//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Um filme, por norma, tem consciência dos seus espectadores, sabe que existe num universo maior de referência e pessoas, e que nós, os espectadores, temos a noção de que o se passa à nossa frente não é real. É por esta razão que os cameos, aparições breves de indivíduos dentro de uma obra cinematográfica, resultam ou existem: brincam precisamente com a nossa percepção sobre quem aparece, dentro do contexto do filme ou simplesmente pelo que simbolizam na vida real. Podem ser gratuitos, assumir um propósito de estilo ou serem simplesmente favores prestados por amigos, mas subvertem um pouco a ordem da narrativa e da própria dimensão do filme. Para além disso, e o que é mais importante, são habitualmente divertidos para caramba.
Neste Dez Takes, o tema serão estas pequenas aparições, que de vez em quando até passam despercebidas a quem vê. As regras serão simples: um cameo é, por definição, curtinho e não uma personagem importante para a narrativa. Por isso, Christopher Walken e a sua história do relógio em Pulp Fiction e Alec Baldwin a destruir meio elenco em Glengarry Glen Ross, por exemplo, não contam. Há uma pequenina excepção que será explicada posteriormente. Como sempre, evitam-se repetições de filmes (por isso Bill Murray em Zombieland, com pena minha, é deixado de fora); e posto isto, como sempre, siga a banda.
É uma comédia pateta, esta, mas uma excelente comédia pateta. Criou um certo culto, apesar dos fracos resultados de bilheteira, e um dos grandes motivos é uma cena a meio onde se digladiam (num momento, literalmente, várias equipas de jornalistas, porque afinal é esse o grande tema do filme: a luta pelas notícias, e na liderança está o grupo liderado por Will Ferrell, Steve Carell, David Koechner e Paul Rudd. Quando Vince Vaughn e os seus gandulos os emboscam, desfilam os convidados especiais: Luke Wilson com a sua pandilha do terceiro lugar das audiências; Tim Robbins e a malta da PBS; e Ben Stiller, que lidera uma equipa latina antevendo as notícias da noite: Tonight’s top story: the sewers run red… with Burgundy’s blood! A primeira década do século XXI é o auge da chamada Frat Pack, o grupo de comediantes, maior parte saídos de programas de sketches televisivos, que passam o tempo a participar nos filmes uns dos outros. Esta cena é o auge dessa Frat Pack e mesmo que tenham tentado, na sequela, superá-la, tal era impossível.
Na divertida paródia ao cinema de acção brutalista do final da década de 80, Charlie Sheen (cujo cameo em Being John Malkovich, onde quase antevê o seu meltdown dez anos depois poderia aparecer aqui) volta a ser Topper Harley, desta vez partindo em missão para o interior da selva. Estava visto que Apocalypse Now seria visado. Num voice-over reminiscente daquele que o seu pai fez para a obra-prima de Coppola, Sheen é então interrompido pela voz do próprio Martin Sheen, que vem num barco na direcção contrária. Ambos se calam e quando os barcos de cruzam, gritam um ao outro I loved you in Wall Street, referindo a obra de Oliver Stone, onde ambos contracenam. É não só um cameo divertido por si só, mas que remete para várias dimensões de cinefilia que tornam a paródia ainda mais acutilante.
Quantas vezes não estamos nós, algures, a ouvir alguém debitar baboseiras sobre o trabalho de alguém, desejando que um verdadeiro especialista desse trabalho surgisse para pôr tal energúmeno na linha? Em Annie Hall, Woody Allen satisfaz um dos pequenos prazeres do intelectual quando, numa filma para o cinema, puxa de Marshall Mcluhan, filósofo dos media, para corrigir um pretensioso que à sua frente se arma em bom pelas razões erradas. Debita clichés sobre grandes figuras artísticas e o Alvy Singer de Woody Allen, já com problemas com a namorada, conta com o apoio de Mcluhan, no momento em que este é citado, para finalmente desfazer o inimigo. O filme quebra a quarta barreira, claro (algo sobre o qual o próprio McLuhan escreveu, curiosamente), mas o gag é tão humano e honesto sobre os nossos pequenos desejos que vale mais por isso do que por qualquer artifício artístico. Curiosamente, McLuhan não foi a primeira escolha de Allen: Federico Fellini (referido na cena) e Luís Buñuel foram contactados e recusaram.
Há quem se torne realizador por não gostar de aparecer em frente da câmara; mas Hitchcock nunca fui desses e ao longo da sua obra, relembra o espectador que é ele quem manda e controla. A sua figura rubicunda torna-o num dos mais reconhecíveis realizadores de cinema e em vários dos seus filmes, basicamente atravessa o ecrã só para gozar connosco: Vertigo, North by Northwest, Dial M for murder, Shadow of a Doubt… Para o maior voeyurista da história do cinema, talvez não haja maior prazer do que ser observado… Outros realizadores que também surgiram nas suas próprias obras são, por exemplo, Martin Scorsese, como um pervertido passageiro em Taxi Driver; Francis Ford Coppola como um realizadores de documentários em Apocalypse Now; ou, seguindo a saga do movie brats, George Lucas no terceiro episódio da saga Star Wars.
