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Le Jeune Karl Marx
Título Português: O Jovem Karl Max | Ano: 2017 | Duração: 112m | Género: Biografia, Drama, História
País: França, Alemanha | Realizador: Raoul Peck | Elenco: August Diehl, Stefan Konarske, Vicky Krieps, Olivier Gourmet , Hannah Steele

Segundo Raoul Peck, Karl Marx é jovem desde a sua chegada a Paris, em 1844, até à publicação do Manifesto do Partido Comunista, em 1848, ano que assinala também o início de uma série de revoluções que levarão à queda de monarquias absolutas e de poderes imperiais na Europa central. Estas transformações sociais, consequentes ou não do ainda jovem e ingénuo trabalho de Karl Marx e Friedrich Engels são, pelo menos, o presságio das revoluções de que uns os irão culpabilizar e outros enaltecer no decorrer do século seguinte.

Nascido no Haiti e exilado no Congo, para fugir à ditadura de Duvalier, Raoul Peck dedicou-se desde sempre a um cinema militante que inclui obras como L’Homme sur les quais (1993), que trata o início da ditadura no Haiti, e I am your Negro (2016), sobre a a luta racial nos Estados Unidos da América. Le Jeune Karl Marx é, como o realizador admite, sobre a sua própria juventude e sobre a sua crença no génio de Marx e na sua análise da sociedade. O seu desejo não fora o que fazer uma biopic, «a redução de uma história geral a um destino privado», mas o de «encarnar uma história intelectual através da emoção». O resultado é um filme peculiar, que aborda, com um olhar romantizado, um tema pesado e uma figura controversa, revelando-os mais humanos e acessíveis a todos.

Desde o início da narrativa, o jovem Marx mostra-se uma figura conflituosa, mais preocupada em divulgar as suas ideias do que em aceitar a ordem vigente que, de resto, tem obviamente pouco interesse em tolerá-lo. Da Alemanha natal muda-se, com a esposa, Jenny, para Paris, onde conhecerá Proudhon e se tornará amigo íntimo de Engels, descrito como um género de dandy burguês convertido, por ideal ou por amor, à causa dos operários. A uma primeira troca de palavras tipicamente provocadora segue-se um rol de elogios mútuos característico daquelas cenas de fundo de bar com copos vazios, não obstante ainda não ter sido bebido nenhum. Mais tarde, depois dos ditos copos, num momento cliché de que o filme está repleto, Karl confessa ao seu novo amigo a sua revelação de que os filósofos, cansados de interpretar o mundo, terão agora de começar a transformá-lo. Incluir, numa biografia de Karl Marx (ou seja, num filme eminentemente político) material intimo e dificilmente documentável (as relações amorosas dos dois amigos ou as suas disputas com Proudhon e os outros elementos da Liga dos Justos) tem o dom de torná-lo acessível a um público pouco inclinado em ouvir falar sobre um assunto que lhe é ou indiferente ou penoso. A contrariedade é manter este registo casual e afectivo sem perder o traço à história e, portanto, aos conceitos e aos dilemas a que associamos o nome de Marx e que figuram mais nas suas palavras escritas do que nas faladas. Algumas cenas podem ser, por isso, difíceis de digerir, principalmente para os defensores do filósofo, a quem parecerá certamente uma transgressão à grandeza da personagem histórica ouvi-la dizer que «está farta de lutar com pregos, que irá passar a usar martelos».

Admitindo, pois, as dificuldades expectáveis do confronto entre a imagem histórica e teórica e a personagem humana e comum (mais ou menos verosímil) em que a imagem é simbolizada, admiremos o esforço disciplinado de Peck em produzir um todo coerente e inteligível. Admiremos, também, as pontas com que escolheu atar o nó, isto é, as cenas inaugurais e finais do seu filme. A motivação para os filmes de Peck – que é a actualização da motivação para o trabalho de Marx – é alegorizada por um filme de terror introdutório (com luz e música a condizer) protagonizado por camponeses que recolhem (ou seja, aos olhos da lei, roubam) lenha caída em propriedades alheias e merecem, por isso, a morte brutal pela espada ou pelo machado (à la Sleepy Hollow) dos capatazes das mesmas. As consequências desse mesmo trabalho mesmo trabalho – do esforço de Marx e Engels, documentado no filme, e das consequentes lutas intelectuais e armadas contra o sistema liberal dos séculos XIX e XX – vêm coroadas numa espécie de posfácio, com imagens do último século envoltas na voz e na música Bob Dylan.


sobre o autor

Ana Ferraria

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