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Dependendo da natureza nocturna de um indivíduo, no passado fim-de-semana muitos fomos abalados por aquela notícia que nos agita até ao dia seguinte quando acordamos e afinal aquilo ainda era verdade. Para outros tantos, foi das primeiras coisas que ficou a saber ao acordar. Não é com esta elevação a um só indivíduo que se pretende desprimorar qualquer outra das notícias trágicas que ocupam toda a comunicação social. Esta simplesmente atingiu num sítio diferente.
O baterista daquela banda do baterista morre aos 50 anos e fica-nos aquela sensação de perda de um velho amigo. Era desses. Pertencente aos Foo Fighters, os rockstars menos rockstars e que chegam a nós mais como uns “bros” que já conhecemos há anos do que como uns ídolos de outra galáxia. Taylor Hawkins era um desses sorridentes cuja admiração que conquistou vai além do seu talento e dotes musicais. A chuvada de tributos que caiu de todos os lados, tudo o que fosse músico, de múltiplos estilos, e até de fora da música – até do F.C. Porto! – apenas a relatar coisas positivas além do seu trabalho comprovam-no. E infelizmente são muitas vezes estes que partem cedo.
Grandes coisas estariam escritas para aquele miúdo Texano quando se mudou para a California com apenas quatro anos. Não podemos ter a certeza se Taylor o saberia, mas afiambrou-se cedo à bateria, com grandes planos para ela. Era apenas um jovem que ia encontrando lugar em bandas, curiosamente, de músicas femininas. Primeiro, mais discretamente, para Sass Jordan – que hoje mantém uma carreira mais discreta – até começar logo a ter noções e a saborear sucesso a sério e grandes digressões como baterista de Alanis Morissette, a partir de 1995, quando “Jagged Little Pill” lhe fez explodir a popularidade e imortalizou hinos até hoje.
Algo devia estar a fazer muito bem, pois viria a encher as medidas de um homem bastante exigente e perfeccionista. Era ele o porreiraço do Dave Grohl, cuja simpatia ainda é apenas disputada por um antigo conhecido seu: William Goldsmith, antigo baterista dos Foo Fighters. Aquilo que começara como uma brincadeira a solo do ex-baterista dos Nirvana começava a ganhar a sua seriedade e já dava para avançar com um segundo álbum, agora com uma banda completa. Mas havia problemas. O trabalho de Goldsmith não estava a satisfazer Dave, que o levava à exaustão e permanecia insatisfeito. Num acto que desagradou Goldsmith, Dave acabou por dar aquela de “que se lixe, eu mesmo faço isto” e gravou ele próprio a bateria, instalando a tensão entre os dois músicos, até a inevitabilidade da sua saída. O álbum até podia estar pronto mas, para ir para a estrada, ainda precisava de um baterista. Foi pedir ajuda a um conhecido seu: Taylor Hawkins, o baterista da Alanis Morissette. Não vamos sugerir que Dave viu apelo num loiro bem-parecido que lhe faria lembrar alguém, mas recorreu a Taylor para uma ajudinha e uns conselhos.
Hilariante de pensar, mas Dave estava intimidado. Sim, o gajo que já tinha créditos em alguns dos maiores êxitos daquela década, que já tinha tocado bateria num dos maiores álbuns de rock de toda a história, como membro de uma das bandas mais icónicas e incontornáveis que definiu uma geração. Não se atrevia a convidar Taylor para a sua banda, porque achava que, fazendo parte de um acto da dimensão de Alanis Morissette, ir para os Foo Fighters seria descer uns degraus. Teve que ser o bom do Taylor a oferecer-se para realmente iniciar uma parceria já mítica, que já tinha que estar escrita algures. Com isso, em 1997, já fazia tempo de “The Colour and the Shape” ver a luz do dia e começar uma invejável sequência de fabrico de hinos de rock, com “Everlong,” “My Hero,” ou “Monkey Wrench” já a marcar o seu lugar fixo em setlists de concertos e playlists.
Taylor dava a conhecer-se nos videoclips, até o ouvirmos finalmente a tocar em “There Is Nothing Left to Lose,” de 1999, o terceiro álbum onde não foi apenas um baterista suficientemente competente para os parâmetros de Dave Grohl, contribuía mesmo para a escrita das canções. A banda encontrava-se então reduzida a um trio mas foi combinação que lhes permitiu um álbum mais eclético, algo experimental com outras sonoridades mais suaves. Mais hinos, como a inevitável “Learn to Fly,” “Breakout” ou “Next Year” e também já se estabelecia a outra marca da banda: o seu sentido de humor bastante apurado. A facilidade de Taylor de passar por uma mulher convincentemente atraente através dos seus apetrechos já é outro assunto, mas aquela bandinha começada pelo baterista já estava estabelecida no panorama e tomou bem conta da outra metade da década de 90. E tinha, ela própria, o seu grande baterista.
