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Das situações mais corriqueiras às vezes surgem as ideias mais extraordinárias. Tal como numa simples conversa com um desconhecido na fila do banco, do aeroporto, ou no balcão de um tasco qualquer, o novo álbum de Luca Argel captura despretensiosamente a nossa atenção. Mas quando menos se espera, damos por nós passeando por outro hemisfério, onde no Natal faz muito calor; ou em outro planeta, passageiros de um foguetão; ou ainda em outra realidade, onde é a banana que come o macaco, e é a bola que chuta o craque. Sem perder a singeleza das melodias e a doçura da voz, Em Conversa de Fila, e fazendo jus ao seu antecessor, Bandeira, Luca Argel mais uma vez nos oferece, em forma de música, um punhado de histórias cheias de humor e lirismo, que tanto instigam quanto divertem.
Noite de passagem de ano, poucos minutos para a meia-noite. Um casal que vive um amor proibido, tipo Romeu & Julieta, combina de se encontrar secretamente, enquanto todos estão distraídos com a festa em família que acontece na casa dela. Ele vai pular a janela para entrar. O código para avançar é quando a luz
do quarto piscar três vezes.
Aeroporto, portão de embarque do vôo para os Açores. Um senhor à minha frente encontra no chão um documento de identidade. Imediatamente sai do seu lugar na fila, e a percorre até o início olhando para a cara das pessoas, a ver se identifica a senhora na foto do documento. Consegue encontrá-la. Ela agradece muito e começam a conversar. Eu estou atrás, assistindo e anotando tudo. Quando entro no avião, a canção está feita.
Se ouvirem uns chiados durante essa música, não se preocupem que não é problema do sistema de som. É que adoro rimas improváveis, e inspirado num samba de Noel Rosa chamado Cabrocha do Rocha, resolvi que esta minha canção ia virar um exercício de busca por rimas com palavras que levassem X ou CH na última sílaba.
Senado brasileiro, 31 de agosto de 2016. No púlpito, o senador Zezé Perrella, notório traficante de cocaína, faz um discurso moralista e vota pela destituição da presidenta eleita Dilma Roussef, cujo suposto crime jamais se comprovou. Dilma é deposta, Perrella permanece incólume em seu cargo. Constato que a banana comeu o macaco, e nesta mesma noite escrevo este samba.
O silêncio no apartamento é cortado, no meio da madrugada, pelo telefonema de um velho número conhecido que não se via há muito tempo. Com relutância, atende-se. Mas sem dar demasiada confiança. Este tema é uma espécie de continuação, muitos anos depois, da história de Acanalhado, minha música preferida do Bandeira, meu disco anterior.
Chico Buarque e Moreira da Silva têm uma canção chamada Doze Anos, que falam das peripécias de uma infância saudosa, vivida no tempo em que as crianças brincavam soltas na rua. Anos 12 é uma atualização, em que falo também com nostalgia das infâncias mais atuais, aproveitadas à base de televisão e videojogos dentro de um apartamento. Cada um tem as saudades que lhe cabem.
Dezembro de 2017, estou no Rio de Janeiro, passando o natal com a família depois de 5 anos de natais em Portugal. Já são 22h e a temperatura é de 38º. Todos estão fechados no único cómodo da casa onde há ar-condicionado. Eu, como detesto ar-condicionado, vou para outro lado e, quase sentindo saudades do frio no outro hemisfério, escrevo esta cantiga.
Gosto muito de uma frase de Marco Polo que diz: “Toda vez que tento descrever uma cidade, digo algo a respeito de Veneza”. Por já viver há muitos anos fora da minha cidade, também sinto isso, essa descoberta de que só é possível descodificar novas paisagens a partir da matriz que já trago comigo. Essa matriz às vezes é o samba, às vezes é a própria língua portuguesa. Quando uma pessoa sai de casa, seja para ir à padaria ou para ir a Marte, todo o mundo dela vai junto.
Um tema para quem tem dificuldade de dizer não. Ou sim (dependendo da pergunta).
Carnaval de 1904 no Rio de Janeiro. Casemiro Rocha e Claudino Costa escrevem uma polca que faz grande sucesso nos bailes e nas ruas. Desta polca, nunca gravada, só o que chegou aos dias de hoje foi o título e os primeiros versos, reproduzidos num jornal da época. Peguei nisto, e recriei o resto da minha cabeça. Mas no ritmo de marchinha, porque não sei escrever polcas.
Porto, maio de 2018. O quiosque da esquina do Jardim de São Lázaro com a Biblioteca Municipal, abandonado por anos e recentemente cedido para (e renovado pela) Worst Tours (que realiza passeios antiturísticos pelas zonas menos prestigiadas da cidade), recebe ordem de despejo. A Câmara tem planos de renovação urbana para aquele sítio e o quiosque precisa ser posto abaixo. O despejo acontece, e para a festa de despedida escrevo este tema, que logo é gravado pelos Samba Sem Fronteiras. Da renovação nunca mais se ouve falar, e até hoje o quiosque continua lá, de pé, mas no seu estado original: vazio.
A 5 de Fevereiro, pelas 21h30, num formato simples e intimista, Luca Argel envolve o espectador em uma trama de histórias cantadas, que atravessam registos que vão da ternura ao humor. Será a 22ª Clav Live Session, e o evento é online e gratuito, todas as informações aqui.
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)