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Desde que começaram, há mais de uma década atrás, a fazer barulho como gente grande, que os ingleses Anaal Nathrakh conseguiram sempre manter uma frequência assídua de lançamentos, não permitindo que existissem grandes fendas ou esperas entre álbuns. É ainda mais implacável que a própria música, tão bruta que já é, que nem nos dêem tempo de sarar as feridas causadas por um disco anterior, arrebatando-nos logo com outro de seguida. E esse, por acaso, até é o lado bom. O menos bom é que nem sempre dá para manter o mesmo nível de inspiração.
Os padrões de discos recentes como “Passion” ou “Vanitas” são questionáveis e a partir daí começam a colocar-se as habituais questões de quantidade em face de qualidade e identidade sonora. Não andam por aí mais bandas a pescar uma fúria visceral ao black metal, que não se vê no habitual desse gélido género, a dar-lhe uma boa dose de pancada grindcore, regar tudo com um negrume industrial e envolver tudo numa película de noise e “basqueiro” do bom – se quiserem acreditar que isso existe. Mas temos que ver uma coisa: ainda há assim tanto por onde fazer com esta sonoridade, ou a berraria dos Anaal Nathrakh começa a ganhar familiaridade e a perder aquele desconforto que tanto precisa?
Talvez os álbuns anteriores apontassem para aí, mas parece existir algo em “Desideratum” que recupera muita da violência que parecia estar a amolecer ou, pelo menos, a calejar. Continua uma corrente sonora que já se tem vindo a notar em vários discos pós-Eschaton, que são os riffs a trazer lembranças de um chug chug que parecerá, para muitos, descabido e despropositado neste ambiente. Por exemplo, o riff que compõe a introdução instrumental “Acheronta Movebimus” pode parecer algo já ouvido numa qualquer canção manhosa de alguma banda do infame metalcore moderno, se é que já não foi ouvido mesmo. Mas podem endireitar-se os narizes, porque estes jovens já andam nestas andanças há algum tempo e fazem-no resultar bem. É um dos muitos ingredientes para aquela fórmula tóxica que é o aterrador som característico dos Anaal Nathrakh. E há mais disso pelas faixas fora e têm no seu perfil aquele mínimo que se requer: simplicidade eficaz que torne os riffs fáceis de memorizar e que involuntariamente faça abanar uns quantos crânios. V.I.T.R.I.O.L., o excêntrico vocalista já de nome, continua a cuspir uma berraria como se de algum monstro não identificado se tratasse – e Niklas Kvarforth ainda dá uma espreitadela em “Rage and Red” para ter a certeza que só junta aqui boa gente – e a dar-nos a sensação de algo blasfemo a passar-se, mesmo que não entendamos o que ele para ali berra. O ambiente é desagradável e junta-se a isso a violência do grindcore, como se já não fosse suficiente. E no meio disto tudo, por estranhíssimo que possa parecer, há muito espaço para melodia e ela existe em fartura. O abuso: aqueles samples que também servem para o ambiente podem parecer em demasia para muitos ouvintes e dar a sensação de querer encher ou tapar alguma coisa. Acaba por nem estorvar tanto quanto parece.
Não é caso para dizer que “Desideratum” seja o melhor álbum dos Anaal Nathrakh em muito tempo, nem que tenha algum lugar especial na já vasta discografia do projecto, tal é a ligação sonora directa que se encontra entre todos os registos, mas saltou a barreira da desilusão e desapontamento deixado por alguns álbuns anteriores. Para além disso, apresentam um disco bem completo e competente a cumprir aquele som que só a eles lhes pertence e ajuda a mantê-los estabelecidos como uma banda a ter em conta quando se procura música extrema para além da música extrema. Nunca terá o mesmo impacto que o demónio de estreia, “The Codex Necro”, e, anos depois, nunca mais voltarão a apresentar uma obra que arranque a pele da cara e queime a carne da forma como esse petardo de estreia o fez. Mas que façam disto com inteligência e competência e poderão ser daquelas bandas que mantêm a qualidade, mesmo depois de um já numeroso currículo discográfico.