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Nos últimos anos, tem-se assistido a uma renovação da música alternativa brasileira. Seja singularmente mesclando o rock independente com música popular brasileira ou em caminhos mais pesados (Deaf Kids), psicadélicos (Oruã) ou electrónicos (Psilosamples), há uma multitude de nomes prontos a juntarem-se a gente consagrada como Rodrigo Amarante ou aos históricos Legião Urbana ou Olho Seco. E a revelarem-se ao Mundo.
Com um percurso seguro desde a sua fundação em 2013, os Carne Doce, banda de Goiânia apostada em crescer dentro da matriz indie-MPB, têm-se revelado como um desses nomes emergentes. Para descobrirmos o que consta na alma da banda, falámos com a vocalista e co-compositora Salma Jô. Ei-los.
Quem são, de onde vêm e o que querem ser os Carne Doce?
Somos uma banda de Goiânia, Goiás, Brasil, queremos sucesso.
No seguimento da primeira pergunta: em termos de sonoridade, a opção por esta mescla entre música brasileira e o rock dito alternativo deu-se desde o início ou havia outras ideias no ar?
Simplesmente juntamos e fizemos como sabíamos fazer. Geralmente as pessoas têm a visão de um trabalho intelectual intenso sobre o conceito das músicas e da banda antes das obras, mas na verdade nós só falamos sobre algum conceito depois que a música está pronta.
Da nossa parte e para além do indie anglófono, ouvimos um pouco de Mutantes, de Novos Baianos, de Tom Zé mais tardio e, aqui e ali, a voz da Salma a expandir-se para territórios de Elis Regina. Quem vos influencia?
Todos esses, e também João Gilberto, Jorge Ben, Chico Buarque, Gilberto Gil, toda essa nata da música brasileira nos anos 70. Mas também coisas mais contemporâneas, recentemente Mac está muito influenciado pelo Steve Lacy.
Se em Carne Doce e Princesa ouvimos ecos de Legião Urbana, Wolf Parade ou Real Estate, num rock alternativo mais objectivo, em Tônus ouvimos uma introspecção mais na veia de Bat for Lashes ou Warpaint, sempre entrelaçada com a MPB. Progressão natural no vosso som ou foi para não cansarem ou ficarem colados sempre à mesma coisa?
Acho que eu mesma é que estava pessoalmente mais triste. O momento político daquela época também foi de muita desilusão, acho que isso empurrou para uma maior introspecção, por isso as letras e as melodias de voz foram mais nesse sentido. Mas o João, nosso guitarrista e produtor musical, ouviu bastante Warpaint na época.
Goiânia deu ao Mundo não só os Carne Doce, mas também os Boogarins. Sendo uma cidade fora dos tradicionais centros culturais brasileiros como o Rio, São Paulo, Belo Horizonte ou Salvador (por exemplo), qual é a influência que a cidade e o seu ambiente têm na música e no ideário da banda, se é que tem alguma?
De tempos em tempos alguma banda sai daqui e chama a atenção. É uma cidade do interior do Brasil, fora do eixo, na beirada, na margem, entre-meio, e também é a capital da música sertaneja, que praticamente suplantou o mercado de música no Brasil nas últimas décadas. É também uma cidade que tem figuras como os donos do maior frigorífico do mundo. Não sei como explicar isso. A cidade nos influencia, nós espontaneamente refletimos as especificidades da cidade e do nosso povo.
Pontos altos e pontos baixos da carreira da banda até ao momento.
Alto: tocar em Portugal. Baixo: uma vez em que dormimos com fome, em um apartamento terrível em Recife, em colchões infláveis que iam esvaziando, e nosso técnico de som dormiu no chão. Era a logística que dava pra fazer porque todos os outros lugares estavam ocupados ou eram muito caros.
Recentemente, estiveram em digressão por Portugal. Que impressões retiraram?
As melhores. Amamos tudo, as cidades, as paisagens, a comida, as pessoas. Os shows foram melhores que o esperado.
Para além do contacto com o público português, o que conhecem da música portuguesa? Alguém que tenha suscitado o vosso interesse ou de que já gostassem antes desta visita?
Quinteto Tati. Mac e eu adoramos as canções do primeiro (e acho que único) álbum da banda.
No primeiro single do próximo disco, Temporal, assistimos a uma contraposição entre uma letra apocalíptica e um videoclip que mostra a (relativa?) felicidade do povo de Paulistas. Foram os Carne Doce a querer mostrar um pouco do seu estado, a mostrar uma nova temática nas suas canções, a querer chegar a uma aprimorada carne de sol artística? Mais ainda, houve vontade de a banda expandir o seu alcance artístico e experimentar com o formato vídeo, através da colaboração com o realizador de Paulistas, Daniel Nolasco? Ou simplesmente aconteceu e pronto?
Não é uma nova temática porque já havíamos abordado isso em “Sertão Urbano”, música do nosso primeiro disco, de 2014. Mas o tipo de poesia foi realmente algo novo pra mim. A colaboração com Daniel Nolasco e outros cineastas não é exatamente para expandir o alcance artístico, mas uma condição de lugar. E também já havíamos feito o mesmo com o vídeo de “Golpista”, uma reedição de cenas de um outro filme, A Militante, do diretor goiano Pedro Novaes, a diferença foi que nesse eu atuei.
Supergrupo de sonho de cada um (ou de quem quiser responder). E guilty pleasures!
A nossa condição de existência enquanto banda é tão endógena, que não consigo imaginar algo melhor que Mac na guitarra, João na guitarra e samples, Aderson no baixo, Fred Valle na bateria e eu nas letras e vocais. Esse encontro parece perfeito.
Uma mensagem para as massas: as que vos ouvem e as que ainda não vos ouviram.
Vá lá, escute. Se gostar, faz propaganda. Se não gostar, deixe quieto, obrigada!