery Rain e As Soon As Night, esta com um refrão infeccioso em terrenos Laneganianos ou, se se preferir, uns Low mais musculados e sombrios (!).
Se Mark Lanegan anda a perder o fôlego, ouçam antes Jaye Jayle que, se assim continua, ainda se torna num Leonard Cohen da cidade natal de Hunter S. Thompson – timbre e sobriedade já ele tem. Bom gosto gastronómico também, confessando-se adepto do peixe grelhado e do bife com pimenta. E pela rua cor-de-rosa corriam as ervas daninhas.
Chegava o tempo de palco de Emma Ruth Rundle. No ano passado já a tínhamos visto a solo, onde mostrou que as texturas dos seus álbuns não se perdem assim tanto (e que se distrai quando pede fotografias emprestadas aos fãs), que Rundle sabe projectar poderio por si própria. Convertida aos encantos de Portugal, serviu a ronda de concertos deste ano como um agradecimento “por alguns dos melhores dias da minha vida”.
Pois bem, mui competentemente coadjuvada por Cook, Jayle/Patterson e por Dylan Naydon e com um um excelente On Dark Horses (2017; Sargent House) para nos mostrar, deu início à contenda, com Dead Set Eyes; perante casa cheia com toda a gente meio apertada na plateia do MusicBox, impossível não esboçar um sorriso com este verso: “in a place so loud we will never be free”. Prosseguiu a apresentação daquele disco, com Fever Dreams e Apathy on the Indiana Border na maior sobriedade, mas ampliando as versões de estúdio.
Até aqui, retira-se que Rundle oscila entre a grandeza sónica de Chelsea Wolfe e a fragilidade folk de uma Marissa Nadler, sem chegar à melodia de Angel Olsen – entre uma valquíria (como uma Anna von Hausswolff) num cavalo negro e, mercê das letras e das variações sónicas, uma Justine d’O Quarteto de Alexandria de Durrell, mas de guitarra em punho. Afinal de contas, estamos perante um calcorrear entre a folk e o post-rock, de que Rundle é já representante mais do que destacada.
Sendo certo que veio acompanhada de banda e que tal se traduziu numa actuação de encher o ouvido, Rundle vale por si só como guitarrista, como acima se disse. Exemplo disso é Protection (de Marked For Death; 2016; Sargent House), cuja força na guitarra se contrapõe à fragilidade emocional do lamento em forma de letra. Do mesmo disco, a interpretação da canção homónima saldou-se num momento alto da noite. Rundle domina as guitarras e pedais, elevando o registo de estúdio ao vivo para o memorável.
Se Jaye Jayle poderia substituir os Handsome Family na composição de uma banda sonora de uma época de True Detective, Emma Ruth Rundle fá-lo-ia em Better Call Saul ou, pelo que se ouve numa canção como Darkhorse, de The Handmaid’s Tale: “run little sister, run so fast, I see he’s gaining on you, take a breath and make it last, the darkwater horizon”. Tudo corria sem sobressalto à cantautora que nem com um “se fizermos merda na próxima, pedimos já desculpa e não têm de chorar” teve um deslize – se alguém no público presente o fizesse seria porque o alinhamento principal acabaria por chegar ao fim com Heaven. E aquela guitarra acústica a ganhar pó ao canto do palco e a plateia perguntando-se se haveria Rundle a solo.
E haveria, com a óbvia Shadows of My Name (eléctrica, contudo). Para além da terna interpretação da canção, fica a conclusão de que Rundle, prolífica e segura, se tornou num dos nomes mais originais da fronteira entre folk e post-rock, com um fundo emocional que lhe garante alma e a quem ouve e vê perscrutação sentimental já densa. É isto que distingue os cantautores da treta e quem não brinca, como Rundle.
Conseguiu mostrar isto tudo em cinquenta e sete minutos. Prolífica e com uma capacidade de síntese e pêras, não haja dúvidas. Para agradecimento, agradecimento e meio.