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Folhear cada uma das páginas da carreira do guitarrista Jorge Coelho é percorrer um romance que se iniciou no final da década de 80 e que se foi desenrolando ao longo dos anos através da passagem por inúmeros capítulos. Dos Cosmic City Blues aos Zen, da composição de bandas sonoras às parcerias com Alexandre Soares ou Adolfo Luxúria Canibal, dos álbuns em nome próprio à fundação, relativamente recente, da banda instrumental TORTO. Jorge Coelho foi construindo um percurso muito próprio, repleto de pontos de exclamação e de interrogação mas, felizmente, ainda sem um ponto final à vista. A prova está aí: “3 Coisas de um Poema Sobre a Vontade” é o título do novo disco do músico portuense. Mais um num caminho que é o seu, e apenas seu.
“Cada ideia deve ser agarrada e levada até ao fim. Mesmo que os preconceitos da experiência aconselhem cautela. Nem sempre para a frente, mas a andar”. 13 anos depois de Tenaz, alteravas alguma coisa nestas palavras?
Eh pá, sei lá… Já não me lembro muito bem disso. Recordo-me vagamente. Lembro-me que tinha um tom azedo que agora mudaria. As coisas que me apareceram nessa altura, e volto ao ano de 2000, aconteceram no sentido de trilhar para onde eu ia cair, sem perceber que muito disso era passado e que o que estava para a frente era algo metido num beco. Pode haver dias em que um gajo acorda e pensa que é tudo uma estupidez, há dias em que nada vale a pena, há outros em que achas que queres ser conhecido. Mas nada muda. O que existe é “o beco”. Gosto muito desse disco, por acaso…
Mencionaste um certo azedume. Isso devia-se a quê?
Não sei bem. Acho que é o fim daquela cena das bandas. Do hype, da excitação de ter bandas e de tocar em sítios grandes, de ser tudo espectacular. De ter percebido, de forma definitiva, que o entretenimento não me interessava. Com isso apercebes-te de uma coisa lixada: fecham-se muitas portas. Percebes que o entretenimento não te interessa, mas, sendo assim, há que se estar preparado para que não aconteça grande coisa. No fundo, isso vai-se transformando numa coisa realmente fixe e libertadora. Esse azedume era mais uma ressaca, talvez.
Em 2010 editaste um disco com o título “Um Dia no Porto”. Acreditas que a música tem a ver com os locais de onde ela provém?
Esse disco era só à volta disso e eu continuo a acreditar que sim. Não é propriamente ter uma perspectiva impressionista das coisas. Acho que existe uma tentação de fazer músicas com os nomes dos espaços. De querer que o espaço seja mesmo o motivo daquilo que estás a compor, ou que seja algo que te ajuda a organizar as ideias. O que se tornou interessante para mim foi perceber que sou um gajo que toca guitarra, que vive no Porto, que sempre viveu no Porto, e que não sou de Chicago ou de outra cidade do género. Foi bom deixar de ver isso como uma coisa estranha, tal como foi bom perceber que as pessoas são iguais em toda a parte. Tem também a ver com qualquer coisa como validação. Desde putos, nós crescemos a pensar que só somos alguém se um gajo lá de fora nos validar. Neste momento, isso não faz qualquer sentido para mim. É muito interessante ser um cromo do Porto que faz estas coisas. Acho que é esse o meu papel.
O “Arca d’Água” foi lançado, em 2012, com o selo da Lovers & Lollypops. Já o “3 Coisas de Um Poema Sobre a Vontade” marca a tua estreia pela Amplificasom. Como é que se deu este encontro?
É o que acontece quando se vai trabalhando com pessoas com quem se faz concertos de vez em quando. Existe uma certa atracção natural por gente de quem eu gosto muito, que faz concertos que me agradam e que tem uma posição sobre a música que eu aprecio imenso. Isto não é um caso tipo “Madonna assina pela editora X” (risos). Ninguém está comprometido a nada. Nem eu a fazer discos com eles, nem eles estão condenados a editar os meus discos. Tal como fui editando coisas de TORTO com o Rodrigo, da Borland. O André, da Amplificasom, é alguém que me encanta. Mais até pelo Amplifest do que por qualquer outra coisa. Por isso e pela maneira como gosta de música, activamente. Até podem ser coisas que eu não gosto, isso não é relevante. O que interessa é a paixão com que ele se mexe e, de repente, pareceu-me mesmo fixe que ele quisesse fazer alguma coisa com este material. Foi um encontro de vontades que me deixa bastante orgulhoso e contente.
