Entrevista


Caspian

O Amplifest tem sido um longo sonho de carreira do qual não podemos continuar afastados.


© Marc Lemoine

Quase a chegar mais uma edição do Amplifest aproveitámos a ocasião para trocar algumas ideias com Philip Jamieson, guitarrista e membro fundador dos Caspian que irão tocar no Porto, dia 21 de agosto. Não é a primeira vez que a banda pisa os palcos portugueses e Philip falou-nos do seu amor pelo público português e em como tocar no Amplifest era um longo sonho de carreira para os Caspian.

Desta vez vêm apresentar Dust and Disquiet, o seu primeiro disco sem o baixista Chris Friedrich, desde o seu trágico desaparecimento em 2013 e Philip falou-nos do processo de composição difícil e vulnerável e em como acredita no “poder de um álbum conseguir actuar como uma respiração profunda” nos dias de hoje, em que o streaming e as redes sociais alteraram a forma como nos envolvemos com a música.

Desde o lançamento do vosso último álbum Dust and Disquiet, de setembro do ano passado, que têm andado numa intensa digressão pela Europa, Estados Unidos e Ásia. Como tem sido esta viagem e como estão a reagir estes diferentes públicos ao vosso disco?

Philip: A recepção tem sido excelente. Tal como em álbuns anteriores descobrimos que ao vivo as pessoas abraçam as músicas de maneira diferente. Existe uma crueza intrínseca às músicas que em estúdio nem sempre é prioritário procurar tal como é conseguir captar as suas nuances, por isso para nós é bastante divertido e até mesmo primordial deixar as músicas “respirar” ao vivo.

O antecessor Waking Season foi um grande salto para os Caspian em termos de realização musical assim como em notoriedade. Sentiram neste último disco a pressão de uma responsabilidade acrescida?

Sim, muito mais do que já tínhamos anteriormente experienciado. Parece que a cada novo álbum estamos a desenvolver uma reputação de crescimento e de evolução e sentimos uma pressão incrível em elevar ainda mais a fasquia em Dust and Disquiet. Houve momentos em que a pressão nos pareceu mesmo insuperável.

Philip, numa entrevista disseste que este álbum funcionou como “um antídoto para combater sentimentos de solidão, tristeza, ansiedade, perda e luto”. Como foi compor e trabalhar naquele que parece ser o vosso disco mais intimista até ao momento?

Foi uma experiência muito difícil e muito vulnerável para nós, individualmente e como banda. Levou-nos ao conflito com lados nossos que ainda não havíamos encontrado e que exigiram muito de nós, não apenas em termos emocionais e tudo mais, mas também em termos de absoluta diligência, tempo e esforço de trabalho. Ensaiámos e passámos muito tempo a escrever, no nosso espaço de ensaios assim como sozinhos, muito mais do que em qualquer outro disco. E como não queremos escrever um álbum feito apenas de canções post rock com 12 minutos de estruturas e crescendos, o processo de composição torna-se muito mais exigente e cada música no disco é escrita com uma estrutura completamente diferente. É claro que encontrar contornos e estruturas musicais bem sucedidas é muito mais difícil quando defines como padrão nunca as repetir.

Dust and Disquiet foi o primeiro álbum que escreveram sem o Chris. O que acham que ele diria sobre o lugar onde os Caspian se encontram agora?

A nossa esperança é que ele estivesse bastante orgulhoso pela coragem da banda em procurar constantemente trilhar novos terrenos musicais. O Chris foi sempre um forte impulsionador em tentar fazer algo de distinto e ímpar com a nossa música e de não seguir apenas as regras do jogo. Acredito realmente que ele iria gostar deste disco e essa foi uma das principais motivações por trás da sua criação.

Vocês tiveram uma ideia muito interessante em deixar os vossos fãs ouvir Dust and Disquiet antes do seu lançamento oficial em algumas cidades pelo mundo, Porto incluído. Qual foi a vossa motivação e resultados desta experiência?

