Reportagem


Ermo

Os retalhos da existência urbana pós-moderna

Braga Music Week

07/10/2017


© Ana Sofia Pedras

Numa edição em que a Braga Music Week homenageou o disco seminal do rock nacional e da carreira dos autóctones Mão Morta, escolher Ermo para concerto de encerramento é uma clara projecção do futuro promissor da vaga experimental que lentamente ganha protagonismo na cidade. Foi uma noite de retalhos e misturas, em que ATILA e Allen Halloween precederam e procederam, respectivamente, a apresentação ao vivo do disco editado em Junho, Lo-fi Moda. Tudo isto na perfuração de um ecossistema à parte, no Lustre – uma discoteca que também é escola para quem quer aprender a dançar ritmos africanos e latinos. E durante os concertos, na sala ao lado, um dj passou Taylor Swift e Nancy Sinatra.

Emoldurados por paredes e bolas de espelhos, o embate dá-se com a mesma crueza robótica com que os Ermo nos confrontam em disco, lançando para o público angustiantes golpes de voz. Esta é a segunda apresentação de Lo-fi Moda em Braga, depois do concerto no Projéctil em Julho, associação cultural onde pairam os gostos mais desafiantes e as paredes grafitadas. O concerto começou pelo princípio, com Vem nadar ao mar que enterra, tema orelhudo e sinopse da viagem rítmica em que embarcámos.

Por esta altura, já deu para perceber que dissecar o significado de cada palavra encadeada nas seguintes é o passatempo favorito da imprensa nacional, como que procurando em Ermo uma tradução contemporânea para a filosofia existencialista de Sartre ou Kierkegaard. Mas, na verdade, os rapazes limitam-se a captar com destreza o momento que a arte atravessa, as infindáveis possibilidades que a tecnologia coloca ao nosso alcance, o fim das barreiras dos géneros e a beleza irredutível do corte-e-cose. E a malha ctrl + C ctrl + V  até que é um dos momentos maiores do disco e em palco, onde chega a sua declaração de intenções mais misteriosa, considerando que se desviaram da rota que os popularizou: “eu faço o que é preciso“.

A tradução do disco do estúdio para o palco é inteligente, em que as transições se fazem de silêncios texturados pela sua pertinência e de momentos de improviso bem ensaiados. A densidade das batidas e o eco dos gritos de guerra povoaram a sala, mas o público ainda não sabe lidar com Ermo e a serenidade contemplativa dominou em contraste. Poucos foram os corpos tomados pela coragem e – caramba! – ninguém gritou “mais alto!” no arrebatador Frito Futuro, tema escolhido para fechar o concerto (nem eu, é certo, mas a minha timidez tudo justifica). E o fim do set foi dramático e efémero: de forma sincronizada bateram os monitores dos portáteis como quem corta o cordão umbilical. Então, xau.

Nas próximas semanas, os Ermo tocarão um pouco por todo o país, de norte a sul. Mas agora o que interessa é vê-los a anunciar rapidamente datas na Soup Kitchen, numa cave bafienta em Uppsala ou num recanto de Neukölln. E também interessa parar de os catalogar como dança ou ambient como se lê por aí. Na verdade, isto é puro punk com transgressão, subversão e linguagem própria, tudo encapsulado num formato a que nós, público Português, não estamos nada habituados.


sobre o autor

Isabel Leirós

"Oh, there is thunder in our hearts" (Ver mais artigos)

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