Vai haver datas ao vivo para apresentação e promoção do disco para além da aparição já anunciada no Amplifest?
Talvez haja alguma coisa em Lisboa logo a seguir ao Amplifest. Fiz uma data no Porto, no Palácio do Bolhão, mas, entretanto, tive mesmo que parar. A partir de Setembro queria ver se conseguia fazer meia dúzia de coisas. Por outro lado, não consigo criar aquela relação de editar um trabalho e, logo, ter que o promover para editar mais a seguir e assim sucessivamente. Não consigo pensar assim. Há meia dúzia de sítios onde posso fazer isto com naturalidade. Não faz qualquer sentido organizar uma digressão com vinte datas, por exemplo.
Os temas do “3 Coisas de Um Poema Sobre a Vontade” foram escritos recentemente? Quanto tempo demorou a concepção deste teu novo disco?
Quase um ano. Este disco foi sendo feito aos bocados. Foi um pouco diferente porque voltei a trabalhar com alguém. Nos últimos discos tinha trabalhado quase sempre sozinho. Desde gravar, misturar, etc. Neste caso estive a trabalhar com o Paulo Miranda, de Viana do Castelo, e as gravações foram acontecendo com intervalos grandes entre elas, mais porque os temas demoraram bastante tempo a serem escritos. Mas foi um processo sem qualquer tipo de pressão. Quando estivesse feito, estava.
As faixas intitulam-se, muito simplesmente, “1ª”, “2ª” e “3ª”. Em que consiste, exactamente, a divisão do disco?
Vejo aquilo como uma peça só. Elas foram escritas separadamente, embora eu veja o trabalho como um todo. Como se fosse uma sonata com três andamentos (risos). Algo pomposo desse género. Ou seja, os nomes de cada elemento não são importantes. Aquilo é uma coisa e os nomes são apenas uma conveniência.
Como é que decides quais os temas que queres editar e como é que sabes qual o projecto indicado para cada um deles?
Há coisas que se cruzam um bocado. Por exemplo, existe material de TORTO que são músicas que eu já tinha feito há uns anos para um filme, para uma peça de teatro ou para algo do género. Às vezes, são só formas diferentes de pegar nas mesmas coisas, há pontos em que elas se tocam. Em termos do que tenho feito em nome próprio, eu começo a trabalhar, de facto, para uma coisa e acabo-a. Já sei que estou a trabalhar naquilo. Começo a compor e levo até ao fim. Normalmente, são períodos em que não faço mais nada. TORTO é diferente. TORTO tem um pouco a ver com material que faz parte do meu glossário e em que eu penso “Eh pá, deixa cá ver aquela cena… Ah, isto dá. Olha que fixe!” (risos).
Compor para cinema é um desafio para ti? A abordagem é diferente?
Agora não tenho trabalhado muito nesse campo. Felizmente, o que acontecia na maioria das vezes era terminar a música antes de o filme estar pronto. Os realizadores dão-se bem assim porque isso os ajuda a pensar o material que estão a filmar. A mim ajudava-me porque o processo era muito semelhante, ou seja, partia de um texto, ou de algumas ideias do que iria acontecer, e compunha livremente em cima disso. Não estava dependente das imagens, ou dos tempos. Penso que para fazer isso não serei a pessoa mais capaz, ou com a maior das boas vontades. Já fui obrigado a fazê-lo e faço-o, mas não é uma coisa que me interesse particularmente. De facto, o que acontecia era um realizador conhecer-me ao ponto de dizer “Faz umas músicas. Eu gosto do que tu fazes e vou poder usá-las”. Eu não estava a compor exactamente para aquele filme. Era para um filme. Até podiam ser vários. Nesse sentido era uma coisa bastante livre, como trabalhar para mim, ou algo do género. Quanto à questão do desafio, penso que, ao fim de algum tempo, já não é muito importante ter desafios ou não. É fixe saber que chego a casa, que tenho que tocar guitarra e que vão saindo coisas. Apenas porque me apetece e porque não tenho nada melhor para fazer. Tudo o resto interessa-me menos (risos).
É muito complicado tocar num dia com os TORTO no Primavera Sound e tocar a solo no dia seguinte no Mercedes, por exemplo? São quase coisas opostas.
