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A abertura do palco principal coube aos que, em tempos, foram conhecidos como os The Rapture portugueses. Os X-Wife estão de volta a Coura, 12 anos depois, e têm álbum novo, após 7 anos de ausência. Entre o disco e o electro-rock, a música da banda portuense puxa para a pista, mas muitos preferem vê-los sentados e pouparem-se para outros concertos da noite. Num fim de tarde ibérico, há direito a uma homenagem à Galiza (apresentada em inglês?!?), através de um tema em castelhano. Um dos pontos importantes de uma celebração que merecia mais. Quando ouvimos o último tema, festa pura, com sopros reforçados, não temos dúvida que os X-Wife mereciam tocar noutro momento da noite.
Os tempos no Reino Unido não andam de todo fáceis, por entre um aparente Brexit e consequente descontrolo social, económico e cultural. Porém, é nas alturas complicadas que os grandes se revelam; talvez não como em 1976/77, mas o declínio britânico (que vem já de há trinta anos, por muito que os aspirantes nacionais a cavalheiros britânicos não o queiram admitir) actual tem conseguido produzir projectos de relevo, capazes de trazer algo de novo à música popular – na electrónica uns Forest Swords, Powell e Clarke e pelas guitarras os Idles e os Shame.
Se os Idles já por cá andaram a rachar cabeças (e voltam no Outono, caros leitores) há dois meses, desta vez foram os Shame quem veio suar as estopinhas, num regresso a Portugal para mergulhar no Rio Coura, depois da piscina do Milhões de Festa. Total visceralidade nesta britishness punk do século XXI. E sentido de humor: entrada em palco ao som de Venga Boys em, diz este escriba, brilhante e vergonhosa imitação de certo colectivo nacional de eurodance de que podemos ou não ser membros.
O que poderia correr mal? Nada, até porque o disco de estreia, Songs of Praise (Dead Oceans, 2018), é um monumental ataque à ennui britânica contemporânea, liderado por Charlie Steen – de tronco nu à tio Iggy e a cuspir veneno por todo o lado, incluindo no crowd surf, nem uma falta para cartão do monitor de palco o demoveu. Eles saltam, berram, fazem trinta por uma linha e mostram que afinal ainda há lugar para o punk (leia-se para música popular à séria) no monte de lixo em que o Reino Unido se transformou desde Thatcher e Blair. Estrearam canção nova em que, tal como os colegas Idles, se debruçam sobre a condição humana – Human for a Minute – e terminaram com a grandiosa (e cumpridora de tradições punk) Gold Hole. Olha só a audácia desses londrinos que se passeiam por cima da plebe.
Grande suadouro (nova imitação do glorioso colectivo de eurodance) e um dos concertos do festival. E do ano. Absolute units!
Por seu turno, os Japanese Breakfast são o oposto dos Shame: o ácido dá lugar à fofice da banda de Michelle Zauner e companhia. Apresentando-se em cosplay de Bjork com a Chun-Li do Street Fighter, não aviou pontapés das mil pernas aos presentes no palco secundário, antes cumpriu a quota de banda fofinha de dream pop e quejandos do festival. Talvez ainda contentes pela vitória dos Eagles no Super Bowl, trouxeram os sorrisos e elogios da praxe e avisaram que só conhecem duas palavras da língua portuguesa: “obrigado” e “batatas”, que lhes forraram a tripa nesta noite de estreia em Portugal.
Os Japanese Breakfast, não sendo uma banda extraordinária, competentemente tocaram, por entre o seu alinhamento, um par de recomendáveis e boas canções de dream pop ou de chonice alternativa: Boyish e Till Death. Lembraram sobremaneira os Howling Bells (que por Coura passaram em 2009) e a saudosa Dolores O’Riordan e seus Cranberries, com uma bonita versão de Dreams.
Ao fim e ao cabo, uma sopinha de miso para aquecer as almas e os ouvidos numa noite de brisa courense.
O homem-tigre de Coimbra (agora mais do mundo) The Legendary Tigerman aterrou com a banda (como os seus tempos têm mudado) no palco principal e não perdeu tempo a mostrar material de Misfit (2017), pegando na máquina do tempo e recuando, de seguida, a clássicos como Naked Blues. A belíssima Black Hole foi o primeiro mote de um concerto típico de Paulo Furtado desde tempos imemoriais: praxe rock’n’roll numa narrativa muito sua.
Não obstante problemas técnicos (“conseguimos levar homens à Lua, mas não conseguimos manter os microfones direitos num concerto de Tigerman, mas pelo menos conseguimos ter o nome escrito lá atrás”, atirou Furtado), a água foi levada ao moinho, aderindo gradualmente o público à energia do concerto. Mil vezes (menos novecentas e noventa, mais coisa menos coisa) nos cruzámos com ele e continua a ser garantia de qualidade da música portuguesa, sendo ou não ele o melómano educado dos Tédio Boys.
