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No último dia do 25º Festival Paredes de Coura, estivemos à conversa com uma das mais icónicas figuras da música portuguesa: Adolfo Luxúria Canibal, cativante frontman dos Mão Morta. É frequente vermos Adolfo nas grades dos melhores concertos, sendo uma presença assídua dos grandes eventos musicais, sejam festivais ou espectáculos de sala.
A 16 de Agosto, noite de abertura do festival, os Mão Morta tocaram o disco seminal Mutantes S21, que comemora igualmente os 25 anos, data que motivou uma tournée. Olhando para os rostos no relvado de Coura, rapidamente percebemos estar rodeados de uma geração muito jovem, nascida em plenos anos 90.
“Nós estávamos a sentir que havia uma espécie de degrau entre nós e uma geração mais nova, a geração abaixo dos 20 anos, abaixo dos 25. Estamos a fazer esta tournée comemorativa dos 25 anos do “Mutantes S21”, e estamos a fazer muitos festivais – os festivais têm público de todas as idades, mas têm uma predominância de público mais jovem – e nós estamos a tocar nesse público mais jovem para grande satisfação nossa. Ainda ontem estava a aqui a circular por Paredes de Coura, e vieram dois miúdos a correr ter comigo, e disseram que tomaram conhecimento do “Mutantes S21” através da uma entrevista que saiu num livro editado pela revista LOUD. (…) Foram procurar, foram ouvir um streaming, etc., foram ouvir o álbum, gostaram muito do disco, quiseram saber onde ele estava. Entretanto souberam da digressão, compraram logo bilhetes para o concerto da digressão de Lisboa. Entretanto viram que ela ia passar por Paredes de Coura, vieram a Paredes de Coura para ver. Tinham adorado o concerto, estavam excitadíssimos, empolgadíssimos, e queriam comprar mas não conseguiam encontrar o disco no mercado.”, partilhou Adolfo sobre um encontro com fãs de 16 a 18 anos. “Somos de outra época, pareceria que eram gerações que não se tocavam, que não conseguiríamos conversar. E não, a realidade vem nos mostrar – para nosso grande contentamento – que continuamos a tocar minorias das gerações, é evidente, nós não somos uma banda de massas.”
Para Setembro está já prevista uma reedição em vinil de Mutantes S21 pela Rastilho, e também CD, para gáudio do público de Mão Morta, sejam os fãs de sempre ou as novas gerações que os descobrem.
Em palco, os Mão Morta encontram também esta conexão com a sua música, que transcende idades. Precisamente uma semana antes, no Bons Sons em Cem Soldos, Adolfo sentiu a mesma reacção orgânica do público que no concerto em Paredes de Coura. São públicos em que nem todos são fãs da banda, muitos nunca teriam visto sequer um concerto deles. “E, no entanto, a reacção final foi uma reacção de êxtase. As pessoas estavam deliciadas, de repente parece que tinham descoberto um outro mundo. Isso para nós é muito reconfortante, é muito agradável. Deixa-nos muito contentes.”
Desde 1992, ano de lançamento do disco, o mundo mudou muito mas “estamos numa fase muito negativa na nossa história geo-política (…), e estamos outra vez num momento de grande desconforto moral, e grande desconforto social, e com grandes perspectivas negras de haver grandes catástrofes provocadas pelo Homem, bélicas ou ecológicas”.
A relação da banda com o Festival de Paredes de Coura é igualmente histórica: Adolfo confessa que assistiu à terceira edição e os Mão Morta tocaram no quarto ano, acabando por regressar noutras datas. “Quando nós tocámos pela primeira vez, foi o primeiro ano em que foi internacional. Portanto, começou por ser um festival só nacional, começou por ser um festival só de um dia”. Apesar da evidente predominância de nomes internacionais na actualidade, conseguiu crescer “gradativamente, não se foi estragando no seu espírito. Às vezes deram-se pulos maiores do que as pernas, e o festival soube recuar. E eu espero que aconteça este ano, com este aumento de público. Espero que o festival saiba recuar e volte para as 25 mil que é um limite razoável”, sublinhou Adolfo sobre os evidentes problemas provados pela multidão que diariamente invadiu o recinto, provocando dificuldades na circulação pelo espaço, acesso a estruturas de apoio e praça de alimentação, e até impedindo o público de usufruir do agradável relvado do anfiteatro nacional. “Gostava mais do Paredes de Coura com um bocadinho menos gente. Com menos quatro, cinco mil pessoas o Paredes de Coura é perfeito.”
“É um festival que não perdeu a sua identidade, que não perdeu as suas características, que acarinha muito a música, que tem um grande olho sobre a música que apresenta. Sejam de consagrados, sejam novos valores, sejam esperanças, vai buscar um pouco de tudo, aposta um pouco de tudo. Há muita coisa que eu descobri em Paredes de Coura, muito artista de que eu gostava muito e só tive oportunidade e ver em Paredes de Coura. Portanto, é uma coisa que o festival vai gerindo com bastante gosto, e vai tratando muito bem não só os artistas, mas também o público. Tem uma relação muito cuidada com a possibilidade de a música acontecer, na sua essência mais pura, na sua maior possibilidade.”
Nas derradeiras horas em Coura, perguntei-lhe qual o balanço que fazia do festival e rapidamente percebi tratar-se de um saldo positivo, já que mesmo “sem evidentes cabeças de cartaz, sem grandes nomes, muito sonantes, Paredes de Coura esteve cheio os quatro dias, a começar pelo primeiro que normalmente é um dia de afluência mais fraca”.
Houve ainda tempo para um rescaldo dos concertos deste ano, com particular elogio aos Nothing e à surpresa Kate Tempest: “a maneira como ela domina a língua inglesa e o fraseado e a rapidez com que o faz, a maneira como utiliza aquela metralhadora que é a palavra”. Percebemos ainda quais os concertos menos felizes e que bandas desiludiram nesta passagem por Portugal.
A conversa terminou com uma troca de ideias à crescente relevância do hip-hop no panorama musical, bem como o contágio noutros géneros e correntes. Convidamos à audição da entrevista na íntegra que inclui ainda um momento inusitado: a perseguição colectiva a duas vespas asiáticas à solta na sala de imprensa.