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Vítor Rua editou um novo trabalho em Julho, um registo que nos leva em viagem por sons cósmicos e sonhadores. Os anos 80, o pop-rock dos GNR e os ensaios em Francos já fazem parte de um passado distante, hoje Rua afirma-se com um importante nome do improviso e da experimentação sonora.
Conheçam o disco Do Androids Dream Of Electric Guitars? pelas palavras do próprio, e acompanhem a leitura com uma audição do trabalho no Spotify. Não se vão arrepender, têm pela frente uma rica lição de música e de criação musical.
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A nave Do Androids Dream Of Electric Guitars? beijou languidamente a superfície do planeta.
O oiro do rio cravejava em mil estrelas o firmamento da ramagem; raios de vento solar agitavam os anéis refulgentes da água, argênteos cometas sopravam no veludo das folhas.
Cada cintilação era relativa a um som específico no radar mental.
Muito longe, a neblina de Betelgeuse, quase silenciosa; além, Aldebaran, mais próxima e intensa, chispando clusters; com um ruído fantástico, a fosforescente Alfa Centauri; deleitou-se com a energia sónica radioforme do frutedo de Cassiopeia; mini-relâmpagos alumiavam o líquido Orion num som estrídulo percussivo e contínuo.
Ouvia-se o chocalhar do rio na sua curva de Via Láctea, rasgando a vegetação atonal; a nebulosa magalhânica das copas; o estampido duma super nova ofuscante; seguiu-se um vazio silêncio que cegava… depois… misticamente… glissando e, súbita agitação das folhas audiovisuais prenhes de seiva.
Ouviu-se uma gama entre sons infra e ultra, raios resplandecentes Pink Floyd.
Impulsos sonoros informacionais variáveis, cordas sibilantes.
Na perspectiva textural, uma corola, Tau Ceti, roçava em elipses as pétalas de Andrómeda; pressentiu-se o explodir microacústico dum planetóide alojado numa semente; a queda asa delta amarela dum meteoro vindo do topo da árvore dissonante que ao poisar no solo levantou poeira sideral.
O concreto e o imaginário; mais longe até a vista ficar louca de som imenso: o Sol, que naquela manhã embebedava de radiações audioextravagantes… e nos confins da Galáxia, entre os sons da Natureza – uma melodia arcaica de uma guitarra Ramirez a esvair-se…
“Música!”- o Humano não estava só no Universo…
São várias as razões que nos fazem diferenciar um estilo musical de outro.
Um estilo musical pode caracterizar-se por possuir um determinado ritmo que lhe é idiossincrático, outro por usar escalas pentatónicas, um pode usar estruturas complexas (como o Serialismo), enquanto outro pode recorrer a construções simples (como o Minimalismo).
Mas seja o que “for” que nos leva a reconhecer os variegados estilos musicais, existe algo que é comum a todos: possuem um idioma, idiossincrasias que os tornam únicos.
Neste tema (como em todos os outros deste CD) criei um novo estilo musical que intitulei de “Improvisação Meta-Idiomática”.
É um pouco como as línguas: sabemos diferenciar o francês do inglês, o italiano do espanhol ou o chinês do japonês.
Em Música distinguimos com relativa facilidade o Punk do Rap, o Rock do Jazz, o Impressionismo do Expressionismo, o Serialismo do Minimalismo ou o Hip Hop da música Concreta, porque de idiomas distintos se tratam.
Este tema aborda vários estilos musicais, mas há um que sobressai: a Improvisação Total.
Nos finais dos anos 1960 surgiu um estilo musical que se auto proclamava isento de qualquer tipo de idioma. Estamos a falar da “Total Improvisation” ou da “Free Improvisation” e o que definia esta nova forma de improvisação, era – supostamente – a impossibilidade de a relacionarmos com qualquer estilo musical reconhecível.
Este tema releva como primordial o estilo jazzistico na forma com dá um tema; improvisa sobre ele; e depois volta ao tema.
Desse modo e de forma a caracterizar-se e nomear-se este novo estilo musical, o guitarrista e improvisador Derek Bailey escreveu no seu livro “Improvisation” que essa nova música improvisada era “não-idiomática”.
Repare-se que mesmo que fosse “verdadeira” esta sua afirmação, no instante em que ele a caracterizou como “não-idiomática”, esta passaria a ser o estilo cujo idioma seria não-idiomático! Mas não deixaria de ser um idioma!
Este tema mescla a Improvisação Total com certo Rock Noise.
Mas – helas! – não era “verdade” o que Derek Bailey escreveu no seu livro.
Existiam – pelo menos – dois estilos musicais, aos quais esta nova improvisação se “inspirou”: a chamada “Música Contemporânea” (continuidade da chamada música Clássica Ocidental) e o Free Jazz.