É mais fixe tocar no Mercedes, isso é um facto. São coisas opostas e é interessante ir ao Primavera. Faz todo o sentido os TORTO estarem no Primavera como tantas outras bandas absurdas que lá aterram. Mas não há nenhuma forma daquilo cumprir o papel de entusiasmar toda a gente. Eu não acho que isso seja ofensivo para alguém. Penso até que os festivais têm o problema de arriscar pouco. Uma forma de os festivais se tornarem interessantes era terem muitas bandas bizarras lá pelo meio. Acho que as pessoas toleram-nas bem e até servem para mudar o estado de espírito, mas o grosso de um festival tem de ser feito com o pessoal a cantar os refrões. Eu não estava no palco do Primavera a pensar “Ui, agora é que vai ser. Vamos partir isto tudo!”. Não, de forma alguma. Foi bizarro porque era muito cedo e o palco era enorme. O som estava muito bom para nós e o sítio do festival é incrível. O Parque da Cidade é um local onde eu vou muitas vezes. É engraçado tu teres falado no Mercedes porque a minha relação com as coisas do Porto está diferente. Acho que passei muitos anos com o sonho de ir lá para fora e, hoje em dia, tenho muito mais prazer se fizer algo no Mercedes, ou no Passos Manuel. Isto porque, de repente, há uma relação altamente forte e pessoal com os espaços daqui.
Nesta fase da tua vida, que importância atribuis às experiências vividas com os Cosmic City Blues, os Zen, o Alexandre Soares, o projecto Estilhaços Cinemáticos e todos os outros em que estiveste envolvido?
É uma parte fundamental da minha vida. Muitas outras partes da minha vida são pessoais, e são muito importantes, e depois há a rotina do trabalho, de ganhar a vida, de pagar a renda. Para mim, as coisas mais antigas são muito interessantes porque pertencem àquela fase em que descobri que queria ser músico. Quando ser músico parecia uma revelação divina. Havia uma urgência incrível e isso é um lado fantástico. É muito fixe lembrar-me que tinha dezoito anos e que nessa altura podia andar a tocar guitarra eléctrica e a dar concertos. Há episódios que só fazem sentido quando se tem dezoito anos e às vezes é difícil perceber isso. Não quer isto dizer que só as pessoas de dezoito anos é que podem fazer certas coisas. Quer dizer que uma pessoa tem características particulares aos dezoito anos que não tem mais tarde. Pode vir a tocar melhor, pode vir a fazer montes de cenas melhor, mas não tem aquela urgência. Só se for maluco, ou se se drogar (risos). Mas não tenho nenhum lado nostálgico com isso. Tenho zero de olhar para trás e pensar “Isso é que foram tempos!”. Foram tempos espectaculares, mas tocar no Primavera foi espectacular, ter tocado no Palácio do Bolhão foi inacreditável, acho que foi um dos melhores concertos que dei na minha vida. É verdade que me sinto privilegiado. Em 1989, ou 1990, não era assim tão óbvio ter-se uma banda e era muito mais fácil aparecer-se nos jornais, haver reportagens, era tudo uma excitação louca e um gajo acreditava que estava mesmo a acontecer alguma coisa. Esse lado é muito fixe porque é um lado meio onírico, algo imaginado misturado com a realidade. Agora não, agora sou mais racional e preocupo-me muito mais com a música e com aquilo que estou a fazer. Mas, se calhar, sou uma seca desgraçada. Não me confundo.
Tens uma personalidade bem vincada como músico e compositor. Como é participar em projectos de outros artistas? Estou a pensar nas colaborações com os Sizo, com os Mesa…
Os Sizo são muito meus amigos e eu, nessa altura, dividia casa com dois deles. Tentava dar-lhes o máximo de ajuda que pudesse, a gravar, etc. Divertia-me muito com o que eles faziam e era mesmo só dar uma “perninha” como amigo. De facto, a única coisa que é cómica e bizarra é a história dos Mesa. Em primeiro lugar, é muito cómica porque eu não tenho qualquer tipo de problema com isso. Tocava guitarra como sei e, se for ouvir o que está gravado nos discos, até acho bastante piada àquilo que estou a fazer, tendo em conta que a música não é minha.
E achas que conseguiste conferir o teu cunho às músicas dos Mesa?
