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Lady Bird
Título Português: Lady Bird - A Hora de Voar | Ano: 2017 | Duração: 94m | Género: Coming of age, Drama, Teen
País: EUA | Realizador: Greta Gerwig | Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Timothée Chalamet, Lucas Hedges

Lady Bird é o cognome de Christine, uma miúda pré-universitária, prestes a deixar a casa da família e desejosa de definir o seu próprio caminho para longe, o mais longe possível.

Greta Gerwig senta-se a solo na cadeira de realização pela primeira vez e acaba por produzir um título carismático, enternecedor e emotivo, que emana uma grande dose de nostalgia. Pela idade de Gerwig, fica a sensação de que este é um filme autobiográfico, mas já veio esclarecer que não. Em bom rigor, é um filme com o qual qualquer jovem adulto consegue estabelecer uma certa empatia e ligação emocional. Tudo se passa em 2002, com o foco numa das últimas gerações que cresceu sem a omnipresente tecnologia e as suas implicações. Poderia ser esta uma prequela de Frances Ha?

Lady Bird tem todo o ar de quem passa as tardes a curtir Smashing Pumpkins no mp3.

Saoirse Ronan interpreta o papel principal e consegue fazê-lo com uma frescura inebriante, agarrando-nos no olhar melancólico de quem sente cada batida do ponteiro dos segundos. É Christine, aka Lady Bird, que vive em pleno conflito entre a vida actual e o seu futuro, revelando uma imensa vontade de sair de Sacramento e descobrir o que o universo terá para lhe oferecer, mesmo que não saiba ao certo o que poderá ser. Atormenta-a diariamente a relação com a mãe, que sublima na troca de palavras “adoras-me, mas gostas de quem eu sou?”, e paira sobre a família com o distanciamento de quem não se quer revelar mas, ainda assim, reclama por não a conhecerem.

A mãe, com o rosto de Laurie Metcalf, é o contraponto do desejo de fuga de Lady Bird. Apesar da ruína financeira procura manter a coesão familiar e apoiar o futuro da filha, mas o sentimento de revolta desta enche a mãe de frustração. Vivem em tensão constante por não se compreenderem mutuamente, nem tão pouco fazerem um esforço nesse sentido. Afinal, partilham o feitio e a auto-determinação, sem cedência ou compromisso.

 

Neste avassalador ano de ruptura, Lady Bird procura a sua identidade e revela uma enorme dificuldade em gerir as zonas cinzentas da vida. Paira entre cliques do liceu, da malta do teatro aos populares, apaixonando-se pelo intelectual burguês que rejeita o dinheiro (mas não o carro que o pai lhe ofereceu). No caminho errático da auto-construção acaba por destruir também a relação com a amiga de infância, que a adora incondicionalmente e sai magoada pela rejeição.

Com interpretações sedutoras e argumento sentimental, Lady Bird é um filme doce e ternurento, que desenha um sorriso rasgado em qualquer um. Os típicos conflitos familiares da juventude conferem-lhe uma certa familiaridade e confunde: estaremos a reviver as nossas próprias memórias? Não. Pelo contrário, estamos apenas a testemunhar uma construção que pouco ou nada acrescenta à concepção do adolescente, esse ser zangado com o universo, sem motivo ou razão aparente, que só quer rebelar-se contra a autoridade porque sim – ou por não ter nada melhor com que se entreter? A atitude desenfreada e descontrolada de Christine é vazia de tensão, não há nenhum conflito interno em particular, nem nenhuma condição dramática que o justifique. Fica a sensação que Greta Gerwig fez o caminho inverso: começou por idear a personagem, recuperou referências esparsas e criou um pastiche de clichés embrulhado em tons pastel; enfim algo recorrente na sua filmografia.

Mas isto não tira o mérito ao resultado final, que vale muito pelo que é: um filme que merece já lugar de destaque no género coming of age, a par de Boyhood ou The Breakfast Club. Não vale é acalentar grandes esperanças, pois Lady Bird não desmistifica nem descodifica a mente adolescente. Acaba até por nos deixar tão ou mais baralhados que os próprios, que vivenciam o turbilhão em primeira mão.


sobre o autor

Isabel Leirós

"Oh, there is thunder in our hearts" (Ver mais artigos)

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