Mais uma vez neste tema ocorrem simultaneamente variegados estilos, sendo o estilo jazzistico o que mais sobressai juntamente com o de certo Heavy Rock.
Note-se que dois dos mais paradigmáticos grupos deste novo estilo musical – o A.M.M. e os M.E.V. – eram constituídos por compositores (Alvim Curran, Richard Teitlbaum e Fredrick Rezewsky nos M.E.V. e Cornelius Cardew nos A.M.M.); outros vieram do Jazz (Eddie Prevóst ou Lou Gare); e outros eram intérpretes da música contemporânea como o pianista John Tilbury.
Também os novos improvisadores solistas (ou em diversas formações) como o Michel Portal, o Heinz Holliger ou o Vinko Globokar, eram todos eles compositores. E muito bons!
Assim, o que estes músicos criaram de novo foi o de “comporem em Tempo-Real”!
Trouxeram “emprestado” da música Contemporânea as “advanced techniques” (uso invulgar dos instrumentos convencionais: piano preparado; guitarra preparada; técnicas como a “sopro contínuo”, digitações invulgares ou o uso da voz em simultâneo com o som do instrumento, etc).
Um tema em que ressalta o estilo jazzistico.
Nas cordas assistimos a novas técnicas como usar o arco em diferentes partes da madeira do instrumento; pressão exagerada do arco nas cordas; uso anormal dos harmónicos; tocar com os dedos no lado “errado” do instrumento, etc.
Na percussão deu-se uma verdadeira revolução em “contrariar” as formas “correctas” de se tocarem certos instrumentos (como usar o arco do violino no vibrafone em vez das baquetas); címbalos ou gongs que são postos em cima das lâminas da marimba (servindo o bombo como uma enorme caixa de ressonância) e posteriormente friccionados por arcos; objectos de diferentes materiais que são colocados em cima das lâminas de uma marimba, por exemplo, etc.
Essas técnicas avançadas eram usadas para recriarem em tempo-real, construções musicais próximas das que escutávamos na música dos compositores contemporâneos.
Por outro lado, em determinadas partes dessas improvisações – em que os improvisadores se deixavam “embalar” para paisagens sonoras de maior intensidade, tanto a nível de volume como de energia (rapidez/virtuosismo), nessas alturas, esses novos improvisadores “roubavam” essa “força” do Free Jazz.
Um tema com uma melodia carregada de humor e onde o Jazz e o Rock surgem de mãos dadas.
Deste modo, se já no seu início, a “Total Improvisation” não era – de todo! – “não-idiomática”, que dizer agora passados já mais de cinquenta anos da sua existência?
Na actualidade (tal como em outros estilos musicais), basta-nos escutar uns segundos deste estilo musical, para o reconhecermos imediatamente (como reconhecemos os Blues, o Punk ou o Jazz).
Ora se o reconhecemos, é porque existe um “idioma”!
Ao constatar tal evidência – a da não existência de uma improvisação “não-idiomática”, decidi procurar novas formas de improvisar e resolvi criar “Meta-Improvisações”, ou seja, improvisações realizadas em variegados estilos musicais estruturados tanto “horizontalmente” como “verticalmente” em composições a que intitulei de “composições sobre improvisações meta-idiomáticas”.
Este tema vive essencialmente do estilo da Improvisação Total, embora se possa sentir um certo “fragor” de Monk.
Na realidade esta “ideia” subiu-me “naturalmente” tendo em conta o meu passado musical, ou seja, eu durante a minha vida abrangi diversos estilos musicais (do Blues ao Folk, do Punk ao Rock, da música Concreta à Electrónica, do Jazz ao Minimalismo).
A tónica por mim utilizada na criação deste novo Estilo musical, foi a de gravar improvisações (em determinados estilos musicais), criando “layers” meta-estilísticos, sobre os quais eu posteriormente os trabalhava numa actividade composicional.
Este é mais um tema que parece querer “obedecer” às regras de certo Jazz, mas que é sempre “cortado” por outros estilos musicais.
O resultado deste meu trabalho (cuja investigação dura já há mais de dez anos), foi concretizado em dois anos de Estúdio, muitas horas de gravações, misturas e masterizações.
No final criei um tríptico (três CDS duplos): “Do androids dream of electric guitars?”, “Infinite pancakes” e “Turtles on a sea of roses”, em que uso esta nova forma de compor.
No CD 1 os temas são realizados unicamente em guitarra, enquanto que no CD 2 os mesmos temas do CD 1, surgem aqui interpretados por um ensemble constituído por Bateria, contrabaixo, piano, guitarra, clarinete e trompete.
Este tema é paradigmático do meu novo Estilo musical criado nesta Obra Musical, que é realizada em dois CDs, sendo que o segundo CD contém – como ditto supra – os mesmos temas do CD 1 só que interpretados por um Ensemble (bateria, contrabaixo, piano, guitarra, clarinete e trompete).
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)