//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Uma longuíssima lavagem de chão. Um ainda mais longo estacionamento numa garagem. Um plano parado na varanda de uma casa, em que pouco ou nada acontece. Na primeira meia-hora, vemos algumas das cenas de Roma e testamos a nossa paciência. Será uma coisa ultra-formalista? Será uma obra que aposta tudo na estética e deixa a narrativa em segundo plano? Terá algo de Gravity, outro primor fotográfico, mas que praticamente esgota os trunfos nessa parte? A resposta a tudo isto é um não redondo.
Roma é uma imponente crónica social, entre o tratamento dos indígenas e o papel das mulheres.
Roma marca o regresso de Cuarón ao México. Depois do espaço, da produção de Hollywood e do circuito convencional, o realizador tem os pés assentes na Terra neste filme da Netflix. Passa da imensidão do Universo, para o bairro em que nasceu, numa espécie de regresso às origens. E fá-lo através de uma homenagem tocante à ama que o criou.
A parte puramente estética é um estrondo desde o primeiro instante. Não só na maravilhosa fotografia a preto e branco, mas também na importância do som, daqueles que faz a ida ao cinema ser fundamental (será muito estranho se não ganhar os Óscares para mistura e edição de som). E é curioso, paradoxal e motivo de reflexão que seja um filme da Netflix, com estreia apenas em Lisboa e no Porto e em muito poucas salas, a criar esta urgência (e a diminuir a experiência em casa, por maior que seja o ecrã e melhor que sejam as condições sonoras). Mas o filme é, de facto, muito mais do que isso.
A meio, Roma vira e não só o impulso dramático é tremendo, como todos os detalhes anteriores ganham sentido. Para dar alguns exemplos, o estacionamento tem outro estacionamento que o justifica. E a limpeza do chão tem um espelho metafórico impressionante, num dos momentos mais fortes de Roma (a cena do hospital é também evidente).
No evoluir desta família, a de Cuarón, que será aqui uma personagem secundária, o olhar pertence todo a Cleo, a ama, a personagem omnipresente, que segura as pontas na casa que não é sua enquanto vê a vida desmoronar-se. Vem à memória o magnífico Que Horas Ela Volta. Os contextos temporais e culturais são bem diferentes, do Brasil ao México, da actualidade aos anos 70, mas Roma é também uma imponente crónica social, entre o tratamento dos indígenas e o papel das mulheres. E, entre a ficção e a realidade, é uma curiosa reflexão sobre a memória e uma ternurenta homenagem a uma personagem tão simples quanto fascinante.