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Define-se manifesto como um texto de natureza dissertativa e persuasiva sobre as intenções, motivos ou pontos de vista de um indivíduo, grupo, partido político ou governo, com indicações prescritivas para a realização da mudança que o autor acredita ser necessária. Inicialmente concebido como uma instalação em vídeo para múltiplos ecrãs, o projecto do cineasta e artista alemão Julian Rosefeldt, agora transformado em longa-metragem, é também uma declaração pública de opinião, e por isso uma espécie de manifesto – um manifesto-síntese, ou um Manifesto dos Manifestos, composto por 13 filmes cujos textos expõem alguns dos mais importantes manifestos da nossa era. Os textos, escritos por políticos, filósofos, artistas e cineastas e provenientes de movimentos artísticos como o Futurismo, Dadaísmo, Situacionismo, Fluxus, a Pop Art ou o Dogma 95, são declamados por diferentes personas encarnadas pela mesma actriz – entre elas, um sem-abrigo, uma coreógrafa, um operário, uma dona-de-casa, uma jornalista, uma groupie punk, uma professora, um construtor de marionetes.
Sem desmérito do belíssimo trabalho de fotografia e design de produção, o peso dos monólogos é quase exclusivamente suportado por Cate Blanchett em 12 composições camaleónicas (um dos 13 textos é ouvido no prólogo, seguido de uma sequência visual que apresenta as 12 personagens). A actriz funciona como o palco das ideias: não muda apenas de pele, mas empresta a cada personagem uma nova teatralidade, no olhar, postura, expressão, sotaque e tom de voz, provocando desconforto, surpresa, repugnância ou mesmo o riso. Aliás, seja na quebra da quarta parede ou na interacção com personagens secundárias, em quadros em que lógica de encenação é directa ou noutros em que as palavras parecem contrariar o contexto, Blanchett é o elemento que permite a extracção de coerência, metamorfoseando-se em 12 pessoas imediatamente credíveis, apesar do ritmo de transição entre os quadros (o filme dura pouco mais de 90 minutos) e da ausência de fio condutor na sua ordenação. O seu desempenho é, uma vez mais, uma lição de representação.
Sem alterar o material original, Rosefeldt preparou os diferentes excertos combinando os textos de acordo com a situação exposta em cada quadro e respectiva Cate, sugerindo um certo enquadramento narrativo para os monólogos. O enredo (se existe) é a vida comum, a paridade entre indivíduos (todos somos aquela actriz) e a independência contextual da Arte e suas dimensões: social, estética, política. Os conhecedores poderão até tentar a identificação dos autores, mas o verdadeiro interesse deste filme-instalação estará mais relacionado com o trabalho de colagem temática do que com a exactidão literal. Se o material de base é muito diverso (Rosefeldt utilizou cerca de meia centena de manifestos), a sua organização debate o capitalismo enquanto sistema político e económico em decadência (no Manifesto Comunista de Marx e Engels abre o filme, declamado por um mendigo numa fábrica abandonada), o papel do artista na sociedade contemporânea e a necessidade (que caracteriza também a criação artística) de contestar os valores e normas vigentes, romper com o passado e propor um futuro.
Revolucionário, propositadamente exagerado e por vezes satírico, Manifesto é, antes de mais, um tributo à tradição literária que evoca, mas também um apelo provocador a uma reflexão sem tempo (talvez até cada vez mais pertinente). Ao relançar a pergunta, O que é a Arte e qual a sua utilidade, Manifesto aponta a actualidade do pensamento secular a este propósito (o manifesto mais antigo data do século XIX), já que a melhor resposta residirá sempre na diversidade das propostas. É um filme refrescante no conteúdo e na forma, que derruba barreiras entre vídeo, instalação, teatro e cinema, sugerindo uma resposta para a sua questão principal: as possibilidades de reinvenção do objecto artístico são ilimitadas – ainda que nada seja original.