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Há reuniões de bandas que não passam de uma patranha para fazer dinheiro (ou de algo bem esgalhado mas que ainda assim é uma máquina de fazer guito), de um falhanço completo ou, no caso das reuniões, entre outros, dos Mission of Burma (entretanto novamente extintos, depois de quinze anos em altas), dos Swans (a obra pós-reunião e a devoção daí resultante dizem tudo) e dos Slowdive, uma autêntica dádiva cujo sucesso é inteiramente merecido. No caso destes últimos, é uma bênção que dura há dez anos.
Conotados com o (na altura pejorativo termo) shoegaze, são, a par dos My Bloody Valentine, a banda de topo do subgénero. Afinal, tocar a olhar para os pedais sempre era fixe e melhor ainda era a música que daí adveio. Perfazendo um equilíbrio entre as montanhas de noise dos My Bloody Valentine e a melodia dos Lush (ainda que longe dos tempos mais elevados dos Swervedriver), a banda de Reading não perdeu nada com a passagem do tempo, salvo algumas diferenças na interpretação da sua obra (já lá vamos), em especial neste seu terceiro concerto nas margens do Coura.
A descolagem deu-se com material da segunda vida dos Slowdive. Shanty, portentosa canção (de Everything Is Alive, disco mais recente da banda) com uma perninha no post-rock, tratou de começar a embalar-nos para o onírico, sem grande turbulência de ruído. A altitude e velocidade de cruzeiro foram atingidas com Star Roving, uma das grandes canções pós-reunião do grupo, agigantada por um monumental trabalho de guitarras – e, nas tais variações de execução a que aludimos, numa interpretação que mais se assemelhou a uma “discogaze”, atento o tempo ligeiramente acima de estúdio.
As vozes de veludo de Rachel Goswell e Neil Halstead complementam-se em monumentos sónicos como Catch the Breeze e Alison; aliadas ao reverb nas guitarras, transportam-nos para lugares aprazíveis, libertando dopamina suficiente para ampliar a grandeza do concerto e fazer esquecer tudo o resto. Não que o ritmo seja um mero acessório na música dos Slowdive, mas a dianteira é mesmo das guitarras quando (pele de galinha a caminho) os primeiros acordes Crazy for You começam a esbater a fronteira entre realidade e sonho em Coura, sem que o ruído seja sinal de pesadelo. E a destruição dessas mesmas barreiras é algo de que a banda é especialista (a chegar perto no shoegaze só uns “primos” norte-americanos, os Alison’s Halo).
Não havendo Sol (o corpo celeste, porque na set list está quase a aparecer), há uma Lua crescente a erguer-se sobre o anfiteatro natural, cenário de encomenda para rasgados elogios de Rachel Goswell, a grande multi-instrumentista (e musa de uma legião de fãs nas grades) que é a alma da banda e um dos seus pilares. O outro pilar do grupo é Neil Halstead, cérebro compositor da banda, cujos sussurros contrastantes com a brutalidade das guitarras formam a marca registada da mesma. De relevo, ainda, é a formação clássica ter-se mantido nesta segunda vinda dos Slowdive, o que lhes dá uma rara coerência.
Destinados a tentar alcançar a altitude a que André 3000 nos levou no primeiro dia, não lhes foi muito difícil chegar lá, sobretudo quando chega a hora de glória do pedal de delay numa inspirada Souvlaki Space Station. Mais tarde, saiu When the Sun Hits do saco, em versão a raiar uma britpop hipertrofiada. Mesmo com uma execução ligeiramente diferente do habitual nesta última, o barulhinho bom estava lá todo.
Na sua terceira passagem pelo festival (podem espreitar aqui a segunda), os Slowdive estão para o Couraíso como o presunto está para o queijo: uma união extraordinária. A sua dicotomia sensibilidade/ruído é poder e glória, um sonho lindo que não se quer acabado.
Desse sonho acordámos com o vórtice de 40 Days, com plena consciência da beleza sónica quase inexcedível do concerto que acabámos de ver. Se a primeira vez que vimos os Slowdive, no Primavera Sound Porto em 2014, será sempre a melhor, por ter representado o regresso inesperado de uma das melhores bandas de sempre (não é hipérbole, é verdade) e por ter sido uma jarda descomunal, as seguintes foram sempre de alto nível, um autêntico garante de que tudo o resto até pode correr mal mas, salvo problemas técnicos inultrapassáveis, a banda inglesa dará sempre um concerto de topo. Que continuem assim e que voltem sempre, que um embalo turbulento destes vale sempre a pena.
O sonho com pedais de distorção dos Slowdive comanda a vida.