//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Em 2003 foi lançado ao mundo aquele que viria a ser chamado o “melhor pior filme de sempre”, um termo do qual discordo profundamente mas que ajuda a racionalizar o enorme sucesso de um produto que fugiu à intenção inicial. The Room foi escrito, produzido, realizado e interpretado por Tommy Wiseau; era suposto ser um drama inspirado na corrente de Tennessee Williams, mas acabou por ser uma comédia meta-referencial que ainda hoje esgota salas de cinema um pouco por todo o mundo. De estranho tem muito, de mau não tem absolutamente nada.
The Disaster Artist é a adaptação cinematográfica do livro homónimo escrito por Greg Sestero, um dos actores de The Room e melhor amigo de Tommy Wiseau. Deveria esperar-se que alguém com este grau de proximidade nos pudesse esclarecer em relação à vida de uma das personagens mais misteriosas da cultura popular, mas a verdade é que isso não acontece. Chegamos ao final sem saber que idade tem, de onde vem e como arranjou o dinheiro que parece não acabar; mas toda a história resulta porque, na verdade, o filme é sobre dois amigos que fazem das tripas coração para alcançar um sonho.
É importante referir que a minha capacidade de análise pode ter sido contagiada pela reacção efusiva do público presente no Lisbon & Estoril Film Festival. Uma plateia bastante familiarizada com o tema e que tornou a sessão numa espécie de filme-concerto.
Se o filme conseguir funcionar por si só, é um triunfo dentro do género semi-biográfico. A natureza aparente de Tommy faz dele uma personagem cómica, mas James Franco reconhece a tragédia por detrás deste ser desconfortável, que não reconhece as regras do mundo em que vive, chegando mesmo a enganar-nos com relativa mestria. Há momentos em que nos rimos para depois perceber que não há ali qualquer piada, só um corpo estranho a interagir com a sociedade. Greg acaba por ser a muleta que Tommy nunca teve, ou que possivelmente terá perdido, e sentimos esse peso quando a barreira entre a amizade e a necessidade começa a ficar cada vez mais ténue. Interessa ainda dizer que há muito respeito pelas personagens ali retratadas e a catadupa de actores conhecidos que vão entrando em cena é a maior demonstração de amor que a industria de Hollywood podia dar àqueles dois tipos.
Durante pouco mais de hora e meia somos brindados, não só com muitos dos episódios daquele estúdio de filmagem, mas também com a evolução da estranha amizade entre as duas personagens principais. Tecnicamente não estamos a falar de uma proeza estética digna de destaque, mas é sóbrio o suficiente para não ser facilmente catalogado e consequentemente menosprezado.
Apesar de lermos nos créditos que é James Franco quem veste a pele de Tommy Wiseau, não conseguimos dar por ele. É uma transformação física acrescida de um estudo de personagem intensivo. O sotaque não falha e todos os maneirismos explodem no ecrã como se fossem produto de reacção muscular. O caminho mais fácil teria sido o da caracterização satírica, no entanto deparamo-nos com uma interpretação soberba e carregada de nuances. O mesmo já não se pode dizer do irmão mais novo. Dave Franco esforça-se, mas não tem um arsenal à altura da complexidade que é exigida de Greg, acabando por contribuir para a banalização de momentos que exigem maior peso. Pior que Dave Franco, só mesmo a barba postiça de Dave Franco. Entendo que a personagem precise de barba, também entendo que não é todo o homem que consegue deixar crescer uma boa barba, mas a barba que arranjaram ao actor é dos piores adereços alguma vez colocados numa produção desta envergadura.
Informativo, divertido, emotivo e cativante. Um dos melhores exemplos de cinema sobre cinema que coloca de parte todo o romantismo e se deixa levar pelo pragmático absurdo da realidade. James Franco mostrou uma capacidade que até agora parecia deficiente na cadeira de realizador: contar uma história de estrutura intencionalmente equilibrada quando o propósito assim o pede. Se queremos acreditar em Tommy Wiseau, 99,9% do que aparece na tela está descrito como realmente aconteceu, mas este é o homem que agora descreve The Room como uma comédia planeada desde o início. A sessão de ante-estreia em Portugal teve palmas ao longo de todo o filme e foi uma experiência colectiva de alegria – pode não querer dizer nada, mas naquele momento validou algo especial.