Reportagem


NOS Alive

O primeiro dia de mais um NOS Alive, com toda a música e espécies presentes em Algés.

Passeio Marítimo de Algés

11/07/2019


© Hugo Rodrigues

Chegado aquele período das duas primeiras semanas de Julho, é dado o alerta no GPS dos festivais de Verão portugueses: é alturas do NOS Alive, o segundo festival do género em termos de público e por vezes o primeiro em mediatismo do seu cartaz. O Passeio Marítimo de Algés entra em corrupio com tanta gente a estrear a roupa de Verão e a fingir que gosta de música (com tantos outros verdadeiros que vão MESMO pelo cartaz, atenção) e metamorfoseia-se numa espécie de Benetton dos festivais – da equipa da casa e dos compadres espanhóis, mais uma catrefada de bloggers de moda irlandesas e lads britânicos e uns quantos norte-americanos e russos (aqui já interferem uns com os outros).

Pica-se o ponto do texto deste primeiro dia com Linda Martini. Havia que abrir o palco principal com uma das mais relevantes bandas nacionais dos tempos que correm – tempos como quem diz, praticamente década e meia. Do concelho do lado (Lisboa), mas com raízes na Linha de Sintra, vieram à de Cascais abrir as hostes com algum fulgor, muito dele mantido com a obra de antanho, que a recente merece-nos reticências.

Pois bem, a voz torturada de Henriques, a bateria turbulenta (não, não vamos para a piada fácil com Turbo Lento, o pior álbum da banda) de Morais, o baixo pujante de Guerreiro e a guitarra de Geraldes continuam mais ou menos no mesmo sítio, tal como os trocadilhos e demais jogos de palavras nos títulos das canções – ou não tivesse o concerto arrancado com Semi Tédio dos Prazeres. Pelo disco homónimo de 2018 se continuou até se chegar ao Unicórnio de Santa Engrácia e, felizmente que os clássicos não foram eles próprios unicórnios, a Amor Combate, canção que não azeda com o tempo e é, francamente, de top cinco do repertório da banda.

Linda Martini

Linda Martini

Por falar em envelhecimento, é revelador que a média de idades dos fãs da banda tenha descido, abrangendo já duas gerações (ou três, porque a mãe de Hélio Morais estava na plateia, fazendo as vezes de fã acérrima, com direito a cartaz) e uma clique, a “Malta do Casino”.

Ao sol de um fim de tarde formou-se uma meia lua à volta do palco principal (“se avançarem ficam à sombra”, diz Morais, sempre o MC de serviço do grupo) e uma conezia rockeira que bem nos representa para quaisquer lads ou estranja presentes. Suaram e entreteram.

Nisto dos festivais, revê-se velhos amigos e amigas na plateia e nos palcos. Sharon Van Etten é uma dessas velhas amigas, cuja voz (ai, o timbre) nos traz imediata felicidade. Não a víamos há cinco anos e nesta meia década muito mudou, pessoal e artisticamente: é agora mãe, andou pela representação (a de séries, porque a de estúdio e de palco não é persona, antes a verdadeira Sharon) e os sintetizadores adquiriram uma quota maior na sua música. Os restantes amigos, incluindo a sempre fiel Heather Woods Broderick, também vieram.

E, bom, o negrume e melancolia da alma transpuseram-se para a farpela (ou isso ou quis combinar com Robert Smith). Esta Sharon de 2018/2019, ainda que mais electrónica, mantém os seus elementos essenciais e, passe o chavão, o material recente ganha outro fulgor ao vivo, como bem se ouviu em Jupiter 4.

Sharon Van Etter

Sharon Van Etter

Comeback Kid é a analogia musical para a sua experiência de vida recente: estamos já em terrenos da synth pop e longe do quintal típico da folk de Van Etten. É ainda estranho vê-la não empunhando uma guitarra, mas gesticulando como uma Louise Brooks em A Caixa de Pandora ou Katharine Hepburn em, bem, noventa por cento da sua obra. Mas a alma ardente lá continua. Também os nossos olhos arderam com os trajes demasiado reveladores de mãe e filha à nossa frente – percebemos a devoção aos The Cure, mas o Alive não é uma praia (nem Coachella) e não nos parece que o Bob esteja a precisar de groupies.

Mas eis o regresso à nossa Sharon de sempre, com One Day em toda a sua inquietante chonice. Infelizmente, pouco mais vimos dela porque as malditas sobreposições nos atiraram para o palco principal para uns Weezer. Mas ainda vimos uma bem arrancada Tarifa. One day reveremos a Sharon com tempo, sempre com a esperança de que no seu essencial nunca mude. Não precisa.

Ora digam lá, caros leitores, o quão bom é assistir a um concerto de uma banda que não vinha cá há muitos anos e cuja setlist é, na sua esmagadora maioria, um apanhado da carreira. Assim foi o alinhamento dos Weezer.

