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J0KER (2ª crítica)
Título Português: Joker (2ª crítica) | Ano: 2019 | Duração: 122m | Género: Crime, Drama, Thriller
País: EUA | Realizador: Todd Phillips | Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz

Joker de Todd Phillips e com Joaquin Phoenix já estreou nos cinemas. Não vos trago grande novidade, já que nas últimas semanas o filme foi promovido de forma incansável.

Começaram pelos teasers: densos e gritty. Seguiu-se o trailer, com linhas escritas e seleccionadas estrategicamente. O Joker de Joaquin Phoenix foi apresentado pela sua humanidade, humilhado e vergado pela sociedade. Recebeu um Leone d’Oro em Veneza e, de repente, tornou-se oscarizável e com grandes hipóteses de vencer o prémio da indústria norte-americana, que consagra os filmes de circuito comercial. Choveram críticas que ora elevaram o filme a obra-prima, ora o atestaram desilusão do ano. E só depois de todo o burburinho é que o filme chegou às salas.

Não me parece arriscado assumir que quem vai ao cinema ver Joker, sabe ao que vai. E este poderá ser um dos grandes problemas do filme, pelo menos para mim: excesso de informação prévia e expectativa em crescendo. Se sabemos à partida que Phoenix tem um desempenho magistral, concordamos porque fazemos a mesma apreciação ou porque as massas passaram tal sentença? Se a imprensa e a internet em geral tecem grandes psico-análises ao comportamento do protagonista, terei o direito de considerar a personagem previsível e banal? Claro que sim.

Na realidade, Joaquin Phoenix é o menor dos problemas de Joker, apesar do overacting. Particularmente as danças que tentam transmitir uma energia psicopata, mas que nada acrescentam; ou as poses que evidenciam o corpo magro, mas que se assemelham a cópia explícita de Christian Bale em The Machinist; revelam uma direcção de actores e produção pretensiosas, sem finalidade, mais atentas à estética do que ao conteúdo. Como se cada frame tivesse sido captada para acabar no feed de Instagram, nas colecções do Pinterest ou nas frases inspiradoras do Tumblr. Foi o que aconteceu, de resto, bem antes da estreia.

 

 

Do primeiro ao último minuto, Arthur Fleck é o foco do filme. Saí da sala com a sensação de que o vi em cada um dos 122 minutos de fita. Phoenix detalhou a sua interpretação desta personagem que nos é relativamente familiar, mergulhando-a nas sombras da doença mental. Mas faltou a outra camada… Faltou o arco. Falhou a premissa da estória.

Nesta nova versão que se assume (ou desculpa-se?) como um filme inspirado na banda desenhada, mas afastado do actual universo cinematográfico, houve uma imensa preocupação em criar uma história de origins, esquecendo-se de fazer a ponte para o verdadeiro Joker: o maníaco, o sádico, o agente do caos, o génio do submundo.

Embora as mortes pela mão de Joker sejam memoráveis pela sua imprevisibilidade e arquitectura, e os delírios em que Fleck se refugia da solidão sejam assustadoramente realistas.

Enfim, Joker é mais uma fábula moralista com mensagens directas e sem margens para dúvidas, em que reinam os clichés: a marginalização da doença mental, a tensão latente na luta de classes, a sociedade que falha os 99%, a consequência da solidão, a desfragmentação social. A apatia e o momento em que deixamos de sentir e nos entregamos à indiferença, reflexão muito actual face à normalização da violência.

E vemo-nos diante de um pobre coitado Arthur Fleck, que na sua passividade se vê glorificado por eventos pelos quais não é responsável, que se deixa levar na corrente. Este não é, de todo, o Joker que conhecemos. Não há verdadeiramente anti-herói, nem tão pouco vilão. Joaquin Phoenix humaniza-o em demasia? Talvez. Podemos afirmar com toda a certeza que Fleck se transformou nesse tal de Joker? Nem por isso, na realidade.

O filme poderia ser sobre outro psicopata qualquer que se maquilha de palhaço, mas suponho que associar ao universo Batman (que é desnecessariamente visado por duas vezes) funcione melhor em termos promocionais.

 

A narrativa é lenta e flat, pretende demonstrar com todo o detalhe o sofrimento de Fleck, mas repete essa causa: a sociedade, a sociedade, a sociedade. Ora a família, ora os pares, mas sempre a sociedade – há três ou quatro triggers que são iguais, mudam apenas os rostos. Quando, na realidade o que catapulta Arthur para a loucura e para o descontrolo é nada mais, nada menos, a interrupção da devida medicação antipsicótica por culpa do Estado (ok).

Como se isto não bastasse, em Joker o discurso é literal, directo, claro. O filme é explicado ao público. Inspira-se – alegadamente – em Taxi Driver mas falha em compreender a importância de Travis Buckle dizer «Someday a real rain will come and wash all this scum off the streets.» em vez de assumir que quer/vai ser essa chuva.

Obviamente, isto não me surpreende. Convenhamos: Todd Phillips não é propriamente um génio de grandiosas narrativas. Afinal, assinou a trilogia The Hangover, os filmes Starsky & Hutch e mais umas quantas comédias para adultos e para vender pipoca. Entretenimento vazio, fácil e chave na mão.

Mas agora imaginem Joaquin Phoenix com este papel mas nas mãos de um grande realizador como Christopher Nolan ou de Scorsese. Não é difícil: recordemos Heath Ledger, popularizado em comédias românticas, que quando desafiado se transformou num tenebroso Joker.

Infelizmente, concluo que Joker de Todd Phillips está mais próximo do Joker interpretado por Jared Leto em Suicide Squad: tentaram demasiado. Mas é muito bonito. E mais bem produzido. E com melhor interpretação.

Lê a primeira crítica ao filme Joker »


sobre o autor

Isabel Leirós

"Oh, there is thunder in our hearts" (Ver mais artigos)

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