Rockstars já eram eles, agora seguir o estilo de vida já segue dos gostos de cada um. Dave afirma não ter qualquer pendência para as drogas pesadas e de até ter perdido interesse pelas leves, isso já antes de ver amigos seus, bem próximos, a bater no fundo por causa das mesmas. Já Taylor era rapaz que gostava da sua farra. Foi precisamente cá em Portugal que houve sinais de coisas a dar para o torto: em Agosto de 2001, quando viriam encabeçar um dia do festival Ilha do Ermal, dá-se o cancelamento devido a uma indisponibilidade do baterista. Culparam “excessos” cometidos por ele, sem especificar ainda o que se viria a saber mais tarde: sofrera mesmo uma overdose que o deixava em coma por duas semanas.
O que podia ser um negro déjà vu para Dave Grohl, na verdade serviu de “wake up call” para o recuperado Taylor. Mas será que já tinha passado o tempo dos Foo Fighters, o seu momento ao Sol? Iam ficar marcados por isto, episódios destes e más prestações? É que a vida continuava e havia um quarto álbum a preparar-se, “One by One” que, ao ser lançado em 2002 e até hoje, ainda é visto como um dos seus mais fracos do repertório. O álbum dos “singles, mais o resto” que podia antever o início de uma fase descendente.
Porém, não só os singles desse álbum seriam tremendos no seu repertório, – “Times Like These” e “All My Life,” com outros subvalorizados como “Low” e nem é só devido a esta relíquia de videoclip – como já começariam a ganhar aquele estatuto de banda verdadeiramente poderosa ao vivo, título que lhes é tão naturalmente atribuído hoje em dia, quando já é surreal pensar que já tenha havido dia em que tinham performances fracas e prejudicadas por diversos factores.
Qualquer dúvida seria dissipada com “In Your Honor,” o quinto álbum que, não só lançou uma “Best of You,” em 2005, para invadir as rádios de rock e não só até aos dias de hoje, como surpreendeu pela sua expansão musical ao apresentar um segundo CD acústico. Nesse, Taylor não se ficaria por ser notório apenas como o baterista carismático e faria por ganhar mais protagonismo ainda. Já era regular ouvir a voz dele a acompanhar a de Dave – não fosse Phil Collins também uma grande influência sua – e até já o tínhamos ouvido a comandar e a cantar numa versão de “Have a Cigar” dos Pink Floyd. No segundo disco de “In Your Honor,” ouvimos a sua voz em “Cold Day in the Sun,” belíssima canção escrita inteiramente por si. A sua expansão continuaria no seguinte “Echoes, Silence, Patience & Grace,” de 2007, sexto álbum que continuou a dificuldade em escolher só uma música de assinatura dos Foo Fighters, ao apresentar-nos “The Pretender.” Que nem é um cartão de visita muito fidedigno para o álbum, ainda mais eclético e voltado para sonoridades acústicas e mais suaves. Aí também já podemos ouvir Taylor a tocar piano. Não era limitado, ninguém o queria limitar, não pretendia deixar limitar-se também.
O amigo Dave tem aquele currículo que até se torna ridículo. De imenso respeito, atenção, mas é mesmo aquele gajo que está em todas. Não lhe bastava ter duas bandas tão marcantes como os Nirvana e os Foo Fighters. Acrescentem-lhe outros projectos como Them Crooked Vultures ou Probot, a sua muito bem sucedida experiência com metal. E depois é vê-lo como convidado, a dar ajudas em trabalhos de outros nomes como Queens of the Stone Age, Tenacious D, Nine Inch Nails, Killing Joke, The Prodigy, Ghost, entre mais uma infinita discografia.
Taylor também era irrequieto e também já assinou o seu nome em muito projecto paralelo. O principal será Taylor Hawkins and the Coattail Riders, banda que fundou em 2006 e com os quais editou três álbuns: o auto-intitulado de estreia nesse ano, “Red Light Fever” em 2010 e “Get the Money” em 2019. Na banda, Taylor ficava a cargo da bateria e da voz e fazia-se acompanhar de vários músicos amigos seus, que se pudessem encontrar também noutros projectos, desde os Jane’s Addiction aos seus velhos tempos com a Alanis Morissette, para tocar um rock com músculo q.b. mas sempre bem-disposto.
