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Conhecem a lenda de Pigmalião? É sobre um escultor da Grécia Antiga que, cansado de ver as mulheres da sua cidade enveredarem por uma vida de libertinagem, que lhes retirava o encanto, decide criar uma estátua que simbolize o seu ideal de beleza feminina. No fim, acaba por se apaixonar pela sua própria obra e por pedir à deusa Afrodite que lhe seja dada vida humana. Esta lenda – que inspirou uma peça de teatro de George Bernard Shaw, que por sua vez deu origem a várias adaptações cinematográficas, sendo My Fair Lady a mais famosa de todas – acaba por ser também uma influência na criação de S1m0ne. Desta vez, a história foi adaptada para o mundo do cinema americano do início do século XXI. Tudo começa quando um realizador de Hollywood (Al Pacino) fica farto das birras e da sobranceria das suas estrelas e decide utilizar no seu novo filme uma actriz virtual, criada a partir de um programa informático. O mais espantoso é que toda a gente fica convencida de que ela é mesmo de carne e osso. E, naturalmente, começa a idolatrá-la e encará-la como o modelo a seguir no que à beleza física e capacidades artísticas diz respeito.
Realizado por Andrew Niccol (o cineasta de Gattaca e Sem Tempo e argumentista de Truman Show), enquanto objecto artístico, S1m0ne tem um ar de série B demasiado inofensivo. No entanto, como sátira consegue ser eficaz. E nada lhe escapa. Desde a obsessão dos media pelas figuras públicas ao universo cada vez mais artificial e esvaziado de alma dos filmes de Hollywood. A personagem Simone é a estrela ideal para a capital dos sonhos, precisamente por ser uma actriz virtual. Ela é o sonho de todos os realizadores fartos de actores caprichosos, indisciplinados e pagos a peso de ouro. Tanto o comportamento de Simone como a sua imagem e modo de representar podem ser moldados de acordo com os interesses de quem a dirige. Mas o único que detém poder sobre ela é Al Pacino, um realizador medíocre que salta para a ribalta graças a essa actriz virtual. A certa altura, no entanto, a questão que se coloca é quem cria quem? É que o criador começa a ficar demasiado dependente da sua criação e do êxito que esta alcança.
Tanto a imagem como as interpretações de Simone nos filmes dirigidos por Pacino são demasiado artificiais para ela poder ser considerada uma grande actriz. E, no entanto, toda a gente a admira e o seu valor não poderia ser mais consensual. Tal como a certa altura se diz no filme, “é mais fácil enganar cem mil pessoas do que uma só”. E não interessa se a figura de Simone é credível ou não. O que interessa é que o público acredita nela. E, vendo bem, ela não é mais artificial do que a maioria das estrelas de cinema (e televisão, música, etc.).
Os próprios filmes de Pacino (e aqueles inacreditáveis diálogos) são embaraçosamente pretensiosos, mas tudo isso é propositado, para enfatizar ainda mais a ideia de que os espectadores estão tão enfeitiçados pela personagem de Simone que não conseguem ter discernimento suficiente para julgar a sua capacidade artística. É certo que o filme, por vezes, abusa da boa vontade do espectador (o modo como Pacino se tenta livrar de Simone e de como esta regressa à vida pública), mas a ironia de algumas situações é tão certeira que se torna difícil resistir a esta proposta. Por exemplo: ouvir Simone a cantar o clássico “(You Make Me Feel) Like a Natural Woman” de Aretha Franklin, ou um jovem actor a apresentar-se a ela com a frase “Hi, I’m Hal”, numa alusão ao computador de 2001 – Uma Odisseia No Espaço.