Reportagem


Super Bock Super Rock

No campo ou na cidade, com menos rock ou com mais hip hop, o Super Bock Super Rock voltou a surpreender e a arriscar.

Parque das Nações

16/07/2016


“Super Bock Super Hip Hop” era o trocadilho fácil para o derradeiro dia desta edição do festival que levou cerca de 20 000 almas ao Parque das Nações em Lisboa, naquele que foi o único dia esgotado. O culpado? O rei Kendrick Lamar que fez tremer e transpirar uma MEO Arena tal como nunca antes a tínhamos visto (e por ali já vimos bastantes concertos memoráveis) e que no passado sábado pareceu pequena para a bomba que K-Dot largou sobre o público português.

Já se antevia uma noite memorável, mas acreditamos que nem os mais atentos ao universo hip hop antecipavam um concerto de tamanha magnitude, que pode bem daqui por alguns anos ser visto como um virar de página para as fórmulas clássicas dos festivais de música em Portugal. Se assim for, não deixa de ser irónico que o mesmo aconteça num festival que leva consigo a bandeira do rock há por mais de duas décadas. E antes que se ergam algumas vozes de velhos do Restelo, que ainda acreditam que o hip hop é coisa de bairro, ou pior, que não é música para ser levada a sério, aconselhamos a que deixem os rótulos e preconceitos cair ou arriscam-se a por um destes dias não reconhecer o mundo em que acordaram.

Kendrick Lamar

Kendrick Lamar

Por mais vídeos ou palavras que vos cheguem, a comunhão que no passado sábado aconteceu entre público e Kendrick Lamar só poderá ser verdadeiramente medida por quem lá esteve e, do velho ao novo, do beto ao puto de t-shirt de Compton, estava por lá de tudo, acreditem. Mais à frente, perto do palco e no olho do furacão, eram sobretudo os mais jovens, aqueles que ainda não temem as desidratações e os atropelos, mas nem nas bancadas avistámos apatia ou quem baixasse os braços. E a forma como se cantou com fervor todas as letras que, convenhamos não serão as mais fáceis de decorar, foi emocionante de se ver e ouvir e só teve igual na ovação que o público ofereceu a K-Dot por largos minutos, onde se gritou por “Kendrick”, por “Portugal” e claro, por “Éder”, com Kendrick de olhos serenos mas visivelmente emocionados postos naquele mar de gente, a que agradeceu num sentido “that’s love”. E talvez seja sobretudo este banho de humildade, que transparece até na forma simples em que se veste, sem aquela ostentação a que os rappers nos habituaram, que Kendrick nos ganha a todos, numa mestria e talento sem igual ao debitar rimas sagazes sem esforço, enquanto comanda uma banda excepcional atrás de si. O culto em torno de Kendrick sentido nesta noite pelo público, um misto de admiração e veneração, explica o que alguns têm vindo a defender, que são estas as novas estrelas “rock” dos tempos presentes, e se assim for não há nada de errado nisso.

Kendrick foi rei e senhor inquestionável deste SBSR, mas houve muito mais neste último dia dedicado ao hip hop e o aquecimento fez-se gradual. Antes passaram pelo palco principal os históricos De La Soul a proporcionar ao público alguns dos momentos mais divertidos da noite, quer na reprimenda aos fotógrafos para baixarem as câmaras na primeira música, com direito a um sonoro “put your fucking camera down!!!”, quer nas battles amigáveis entre a fracção esquerda e direita da plateia. Só faltou mesmo que antes do concerto alguém lhes tivesse ensinado a dizer “e foi o Éder que os f….” para que a casa viesse abaixo. E mesmo antes de abandonarem o palco o bem que nos soube aquela visita à “Feel Good Inc” dos Gorillaz?

De La Soul

De La Soul

Mais controlados mas sublimes foram os Orelha Negra, primeira e única banda nacional a pisar o palco principal deste SBSR. Um concerto portento que começou num imponente jogo visual de sombras projectadas na cortina semi-transparente que cobria todo o palco, a remeter-nos para o seu recente single “A Sombra”, que ontem também brilhou entre várias novidades e visitas, como a Mind Da Gap com “Todos Gordos” e a Drake com “Hotline Bling”.

Pelo palco EDP tivemos mais diversidade com o R&B glamoroso de Kelela a arrancar suspiros pelo público e com os norte-americanos FIDLAR que, sem cerimónias, estrearam o seu garage punk no nosso país num dia que puxava a outros ritmos, com muitos crowd surfers a viver épicos momentos punk e muito sol trazido da Califórnia a elevar ainda mais as temperaturas.

FIDLAR

FIDLAR

Mas a verdadeira enchente ao início deste dia aconteceu no palco Antena 3, que pedia maior dimensão para as escadas lotadas da MEO Arena, das muitas pessoas que resistiram estoicamente ao calor do final de tarde, para ver Mike El Nite debitar rimas provocadoras, envergando a camisola da selecção enquanto glorificava esses “putos” do futebol pelas tantas alegrias que nos deram por estes dias. Antes, no mesmo palco, realizaram-se dois sonhos para o setubalense Slow J, tocar no SBSR e no mesmo dia de Kendrick Lamar. “Hoje eu vou contra gigantes sem temer cair” atira-nos à cara ali acompanhado de Francis Dale e Fred Ferreira e neste dia de “gigantes” Slow J, com apenas os seus 22 anos a tratar já assim o português por tu, não tem mesmo nada que temer, percebe-se que não vai faltar muito para o vermos em palcos maiores.

Feitas as contas sobrevivemos ao calor infernal e à caça de pókemons, houve momentos para danças esfuziantes e outros para consciência social, tivemos futebol e corações ao alto pela pátria. No campo ou na cidade, com menos rock ou com mais hip hop, o SBSR voltou a surpreender e a arriscar, capacidade de adaptação típica de quem é errante. Esperamos que tenha longa vida por muitos e muitos anos.

Galeria


(Fotos por Hugo Rodrigues)

sobre o autor

Vera Brito

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