Reportagem


Iggy Pop

50 anos de música bem celebrados em palco

O Son do Camiño, Santiago de Compostela

15/06/2019


© O Son do Camiño

Tudo começou há 50 anos. Bem, até começou um pouco antes, com alguns projectos de garagem. Mas foi em Julho de 1969, quando Iggy Pop editou o disco de estreia com os seus The Stooges, que se iniciou uma nova era. “I wanna be your dog”, foi single de apresentação e declaração de intenções. Rock que cruza punk e heavy metal, distorção e atitude 100% raw. «Now I wanna be your dog», repete o refrão enquanto entra numa década que não estava preparada para os Stooges, para a libertinagem, para a anarquia, para o fim das convenções conservadoras.

E assim foi que aos 72 anos Iggy Pop – não esquecer, cinquenta anos depois da estreia – se lançou ao público do festival O Son do Camiño, em Santiago de Compostela. Ninguém sabe ao certo de onde vem aquele vigor, em que caldeirão mergulhou – bem, até desconfio -, mas a verdade é que apesar das marcas da idade e da passagem do tempo, Iggy ainda sabe andar nisto. Peito descoberto como sempre o conhecemos, confronto permanente e sedento de energia do público, solta a cada verso um grito de guerra.

Seguiu-se “Gimme Danger”, outro clássico dos Stooges, este de 1973. Em 2016 foi escolha óbvia para título do documentário em que Jim Jarmusch recorda a juventude de James Osterberg. Um norte-americano de origens nada extraordinárias, que se transfigurou no ícone que leva ao êxtase com uma simples pergunta: «Hey, Santiago, can I be your passenger?».

O anfiteatro a céu aberto do Monte do Gozo, local de chegada de peregrinos e caminhantes de todo o mundo, transformou-se numa cerimónia de elogio à longa vida de Iggy. 33 mil crentes entregaram-se à única religião que une verdadeiramente os povos, independentemente do credo, da geografia ou do tom de pele. «Oh, the passenger / He rides and he rides / (…) He sees the things he knows are his». Iggy Pop nunca foi um passenger, o mundo é todo dele e nós temos a sorte de o habitar.

Bateria compassada e Iggy anuncia «Here comes Johnny Yen again». “Lust for life”, composta a meias com o seu amigo e companheiro de sempre, David Bowie, começou a sua viagem em 1977 e ganharia novo fulgor em 1996, na banda sonora de Trainspotting. A ligação cósmica entre Iggy e o gangue de Mark Renton, Sick Boy, Spud e Begbie, dispensa explicação. «Well I am just a modern guy», declara com o seu carismático e contagiante sorriso. Uma modernidade que atravessou décadas e continua a inspirar.

Talvez seja esse o grande segredo de carreira de Iggy Pop. Mesmo em músicas como “Some Weird Sin”, em que canta «I’m trying to break in / Oh, I know it’s not for me / But the sight of it all / Makes me sad and ill / That’s when I want / Some Weird Sin / Just to relax with», sabemos que estamos perante alguém que passou por some heavy shit, mas que exibe sempre um sorriso que delicia, que transborda bacanidão. Quem nunca sonhou com a possibilidade de partilhar dois ou três dias da sua temporada em Berlim? Devem ter sido tempos incríveis e para os quais ainda não se inventaram palavras.

Agora, como na altura, Iggy não hesita e lança-se ao público. Um salto do palco para as grades, para cantar cara-a-cara com os fãs galegos, alimentando-se do amor de quem esperou horas para o ver de perto. E é inevitável olhar com espanto, uma figura de apenas um metro e setenta, mas que se agiganta e nos abraça, preparando dois momentos apoteóticos: cover de “The Jean Genie” (David Bowie novamente presente) e “No Fun”, o regresso ao disco de estreia.

E eis que um burburinho 3 ou 4 filas atrás chama a minha atenção: um cenário de pancadaria, gente à bulha, seguranças à mistura. Enfim, uma espécie de throwback ao que seria o ambiente normal dos concertos de Iggy noutras épocas. Sarrafo à moda antiga, portanto.

Iggy Pop viajou pelo seu extenso repertório em 1h20 de música – faltou a Real Wild Child! -, um concerto sem pausas nem momentos mortos, que se transformou numa masterclass: é assim que se dá um concerto memorável, foi para isto que o público pagou bilhete, numa noite que esgotou em meia dúzia de horas. Mas seria na despedida que mais surpreenderia.

Feito o encore, hora de arrumar as guitarras, a banda sai de palco mas Iggy fica, bate no peito, grita e provoca o público, que lhe responde de volta. Iggy Pop abandona o palco, mas regressa, novamente de braços no ar. E, finalmente, abandona definitivamente a boca de cena, como nós, contra a sua vontade, ainda com energia e fulgor suficientes para aguentar mais umas horas de alta voltagem.

Estude-se Iggy Pop, analise-se o seu ADN, está ali o elixir da juventude. 72 anos de vida conturbada, polémica, rica e vivida sem restrições. Velhos são os trapos. James Osterberg está aí para as curvas.

 

SETLIST

I Wanna Be Your Dog
Gimme Danger
The Passenger
Lust For Life
Skull Ring
I’m Sick of You
Some Weird Sin
Repo Man
Search And Destroy
TV Eye
Mass Production
The Jean Genie (David Bowie cover)
No Fun
Nightclubbing
Sixteen


sobre o autor

Isabel Leirós

"Oh, there is thunder in our hearts" (Ver mais artigos)

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