SEX EDUCATION, as dores dos 16 ou a nostalgia das meias de rede

por Edite Queiroz em 10 Maio, 2019

É sabido que o humor é a melhor forma de falar a sério. E que falar a sério de sexo não é ainda um passeio no parque. Juntando estas duas premissas, a australiana Laurie Nunn criou para a Netflix a série Sex Education, que como o nome indica, versa sobre educação sexual. A peça central da narrativa é Otis (Asa Butterfield), um rapaz de 16 anos tímido e inexperiente cujo convívio diário com a mãe Jean (Gillian Anderson), uma terapeuta sexual muito descomplexada, o equipa de um saber inadvertido sobre a sexualidade muito superior ao dos garotos da sua idade. A enigmática Maeve (Emma Mackey), colega de escola, apercebe-se deste talento e propõe-lhe que criem uma espécie de consultório sexual para os alunos de Moordale High, repartindo os lucros: ela trata da logística, ele da terapia.

A jovialidade do enredo poderia cair com facilidade em lugares comuns e piadas demasiado óbvias, mas guarda várias surpresas. A primeira é o seu anacronismo: há telemóveis, computadores e Internet, mas toda a envolvente remete para os anos 90 – o guarda-roupa, a arquitectura, a decoração de interiores ou as referências musicais (a banda-sonora, que inclui Billy Idol, The Cure ou Violent Femmes, pode ser ouvida aqui). É uma viagem no tempo embalada pelo sotaque britânico dos actores, que contrasta com o ambiente liceal e personagens-tipo popularizadas pelo cinema americano: O miúdo brilhante à margem do seu contexto (Otis), a rebelde solitária de cabelo cor-de-rosa e meias de rede (Maeve), o rufia que se diverte a intimidar os colegas (Adam/ Connor Swindells), o gay sempre bem-disposto, melhor amigo de Otis e eixo cómico da narrativa (Eric/ Ncuti Gatwa), o grupo das miúdas fúteis e populares, o director insuportável.

Não fossem as questões do sexo transversais a idades e lugares, a ambiência vintage e geograficamente indistinta cria uma aura atemporal que cativa pela estranheza e afasta a série de produtos como Beverly Hills, 90210 (demasiado datado), Kids (demasiado negro) ou American Pie (demasiado parvo). O elenco é escolhido a dedo: Gillian Anderson numa das suas melhores composições (não há dúvida que o tempo favoreceu o talento e a  figura da eterna Scully de X Files), Asa Butterfield num papel que parece ter sido escrito à sua imagem e um leque de secundários que vale a pena ver crescer: Emma Mackey, Connor Swindells e, em especial, Ncuti Gatwa (merecia uma série só para ele), vão ocupando as suas personagens aparentemente estereotipadas e dando conta das suas várias camadas.

Ao longo dos oito episódios da primeira temporada, a série vai deslizando do chiché para as problemáticas profundas que os problemas sexuais tantas vezes mascaram: a insegurança com o corpo, a ansiedade relacional, a baixa auto-estima, a orientação sexual, o pânico da rejeição ou do romance, a decepção com o Outro ou com experiências vividas, a comunicação entre pais e filhos. Pelo meio, desmitificam-se temas como a virgindade, a masturbação, a descoberta do prazer, o aborto, as drogas, a medicação ou a homossexualidade, por meio de uma abordagem que pondera descontracção e cuidado e tendo como pano de fundo um humor subtil, inglês, que assegura a leveza das discussões difíceis e o alívio dos momentos mais dramáticos. Na descoberta das suas vulnerabilidades, as personagens vão-se revelando (ficamos a conhecer outra Maeve, outro Adam, outro Eric e uma mãe que não é assim tão liberal) e a narrativa adolescente torna-se adulta, seja porque não temos ainda todas as respostas, seja porque um antigo Eu se rende à nostalgia das meias de rede e Dr Martens enlameadas. Sex Education é talvez a série juvenil mais madura de que há memória. E tem ainda alguns conselhos para oferecer.


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Edite Queiroz

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