Acho que, por momentos, há coisas engraçadas ali no meio. Por exemplo, o Alexandre Soares também gravou coisas com os Mesa e há ali material que acaba por ter alguma graça. Agora, a existência comercial e a tentativa de aquilo ser uma banda bem sucedida sobrepôs-se a tudo o resto, tornando o projecto muito menos interessante. Se calhar, até teria vendido mais se deixassem aquilo ser um bocadinho mais bizarro. Eu sou bastante amigo do João Pedro Coimbra e a relação pessoal tinha muita piada. O Miguel, dos TORTO, também tocou nos Mesa vários anos e ríamos muito. Era muito cómico e isso é difícil de explicar. Mas não me quero confundir, não há nada nisso que me envergonhe. Foi das poucas vezes em que estive a fazer qualquer coisa que não era minha, nada era meu. Era muito interessante para mim porque nunca fiz isso. Raramente toquei com outras pessoas e cruzei-me muito pouco com outras coisas, se calhar por ter essa personalidade vincada de que falavas há bocado. Acho que houve a percepção de que eu era uma gajo insuportável (é verdade!) e sempre tive tendência a trabalhar com pessoas com as quais eu encaixo, como o Gustavo Costa ou o Alexandre Soares. O que me fascinava nos Mesa era estar num mundo que não era mesmo o meu. Mas, com o tempo, o interesse desvaneceu.
25 anos depois da fundação dos Neurónios, mais tarde Cosmic City Blues, o que te faz continuar a compor e a gravar discos?
Não faço a mínima ideia. Acho que não tenho nada melhor para fazer. Se me surgisse uma vontade indómita de praticar windsurf era isso que ia fazer. Durante muitos anos eu achava que compor e tocar guitarra eram uma manifestação do pensamento. Passado este tempo todo cheguei à conclusão de que é isto que eu faço. Às vezes reparo que fico umas semanas sem fazer quase nada e, de repente, sinto uma angústia estranha. Pego na guitarra, começo a fazer qualquer coisa e penso “Ah, ok, é isto que eu faço!”. Fui-me desinteressando de outras áreas que me interessavam muitíssimo, como o cinema ou como pensar que iria ser escritor. Isso foi-se tornando cada vez menos interessante porque me interessa muito mais isto que faço. Não acredito que vá vender muitos discos, ou que vá ser muito conhecido, mas isso preocupa-me pouco. Alguém há-de contar a história, um dia, isso não é problema meu. A minha parte é fazer o que tenho para fazer.
Quais são os teus prazeres sonoros?
Olha, isto é um mundo mesmo estranho e tu sabes isso melhor do que eu. Os hábitos de consumo são mesmo difíceis. Ontem desactivei o Spotify, que tive para aí durante dois meses. Tentei ter o Spotify a pensar “Vai ser agora que vou descobrir montes de coisas!” e nada, zero. Aquilo não tem interesse nenhum, para além de ser uma vigarice demente. Muitas vezes o problema é chegar às coisas. Como é que as descubro? Não quero ter tiques de coleccionador de discos porque não possuo essa natureza de ter que saber tudo o que se passa, de conhecer as coisas novas e de estar por dentro. Não sinto essa obrigação, mas não quero passar os meus dias a ouvir os discos dos The Psychedelic Furs ou de outros grupos que foram importantes para mim quando tinha dezoito anos. Há-de haver aí um meio-termo, algures. O esforço é ir descobrindo, regularmente, coisas que me motivem a sério e isso não é fácil.
Que descobertas tens feito ultimamente que valham a pena ser mencionadas?
Ultimamente, acho que o disco que terei ouvido mais vezes foi o “Sauna”, de Mount Eerie. Ouço muito da contemporânea e é mais fácil ficar motivado a ouvir coisas que têm mais a ver com som do que propriamente com o compor de canções. Vou ser honesto, é-me difícil descobrir bandas e ficar extremamente excitado. Também é difícil para mim ouvir o novo disco dos Wilco e achar que faz sentido ouvir aquilo agora. Ou mesmo o último disco dos Low. É algo que me deixa um bocado triste. Bandas que me acompanharam durante largos anos, que têm muitos discos de que gostei muito, são uma seca horrível. São uma merda, de facto! Há aqui uma questão tramada. Vamos pensar nos Wilco, por exemplo. Hoje em dia, só mesmo editando discos todos os anos é que se consegue manter uma empresa daquelas a funcionar. Como não há contratos com pés e cabeça com as editoras, as bandas não têm tempo para esperar pelas coisas e acontece tudo muito à pressa. Tipo: edita disco, faz tournée de Verão, edita disco, faz tournée… É inevitável que haja muita porcaria pelo meio. Saiu há pouco tempo um disco do Jim O’Rourke que é horrível, mas eu fico contente. Acho que ele sim! Faz discos mesmo maus, de vez em quando, mas isso é sinal de que, proximamente, vai fazer um incrível. Prefiro gente como o Jim O’Rourke, que tem o seu percurso totalmente desligado da realidade. Concluindo, acho que não sou um bom conselheiro para falar de bandas agora.