Talvez o cameo mais inesperado da lista. Não porque não exista ligação entre o filme e o actor, que afinal protagonizou a série que lhe deu origem. No entanto, o asco e desprezo que Depp votou ao seu veículo para o sucesso durante os anos posteriores à sua saída nunca o faria prever. Aliás, foi total surpresa, porque nem foi anunciado e aparece quase no fim do filme (embora a personagem apareça secundária numa outra cena, sem que desconfiemos sequer que é o famoso actor). Debaixo de camadas de próteses e de borracha, no meio de uma cena tensa, Depp brota como um dos “vilões”, apenas para ser revelado como um polícia sob disfarce. Em todas as cenas em que surge, está a comer qualquer coisa, como o seu personagem Tom Hanson sempre fazia na série original; o seu parceiro na cena é Peter DeLuise, seu colega de cenas na série; e o seu nome fictício é apenas DB, remetendo para um outro polícia em meio criminal que interpretou no início de carreira: Donnie Brasco. Extremamente divertido o cameo, e Depp aproveita até para se parodiar a ele próprio. Há lá coisa a que o associemos mais hoje em dia do que a quilogramas de tonelagem na cara?
A lista de músicos que fazem cameos é longuíssima: Billy Idol em The Wedding Singer, Michael Jackson em MIB II, Keith Richards, na saga Pirates of the Caribbean, Alice Cooper em Wayne’s World 2 e até Alanis Morrisette como Deus em Dogma; e nesta lista quase entra Bruce Springsteen, que explica ao personagem de John Cusack como se comportar com as garotas em High Fidelity; no entanto, não só porque a homenagem é devida, mas também porque utiliza de forma bem disposta a fama de iconoclasta de Bowie, a sua aparição em Zoolander como juiz de um walk-off entre Zoolander e Hansel. Bowie não tem que fazer muito, para além de se mostrar interessado, mas Stiller usa-o de forma certeira, ao contrário do camião de figuras famosas que aparecem na sequela.
Pode um filme mau ser redimido por um cameo bem esgalhado? Não, mas Matt Damon quase o consegue nesta comédia. O protagonista, Scotty, foi abandonado pela namorada, que se embrulha com o vocalista de uma banda punk, interpretado por um Damon quase irreconhecível, no pico da sua fama em 2007. A razão pela qual ele colabora é a sua amizade com os realizadores, mas mostra que não está ali só para aparecer. Interpreta uma canção chamada Scotty doesn’t know (da banda Lustra, na vida real), onde descreve graficamente as mil e uma maneiras através das quais ele e a nova namorada encornaram Scotty. Pormenor curioso: na vida real, uma ex-namorada de Matt Damon também o abandonou por um músico de uma banda rock. Quem?, perguntam. Lars Ulrich, dos Metallica.
Antes da proliferação de paródias cinéfilas de baixo calibre que hoje existem, Mel Brooks realizou um conjunto de obras do género que ainda hoje são bem supimpas, e todas elas com cameos relevantes: em Spaceballs, que goza com o cinema de ficção científica, John Hurt volta a ter uma certa indisposição digestiva, como em Alien; em Blazing Saddles, Count Basie toca jazz no deserto com a sua banda, enquanto os cowboys passam. Mas é em Silent Movie, onde, como o nome indica, Brooks homenageia o cinema mudo, que a coisa tinge um refinamento superior. Em primeiro lugar, porque falamos de Marcel Marceau, o mais famoso mimo do mundo, mas um mimo ainda assim; e em segundo, porque a piada é elaborada. Todo o filme percorre-se sem diálogos, e apenas uma palavra é pronunciada no filme, num telefonema atendido pelo personagem de Marceau: Non, diz ele; e foi a única vez que Marceau falou num filme.
A obra-prima de Billy Wilder é sobre decadência, principalmente a decadência da imagem, a decadência do cinema. Um conjunto de proscritos que mora numa velha mansão em Hollywood, recordando tempos em que foram grandes. São comandados pela megalómana Norma Desmond, que sonha ainda com um regresso ao grande ecrã, pela porta gigante, preparada para o seu close up final. Wilder decidiu tornar esta ficção um bocadinho mais real, reunindo para o seu filme alguns dos verdadeiros protagonistas da passagem do mudo para o sonoro, que se tornaram vítimas do seu anterior sucesso: o realizador Eric von Stroheim interpreta o mordomo de Desmond (que é interpretada por Gloria Swanson, antiga estrela dos “mudos” – a primeira opção de Wilder fora Mae West); a antiga colunista de gossip hollywoodesco Hedda Hopper faz uma perninha também, e numa certa cena de um jogo de cartas, H.B Warner, Anna Q. Nilsson e Buster Keaton surgem, como símbolos de uma era, moradores da mesma avenida do ocaso onde Desmond se ilude.
Hoje em dia, o cameo vive bem com a idade de ouro do cinema de super-heróis. Não há filme do sub-género onde não surja aquele personagem que desejamos ver (olhem, o Tony Star no Hulk!; o Homem-Aranha no Capitão América) ou a força do hábito faz-nos esperar, em cada filme Marvel, que a cara de Stan Lee apareça, para nosso gáudio. No entanto, e concedendo que a aparição do Nick Fury de Samuel L. Jackson em Iron Man se revelou de charneira para o universo Marvel, nesta categoria a referência máxima só podem ser os breves segundos de Hugh Jackman da obra de Matthew Vaughn. O professor Charles Xavier e Magneto procuram recrutar mutantes para a sua equipa e em certa altura cruzam-se com um determinado canadiano num bar. Apresentam-se. Uma resposta corta logo a conversa: Go fuck yourselves, curto e grosso. Apropriado, dentro do personagem e inesperado para quem via.