Foi um momento em que achámos que tínhamos chegado a uma ideia verdadeiramente original e seguimos em frente. Foi algo que envolveu muito planeamento e coordenação, que faríamos novamente sem pensar duas vezes e que, provavelmente, faremos – foi uma das experiências mais positivas que alguma vez já tivemos com os nossos fãs e que nunca esqueceremos. Óbvio que neste momento vivemos numa sociedade onde os hábitos de ouvir música não se baseiam em escutar álbuns do início ao fim, sem interrupções. As pessoas seguem um link para o Spotify ou para o SoundCloud e escutam uns segundos de uma faixa, saltam entre músicas e decidem quase imediatamente se gostam ou não. Nós escrevemos os nossos discos para contar uma história, à semelhança de ler um livro ou de ver um filme. Nunca vais abrir um livro na página 45 e começar a lê-lo, ou saltar a primeira metade de um filme e esperar perceber o que está a acontecer. Esta experiência foi uma oportunidade de conseguirmos gerir um envolvimento com o álbum exactamente como o imaginámos ao escrevê-lo – ao ar livre, rodeados pela natureza, sem ecrãs de computadores, sem as tretas das redes sociais ou outras distracções. Continuamos a acreditar no poder de um álbum conseguir actuar como uma respiração profunda e faremos tudo o que pudermos para manter essa sensação e colocar as pessoas na direcção correcta. Conseguir partilhar esta experiência com pessoas com a mesma mentalidade e evitar que fosse um acto isolado também foi importante, porque queremos que a nossa música fomente uma comunhão sempre que possível. Surgiram ligações maravilhosas entre as pessoas nesta experiência.

Parece que vivemos numa época em que as pessoas nunca foram tão impacientes em ser as primeiras a ouvir um disco, ao mesmo tempo que nunca antes estiveram tão distraídas para realmente o ouvir com tempo e calma. Que achas destas novas maneiras de consumir música, como o streaming, e a forma como estão a mudar a nossa percepção da música? Acreditas que num futuro próximo o conceito de “álbum” pode tornar-se obsoleto?

Acho que acabei por responder um pouco a esta questão na anterior. Acredito que já chegámos ao ponto em que o “álbum” é obsoleto para 99% dos ouvintes e isso é realmente deprimente, mas que podemos fazer… Tudo o que podemos fazer enquanto pequena banda é dar o nosso melhor para encontrarmos ideias como estas festas de audição, etc, mas mais importante ainda, é continuar a escrever discos que teimosamente defendam a ideia de um álbum enquanto experiência e esperar que as pessoas se envolvam dessa mesma maneira. Nunca deixaremos de fazer isto e é tudo o que podemos realmente fazer. O streaming é bom para dar a conhecer música às pessoas, que de outra forma nunca ouviriam e não nos opomos militantemente a tal, mas vamos continuar com as nossas convicções e a escrever álbuns que funcionem como álbuns e não como amostras acessíveis e fáceis daquilo que realmente pretendemos conseguir.

Muitos têm tentado matar o post rock desde que nasceu, argumentando que este género há muito se encontra estagnado. No entanto continuam a surgir grandes álbuns de post rock e este Dust and Disquiet é prova viva disso. Como vês o post rock nos dias de hoje?

Para ser completamente honesto contigo, não penso muito sobre música post rock hoje em dia. Houve uma época em que sim, e bastante, algures entre 2004 e 2009, mas venci essa discussão na minha cabeça e coloquei-lhe um ponto final. Actualmente só penso nos Caspian e em se permanecemos vitais na música em geral, para tudo e para todos.

Pensam no futuro em explorar outros géneros e outras paisagens musicais?

Faremos aquilo que nos for natural e se sentirmos ser algo verdadeiro e sincero, então faremos essa abordagem independentemente do género. Eu adorava aprofundar conhecimentos de composição musical numa base mais acústica, se me sentir bem com isso, assim como ir mais longe na descoberta de novas progressões de acordes e composição clássica em geral. Acho que também precisamos de começar a explorar uma maior variedade de tons numa mesma canção em vez de espalhá-los por todo o álbum.

Os Caspian já passaram por Portugal várias vezes. Como é a vossa relação com o público português?

Adoro o público português tanto, se não mesmo mais, que qualquer outro público em qualquer lugar do mundo. Há um equilíbrio incrível de respeito e entusiasmo e as conversas que tenho com as pessoas antes e depois dos concertos estão repletas de beleza, positivismo, sabedoria e compreensão. Não digo isto apenas por causa desta entrevista – sinto realmente um amor profundo por Portugal e pelos portugueses e é uma grande honra poder actuar e interagir neste país.

Este ano fazem parte do cartaz do Amplifest. Estão familiarizados com o festival? Alguma banda em particular que gostariam de ver?

De alguma forma nunca consegui ver Neurosis em todos estes anos por isso se for possível espero conseguir ver o concerto. O Amplifest tem sido um longo sonho de carreira do qual não podemos continuar afastados – a sua curadoria e as motivações que estão por trás vão além das ambições normais em festivais e tenho imenso respeito por tudo o que diz respeito a este festival.


sobre o autor

Vera Brito

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