Reportagem


José González

Uma noite para partilhar a mesma pulsação

Aula Magna

03/05/2017


Uma semana antes do concerto, passámos os dias a conduzir um inquérito sobre a nacionalidade de José González. É verdade que dos inquiridos contavam-se sobretudo ouvintes casuais do músico, mas quando o sueco surgiu ontem em palco com um “tudo bom ?” de sotaque perfeito, achámos mais que legitima a noção de que é natural algures da América do Sul.

Faltam dez minutos para as 22 horas, a aula Magna está perto de cheia, mas ainda há a movimentação daqueles que não conseguem encontrar os lugares marcados. José González não pede permissão a ninguém e lança-se sem fanfarra a “With The Ink Of A Ghost”.

Começamos bem.

Há uma dinâmica interessante entre o público da Aula Magna e o repertório do músico. Todas as músicas, quando terminadas, merecem palmas, mas para que estejamos todos de acordo sobre aquelas que nos trouxeram cá, só essas são preludiadas com aplausos. “Stay In The Shade”, “Lovestain” e “The Nest” cederam essa honra a “Crosses”. O tema de Veneer não precisou de mais de dois segundos de dedilhado para ser reconhecido. Da nossa parte, duvidamos que toda a gente do público tenha passado o último ano a jogar “Life Is Strange”, pelo que vamos acreditar nas qualidades memoráveis do tema.

José González

Pela sua parte, José González parece perfeitamente satisfeito. Parcamente comunicativo, dirige-se ao público para agradecer e anunciar uma ou outra canção. No pouco que disse, aproveitou para lembrar que há 10 anos atrás já havia passado pela Aula Magna.

Não sabemos como foi na altura, mas tentemos explicar o que é, hoje, um concerto de José González: é como ir a casa daquele amigo que toca muito bem guitarra. Temos uns quantos que sabem alguns acordes, mas até esses ficam sem jeito por comparação. E ali ficamos a ouvir; não muito alto para não acordar os vizinhos. A única diferença é que, neste caso, o nosso amigo é um sueco com uma afro e “tocar muito bem” é um eufemismo. Mas o espírito intimista mantém-se. Os silêncios que só marginalmente nunca chegam a ser constrangedores, as pausas para afinar a guitarra; tudo isso está presente. O cenário, passe a redundância, fica para plano de fundo. Aquela cordilheira azulada e céu estrelado facilmente se desvanecem num jogo de luzes que cumpre na simplicidade o seu papel.

O concerto continua: “This one is called ‘The Forest’”. É um ambiente pacato e um tanto previsível. “Cycling Trivialities” é uma daquelas que justifica o ingresso, pelo que merece as palmas iniciais. Os temas vão-se sucedendo e nunca os aplausos perdem o entusiasmo. Há um respeito impressionante pelo artista que nunca teve que sobrepor a voz ao som dos aplausos. Este é um público bem comportado que sabe exactamente ao que veio e não precisa de “show offs” para fazer valer o bilhete.

Num espéctaculo mais centrado no último álbum, Vestiges & Claws, de 2015, “Hand On Your Heart” e “Line Of Fire”, covers de Kylie Minogue e Junip, servem como interlúdios refrescantes ao trabalho menos imediato do sueco.

No último fôlego do concerto, “Stories We Build, Stories We Tell” tem direito a palmas a acompanhar (pelo menos enquanto o músico não canta) e quando termina “Killing For Love” a Aula Magna concede uma mais que merecida ovação de pé para decorar a primeira saída de palco.

José González

Claro que o concerto não havia de acabar aqui. Falta, no mínimo, uma canção. Aquela que terá direito aos maiores aplausos iniciais. Quando José González volta a palco ouve-se alguém gritar-lhe o nome. Da canção, entenda-se.

Pequeno à parte: Epá, ’tá calado.

Longo à parte: Não sabemos o que sente um músico quando o seu tema mais conhecido é uma cover. Mas, anos depois de já nos termos esquecido que automóvel estava a ser vendido no anúncio que tornou esta versão famosa, numa altura em que já temos que nos embrulhar em referências para explicar quem são os The Knife, é seguro dizer que esta é a versão definitiva de “Heartbeats”. Pelo menos, os presentes devêm tê-lo achado.

Para terminar, houve lugar para “What Will”, cuja conclusão sôfrega anunciava que estávamos prestes a chegar ao fim.

“Teardrop”, dos Massive Attack, foi o cair do pano dum espectáculo que teve como merecida a sua derradeira ovação. Foram 70 minutos de canções curtas que nunca abusaram da estada. Foi uma performance perfeitamente segura, perfeitamente agradável e, apesar de toda esta adjetivação comedida, ligeiramente mágica.

Galeria


(Fotos por Paulo Tavares)

sobre o autor

Jorge De Almeida

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