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“Isto é simples — e é tão simples que às vezes nos esquecemos do quão simples é, por exemplo, ouvir sons que reconhecemos, como a madeira, ou o metal. E é esse um pouco do princípio por trás desta peça: estar consciente destes sons que sabemos existir, e também da possibilidade de criar sons novos, para os quais não há um nome.”
Assim fala Patrícia Martins, integrante do grupo de três intérpretes que levará, já amanhã, sexta-feira, a música de Karlheinz Stockhausen à blackbox do gnration. Nessa noite, estará ao comando do piano, enquanto Michael Pattmann, também presente nesta conversa, fica encarregue da percussão; o trio completa-se com Ricardo Guerreiro, responsável pela difusão espacial do som. Falámos enquanto os dois montavam a parafernália para o espectáculo, com dois dias de antecedência. Já sobre o palco estão montados dois gongos e algo parecido com uma marimba — instrumentos de percussão, não necessariamente do tipo que suporíamos fazer parte de um concerto de Stockhausen. E, de resto, o que esperar de um concerto de Stockhausen? Foi precisamente esse o mote principal da conversa.
Alerto os incautos: se nunca ouviram falar deste alemão do século XX, então basta dizer que é por muitos considerado uma das maiores influências para a música de hoje (sobretudo no registo da electrónica), pioneiro em várias técnicas de manipulação de fita e na própria criação de sons inéditos. Depois, há ainda o seu infindável acervo de composições, forma de expressão plural e ilimitada que conheceu vários registos. Na noite de sexta-feira, ouvir-se-á Kontakte, obra composta entre 1958 e 1960 e uma das maiores referências do seu trabalho, e Telemusik, de 1966, que na sua premissa de confluência entre sons étnicos e outros electrónicos, se demarca da ideia austera, formal e hermética tão comummente associada às composições de Stockhausen.
“É algo tão cheio, tão rico — e talvez pareça um pouco crua, mas a quantidade de informação nesta música é tão grande!”, diz-me Michael, em oposição à minha opinião que Kontakte soa a algo disperso, e sem conteúdo ao qual me possa facilmente agarrar e compreender. E Patrícia complementa a ideia: “Não nos podemos esquecer da época em que isto foi feito: anos sessenta! E o equipamento que usou para o produzir, equipamento de transmissão de rádio, não tinha nada a ver com música! Fez muita coisa a partir de colagens de fita e, nesse sentido, pode dizer-se que os meios e o método eram um pouco primitivos. Mas desenvolveu algo que ninguém julgou possível”. E depois, desagua na ideia que iniciou este texto, quanto à simplicidade de, simplesmente, percepcionar o som.
Ainda assim, não estou convencido, e suspeito poder confirmar que Stockhausen e seus intérpretes lidam com a música (e o som) de uma forma completamente diferente da pessoa comum. Como peça para se escutar em casa, num CD, Kontakte soa bizarro, como um exercício técnico inconsequente; e escuto outra vez, e uma outra mais — e apenas a espaços vislumbro parte deste fascínio, mas sempre sem conseguir integrar, por assim dizer, esta música no nosso mundo real. Soa sempre a pura abstracção e, lá está, a ideia de um exercício hermético, como se fosse música para experienciar fora do contexto da vida normal.
E essa ideia ressoou com Patrícia: “A gravação de Kontakte existe por si só — não são necessários músicos para a interpretar. Mas depois Stockhausen pensou: vamos fazê-lo como um espectáculo. Ponhamos então um percussionista e um piano, a fazer movimentos e a tocar instrumentos. E as pessoas vão seguir melhor. E isto tem que ser experienciado no momento, ao vivo. É por isso que a luz, o som, tudo tem que ter muita atenção — tudo é importante para concretizar este momento. E é impressionante, as pessoas ficam mesmo impressionadas com isto”.
Além de Kontakte, a noite contará ainda com a interpretação de Telemusik, peça onde Stockhausen juntou várias gravações de diferentes manifestações culturais auditivas: sons de gongos asiáticos, cantos tribais, etc., e ainda duas outras peças mais curtas para vibrafone e piano. Mas será, acima de tudo, uma oportunidade imperdível para experienciar a música do compositor alemão em contexto de concerto, numa apresentação cuidada e bem mais imersiva que a escuta no domicílio. “Ele sempre teve uma enorme preocupação com o público; com a experiência do público. Não necessariamente para lhes dar o mais óbvio, nem para lhes dar algo que não pudessem compreender; mas para os desafiar, levá-los a sítios diferentes”, ainda Patrícia, já no final da conversa: “Nunca me aconteceu, depois de interpretar o Kontakte, ter gente indiferente. Muitas vezes me dizem que foi maravilhoso, e que nunca vão esquecer esse momento! E isso, para um compositor, é o objectivo: fazer algo que vá profundamente para dentro das pessoas. E que digam, “mudei; e agora, sinto-me renovado, mais fresco”. E acho que esse é o objectivo da música: não apenas entretenimento, mas algo que nos leve a um estado melhor, ou que nos faça sentir melhor”. Está lançado o repto. Na noite de sexta-feira, a partir das 22:30h, algo único acontecerá na blackbox do gnration.
Os bilhetes custam apenas 7 euros e a sala tem uma lotação de 175 pessoas — apressem-se! Mais informação em http://www.gnration.pt/event/musica-eletronica-de-karlheinz-stockhausen/
Interesso-me por muitas coisas. Estudo matemática, faço rádio, leio e vou escrevendo sobre fascínios. E assim o tempo passa. (Ver mais artigos)