A música de Surma é de detalhes, de pequenos sons, loops e silêncios, entre os sintetizadores e os vestígios de percussão (com a colaboração inicial de membros dos First Breath After Coma), exigindo uma atmosfera particular. Uma atmosfera difícil de conseguir no palco secundário quando este, fruto do impacto que a música da leiriense foi acumulando, se encontra bem lotado. Assim, temos dificuldade em absorver todo o ambiente etéreo e encantado que os temas de Antwerpen nos apresentam. Mais difícil ainda quando a própria Surma decide falar a seguir a todos os temas, mesmo quando não tem muito para dizer. Ainda que os constantes agradecimentos possam ser sinceros, soam demasiado deslumbrados e desajustados qb. Exemplo mais claro: quando pede ao público para fazer moche (a sério?). Ao nosso lado, gente pouco sensível fala em “moche da almofada”. É certo que há ali uns beats mais fortes e umas guitarras ligeiramente mais rudes, mas esta é música muito mais para sentir do que para dançar. E que exige uma outra atenção e um outro palco, como um espaço fechado ou, quem sabe, o palco principal de Paredes de Coura.
Os (“primos” deste escriba) Fleet Foxes eram um dos maiores nomes do cartaz (e de qualquer festival nacional em 2018) e não desiludiram, bem pelo contrário. Distribuindo a carga por três enormes álbuns (e logo no ano do décimo aniversário da estreia), a banda de Robin Pecknold e companhia demonstrou que é, bem, uma das melhores da última década.
Se o som pecou por irregular ao longo do recinto, a carne foi todinha para o assador: Grown Ocean (bem podia ser Grown Coura) a transformar todo o distrito de Viana do Castelo em Puget Sound e os espigueiros em paralelismo com as cabanas de Madeira lá do Pacífico Noroeste. White Winter Hymnal pôs toda a gente a cantar (menos os típicos festivaleiros boçais que da música nada querem saber; DEIXEM OS CARTAZES COM IDIOTICES EM CASA, QUE A BANDA NÃO SABE PORTUGUÊS), tal como os fantásticos coros da quebra de Mykonos. A incursão pela estreia continuou, com uma versão de Your Protector que, tendo o PA deixado a desejar para alguns, nada ficou a dever à de estúdio.
O anfiteatro natural assistia a um espectáculo de qualidade dos Fleet Foxes, transcendendo o material do disco mais recente (Crack-Up) a fronteira da folk para terrenos de post-rock, com ou sem tuba. A grandeza (e História, diga-se ao fim de quarto de século de edições) deste mesmo anfiteatro pedia um concerto de folk musculada e inovadora de uma banda deste calibre. E um fã pediu (e teve) direito ao casaco de Pecknold.
Os rapazes barbudos dos gorros cresceram, mas mantiveram a curiosidade em estúdio e a precisão na execução ao vivo, com a solenidade que as canções exigem. Um belo capítulo da obra desta edição.
Por aqui ainda se trauteia: “I was following the, I was following the, I was following…”. Que se dane que seja Verão, que corre uma brisa tremenda.
Em 2015, os britânicos Jungle foram responsáveis por um dos grandes momentos do Primavera Sound Porto. Na altura, apresentavam o álbum homónimo, cheio de celebração disco, que caiu que nem uma luva no mini-anfiteatro da invicta. Três anos depois, voltam aos palcos portugueses, ao anfiteatro original. Eram grandes as expectativas e não se pode dizer que tenham sido goradas.
O arranque fez-se com alguns dos temas secundários do primeiro disco, como Platoon ou Julia. O suficiente para render por completo o público de Coura. É hora, depois, de testar o novo disco e os resultados já não são tão conclusivos. Há um bom solo em falsete no arranque House In La e algumas texturas de guitarra mais fortes que funcionam, mas há também, como no single Casio, uma aproximação à house dos anos 90 que, pese embora o talento das backing vocals, soa a coisa demasiado requentada. Nada que fique demasiado na memória quando o final é, sem surpresas, apoteótico. Drops acelera o ritmo, dá lugar aos hinos Busy Earnin e Time e, para muitos, vai ser isto que fica. Saímos de sorriso nos lábios enquanto ouvimos em fundo Aretha Franklin, a falecida rainha da soul, homenageada pelos Jungle (a soul também passa por aqui). Não foi o concerto certo, na hora certa, como em 2015. Mas os Jungle voltaram a conquistar o público português.
Depois da euforia dos Jungle, o palco After Hours abriu com os Confidence Man, apresentados como “um sopro de ar fesco dos que gostam de dançar”. Pois bem, o que vemos é pouco original: uma dupla electro-pop australiana, entre a bateria e os beats electrónicos, com poucos temas que fiquem na memória. Um dia depois de Conan Osiris, quando vemos duas pessoas a dançar em palco, de forma razoavelmente ao calha (palhaçada pela palhaçada), numa performance mal-amanhada e com pouca piada, volta a parecer uma forma de disfarçar a ausência de interesse musical. E, voltando ao início, fica a pergunta: não mereciam estar aqui os X-Wife?
A noite seguiu com Young Marco. É mais um set genérico de techno, daqueles a que, infelizmente, Coura já nos habituou.
Textos de João Torgal e José Raposo