A banda de Rivers Cuomo aka Gajo Que Não Envelhece, mau grado de alguns percalços no som (não se admite aquele refrão da sua versão de Africa ter sido obliterado pela falta de instrumentos) trouxe mesmo isso, o filet mignon da sua carreira. O Jonas Pistolas pendurou as chuteiras e não apareceu no NOS Alive, mas arrancou com My Name Is Jonas e marcou aí o primeiro golo.

Os Weezer de 2019 parecem uns gajos porreiros, pouco dados a grandes ondas e Cuomo parece mascarado de Carl Reiner em Ocean’s Eleven. Os seus gestos são os de um nerd que descobriu o rock e que quer ser o gajo mais fixe da turma e puxa pelo público à sua maneira desajeitado-desabrida. Gamou o logotipo aos Van Halen e o power pop aos Cheap Trick, mas não há problema.

Se a crítica não percebeu o alcance de uma grande canção como Pork and Beans em 2008, espera-se que perceba agora, nesta era de reinado de atrasados mentais como Logan Paul ou qualquer lixo em forma de pessoa a dizer inanidades, piadas péssimas ou de vídeos sem piléria nenhuma – a Idade do YouTuber. Onde estavam vocês nessa altura? A enfiar Mentos em garrafas de Coca-Cola, apostamos. E sdds Gary Brolsma e Tay Zonday.

Weezer

Weezer

No meio disto tudo, há que observar que a banda de Cuomo, Wilson, Bell e Shriner se aproxima da même com guitarras; ora veja-se a quantidade de versões que tocaram: Happy Together dos Turtles com um medley de Longview dos Green Day; Take On Me dos A-ha (delírio geral) e, claro, Africa dos Toto. São boas? São, mas começam a ser parte central da identidade da banda, mercê da fraca qualidade da maior parte do material recente.

Mas, bom, o passado glorioso foi tocado: Island in the Sun, Say It Ain’t So, Hash Pipe e, claro, Buddy Holly (lembrete de que é um dos melhores videoclips de sempre). As falhas de som macularam o concerto mas Feels Like Summer lembrou-nos de que estamos de facto no Verão: calor, céu quase limpo e pessoas a tirarem selfies junto ao palco para anunciarem ao Mundo de que estão num festival, apesar de não saberem quem raio são aqueles portentos do power pop de noventas.

Uma volta pelo recinto rendeu-nos duas travessias do Cruzamento da Morte (aquela terrível zona entre o palco Clubbing, o NOS e os WC, onde se concentra a maior massa de gente deste hemisfério) e assistir a dez minutos de uma Jorja Smith que tinha já o público rendido quando ainda estava no camarim e que despertou uma histeria tal que nem toda a gente coube na tenda do Palco Sagres.

Depois do jantar estava reservada a actuação, também no palco principal, dos Mogwai – com a grade já cheia de Mongwais das Grades (achavam que se safavam da piadola?). Banda fulcral no post-rock (há que lembrar, ainda mais do que isto, a morte recente de Mark Hollis dos Talk Talk, sem os quais não haveria o género), anda há mais de vinte anos a mostrar a sua importância, visitando-nos uma vez mais – no caso do NOS Alive, é um regresso após quatro anos de ausência de Algés.

Mogwai

Mogwai

 

Em concordância com o dessa outra glória de noventas Weezer, o alinhamento dos Mogwai estendeu-se a toda a carreira. Começou-se em 2017 com Crossing the Road Material e terminou-se com (obviamente) 1997 e a gigante (em tudo) Mogwai Fear Satan – quase sempre o melhor momento de um concerto dos Mogwai.

A execução precisa e a combinação post-rock/shoegaze são imagem de marca da banda de Glasgow (onde estava o cachecol do Celtic pendurado na bateria, Martin Bulloch? Para mais com a proximidade do Jamor…), cujo concerto serviu para acalmar as hostes e para fazer uma ponte entre o resto do cartaz e os The Cure – o fumo e as luzes fizeram o resto. Irrepreensíveis dadas as condições, mas piscamos aqui o olho aos promotores para que os tragam em nome próprio.

As massas de gente já aí vinham, que nem exércitos de wights (porque bêbados) estreando o seu outfit de Verão ou as suas t-shirts de “[gajo qualquer]’s stag party”. Os cabeças de cartaz estavam a chegar.

Com mais de duas horas de concerto e estatuto de banda histórica, a actuação dos The Cure merece texto à parte, pelo que para lá se remete a nossa crítica.

Lá ao fundo, nos confins do recinto, Robyn mentia descaradamente ao cantar Dancing On My Own. Uma tenda inteira em uníssono tratava de a desmentir à grande e à sueca. E muitos não terão ido para casa sozinhos. Os Hot Chip que tivessem tocado mais cedo, que isto era dia de semana.

Assim foi, mais coisa, menos coisa, o primeiro dia deste NOS Alive 2019.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

José V. Raposo

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