//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Quarenta anos depois, Suspiria volta às salas de cinema numa versão completamente restaurada e remasterizada em 4K. A cortesia vem da parte da Festa do Cinema Italiano, que decidiu incluir a obra prima de Dario Argento na secção Amacord, dedicada a retrospectivas. O filme conta a história de Lucy Bannion, uma jovem bailarina que viaja até à Alemanha para estudar numa prestigiada academia de dança. Os problemas começam cedo, quando uma das alunas desaparece e pouco depois é encontrada morta. Segue-se um conjunto de circunstâncias estranhas, que incluem misteriosas doenças, infestações de larvas e sons que ninguém quer ouvir durante a noite. Cabe a Lucy descobrir o que se passa naquela casa e sobreviver. Se entretanto descobrir o que se esconde naquele lugar misterioso, melhor.
Desde o final dos anos 1960 e até ao final da década de 1980, o sistema de estúdios italiano decidiu enverdar pelo circuito internacional do cinema de exploração. Uma exploração que começou por ser comercial, mas que por força das circunstâncias se tornou numa exploração estilística. Todos os realizadores que na altura estavam a começar a sua carreira tiveram de arranjar biscates neste tipo de projectos – westerns, aventuras pós-apocalípticas, policiais ultra-violêntos ou, neste caso, filmes de terror. Todo esse novo talento estava desejoso de mostrar aquilo de que era capaz e não se deixou prender pelas convenções que o cinema norte-americano ditava. Suspiria aparenta ser um filme de terror convencional, mas não é. Dario Argento conseguiu construir uma das obras de terror mais atmosféricas da 7ª arte e definiu um estilo que ainda hoje tenta ser replicado, uma marca de género que não se mostrava tão forte desde a era do expressionismo alemão.
Imaginem um filme dos estúdios Disney repleto de violência e imagens perturbadoras. Esta é talvez a descrição mais aproximada daquilo que podemos ver na tela. As cores são absurdamente vivas e mesmo quando o cenário se presta à escuridão da noite, a luz é utilizada de uma forma muito pouco natural, remetendo-nos para um conto de fadas saído da cabeça dos irmãos Grimm. A própria natureza da história, que se desenrola numa escola de dança, tem algo de mágico e ao mesmo tempo subversivo. Poderia sê-lo ainda mais se Dario Argento pudesse ter levado avante a ideia de construir a trama com actrizes de 12 anos. Impedido de o fazer, construiu o cenário com proporções estranhas, não óbvias, mas suficientes para o cérebro processar o desconforto.
Grande parte do desconforto surge também a partir da maravilhosa banda sonora, inteiramente composta pelo grupo de rock progressivo Goblin. A escolha provou-se tão bem sucedida que passaram a ser quase um selo de qualidade para qualquer filme em que posteriormente trabalharam, tornando-se também numa escolha recorrente para o mestre do terror. A melodia de embalar que serve de tema ao filme, transfigura-se num pesadelo febril com vocalizações demoníacas das quais só percebemos a palavra witch. Um trabalho tão poderoso que continua na nossa cabeça muito depois de saírmos da sala de cinema.
O filme abre o corpo às balas no que toca à coerência da trama e à fraca qualidade das interpretações, mas as expressões exageradas na cara dos actores e o detalhe da violência compensam tudo o resto. Mesmo o espectador mais relutante não fica indiferente à mestria da câmara ou ao surpreendente limite a que Dario Argento coloca o sofrimento das personagens. O filme vai passar por Coimbra, Lisboa e Porto. Uma oportunidade única para ver uma obra que fez história e que continua tão impressionante como no dia em que estreou.