Também não negava um favor, ajudando outras bandas como os Coheed and Cambria, para o seu quarto álbum “Good Apollo, I’m Burning Star IV, Volume Two: No World for Tomorrow,” ou participando no disco de estreia a solo de Slash, isso pelo meio de uma lista quase tão incontável como a de Dave, de colaborações. O seu ecletismo musical teria nova expansão quando fundaria, em 2014, os The Birds of Satan, com uma abordagem mais progressiva ao seu hard rock.
E mesmo até agora, até perto do seu trágico fim, pôde dar uma ajuda a Elton John nas suas “The Lockdown Sessions” e já se falava de novo projecto no forno: com outro imortal como Dave Navarro e Chris Chaney, outro dos Jane’s Addiction e já seu colega nos Coattail Riders, já apresentava os NHC, com quem já preparava álbum de estreia, que ainda pode chegar a nós este ano!
Se já há o seu quê de obsoleto em estar aqui a recordar o seu trajecto e tanto traço biográfico dos Foo Fighters, mais será ainda continuar a explicar o resto do seu percurso até hoje, o seu legado, importância e estatuto no rock presente, e já também o rock de todos os tempos.
Mas é inevitável, ao recordarmos Taylor Hawkins, recordamos um homem de quem há muito para dizer. Podia ser só o baterista sorridente, simpático e bem-disposto que quase partilhava do mesmo protagonismo que o líder Dave Grohl, mas era mais do que isso. É o baterista talentoso e trabalhador, o que foi ao encontro dos requisitos de um exigente e marcou o seu lugar, que fez de tudo um pouco. E conseguia ser mais do que isso ainda também, quando, a batalhar com a nossa própria comoção, vemos os tributos a partir de todos os lados, de tudo o que seja músico ou banda, que o conheceu, e só tem coisas óptimas a dizer sobre ele.
Rockstar que virou pai de família, deixando três filhos que estarão a sentir isto de uma forma que nenhum de nós poderá comparar, por muito pesado que nos tenha sido o murro no estômago. Numa altura em que tanto se procura a separação entre a arte e o artista, porque nunca podemos confiar no raio do artista, numa altura em que se santifica um defunto após uma vida a falar mal, é tão confortante encontrar sempre um Taylor Hawkins por aí que nos facilita a vida: só se falava bem dele e não foi preciso esperar por este choque para o reconhecer.
Talvez por ser demasiado cool para andar aqui neste mundo, levado por circunstâncias para aqui irrelevantes, Taylor Hawkins deixou-nos na passada sexta-feira, 25 de Março, com apenas 50 anos. Ainda estará na nossa memória, assim todo tremido, qual quer que tenha sido o primeiro post internauta a noticiar-nos isto, e os outros todos ao longo do nosso inicial período de negação. Daqueles abalos que puxa o pior de nós, à procura de um substituto em vez dele, quando vemos tanto monstro a andar por aí, e mais uns senhores com gosto por instigar e iniciar guerras, e são estes aqui os que partem cedo.
Até o começarmos a recordar de forma mais positiva. Passou os seus últimos tempos a fazer o que mais adorava. A fazer macacadas com os amigos no filme “Studio 666;” a partir tudo em palco com os Foo Fighters, na altura numa digressão Sul-Americana; a realizar sonhos de fãs como a menina baterista de nove anos que conheceu uns meros dias antes da sua morte, no Paraguai. As coisas que lhe associamos, estava ele a cumpri-las todas. E já nos reconforta, mesmo que ainda estejamos a processar tudo, saber que só partiu fisicamente mas o legado fica e é enorme.
Os discos dos Foo Fighters ali estão, prontos a ser devorados mais umas vezes incontáveis, ouvidos agora com novo brilho, assim como qualquer outra coisa em que se tenha envolvido. Continuará a ser uma referência para qualquer miúdo que os tenha como entrada e entre as eternas favoritas – especifica-se só que é o caso deste mesmo escriba, caso estas linhas e parágrafos todos não o tivessem deixado claro – e para qualquer músico graúdo, como todos aqueles que lhe vimos a reconhecer o valor.
Porque afinal o loirinho que foi para a bateria da banda daquele outro baterista tinha tudo para singrar e tornar-se daqueles que não morre.
Descansa com quanta paz queiras, Taylor, tens que estar sempre a rockar onde quer que estejas.