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José Valente está de volta com um novo e, claro, surpreendente trabalho.
“Quem é o José Valente” traduz-se numa autêntica carta de amor dirigida à música. Mas é também uma auspiciosa combinação de possibilidades ilimitadas, onde o compositor portuense torna a levar a viola d’arco a diferentes patamares. Uma posição artística que continua a gritar por liberdade e a reforçar o espírito transgressor embutido no seu percurso.
Afirmação ou pergunta, “Quem é o José Valente” gera vários resultados. “Deve ser um artista qualquer”, responde o título da faixa de abertura do álbum editado em Outubro de 2024. Seguem-se outras teorias, ouvidas ao longo do mesmo tema: “uma autêntica enciclopédia no que toca aos sítios para comer as melhores francesinhas do Porto”, “artista plástico”, “médio centro”, “poeta galego”. “O Valente da viola” é a que mais se aproxima da verdade, num disco cuja pintura da capa, da autoria de Marco Mendes, ilustra algumas das suas referências, como José Mário Branco, Frank Zappa, Fela Kuti ou Ludwig van Beethoven.
Através de 9 peças, José Valente acerca-se de uma série de músicos convidados que enriquecem a paleta sonora deste inovador registo em que a voz é um dos elementos predominantes: João Geraldo (violoncelo e baixo eléctrico), José Silva (percussão), António Ribeiro (voz falada), João Diogo Leitão (viola braguesa), Luís Bittencourt (percussão e berimbau), Patrícia Costa (voz cantada) e Tiago Manuel Soares (percussão).
A viagem por “Quem é o José Valente” inicia-se através de uma eterna dúvida. Afinal quem é o José Valente? Esta música sugere um diálogo entre mim e as múltiplas variações inventadas à volta do meu nome, ou entre as minhas versões alternativas adaptadas de vidas homónimas. Casos como o José Valente acordeonista, ou como o José (Ángel) Valente, poeta galego.
O próximo capítulo desta jornada transporta-nos para África. Mais particularmente para um afro-beat influenciado, como não, pela atitude revolucionária do saxofonista e compositor Fela Kuti. É onde assumo finalmente um dos meus maiores prazeres musicais: a simbiose entre a energia feliz e dançante da música nigeriana com a tradição erudita inerente ao meu percurso e ao meu instrumento.
Originalmente, a separação entre o primeiro momento da suite “Uma agulha num palheiro” e os andamentos seguintes, acontecia com a voz gravada de Fela Kuti, onde este afirmava que a música é uma coisa espiritual, que é algo para ser levado a sério, que a música o rejuvenesce. Perante a impossibilidade de utilizar o excerto em questão, decidi escrever um poema inspirado nos princípios expressos por Fela, que foi, posteriormente, dito pelo meu amigo brasileiro António Ribeiro.
Aproveitando a malha afro-beat exposta em ”Uma agulha num palheiro”, decidi tornar a pulsação mais lenta, denunciando as singularidades dessa mesma malha, e inventei uma melodia mais introspectiva que contrariasse o fulgor dançante ouvido na peça anterior.
É a conclusão de “Uma agulha num palheiro”, entretanto transformada em três agulhas num palheiro! Nesta música aplico uma técnica que inventei, inspirada no famoso konnakol indiano (ta-ka-de-mi), que designei de tugakol. No fundo, usei uma série de onomatopeias da tradição portuguesa (como ratanara tum, por exemplo) para fabricar um enredo rítmico aliciante, dito por um coro de Josés, que acompanha a dinâmica instrumental (o adicionar, faseado, de instrumentos e de informação), assim como um solo improvisado exuberante, para rematar com o coro final que canta “uma agulha num palheiro”.
Este tema composto para um antigo espectáculo encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian, foi ganhando substância e relevância durante os meus concertos a solo realizados nos anos seguintes. Nesta peça demonstro toda a minha agilidade e maleabilidade com a viola d’arco.
Exponho as minhas dúvidas perante as originalidades de muitos dos propósitos artísticos vigentes; assim como estabeleço uma sátira sobre uma miríade de posturas e reacções frequentes no meio artístico da alta cultura, uma bolha de auto promoção, suportada por uma rede de falsos intelectuais que alimenta uma elite aborrecida e desconfiada. No final, ao lado da minha maior influência juvenil, Frank Zappa, afirmo confiante que a música é o melhor.
Este tema foi inspirado num exercício que Naná Vasconcelos propunha nos seus concertos, de forma a alcançar, com a participação do público, o som do Amazonas. As actuações de Naná marcaram a minha perspectiva musical e, por isso, foi com alguma naturalidade que nasceu a melodia principal desta peça. Apesar de ter sido composta antes do falecimento do grande músico brasileiro, este nunca ouviu esta música que lhe é dedicada.
Dedicada à minha Mãe, esta composição já viveu várias versões, tendo estado em constante construção até este disco. A melodia inicial remete-nos para as nossas origens litorais e portuguesas e para a nossa infância, para o tempo em que a nossa Mãe é, entre todas as suas facetas, a nossa compincha de brincadeiras. Esta peça revela uma série de entendimentos protagonizados entre mim e a minha família, que se manifestam, actualmente, nos valores intrínsecos à minha personalidade: “meu filho és tão bonito / nunca te esqueças / sê generoso / o respeito, a tua arma / a liberdade, a tua força.”
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)