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Na cena de abertura, uma câmara em espiral descreve vagarosamente os contornos de um Cristo colossal iluminado sobre fundo negro, até que aos seus pés surge uma mulher a chorar. Esta é a grande metáfora para história que se segue, que utiliza o simbolismo da época pascal – a morte e a ressurreição – para investigar o processo de luto de uma mãe que vai sucumbindo às armadinhas do seu sofrimento. A longa-metragem de estreia do cineasta siciliano Piero Messina, discípulo de Paolo Sorrentino e assistente de realização do seu La Grande Bellezza, inspira-se livremente na peça de Pirandello La vita che ti diedi (1923) e numa história real que há uns anos lhe foi contada por um amigo, acerca de um pai que recusava falar na morte do filho até começar a convencer-se de que este não teria morrido. Em L’atessa, numa propriedade isolada no interior da Sicília, encontramos Anna (Juliette Binoche), uma mãe divorciada que acaba de perder o filho quando é surpreendida pela chegada de Jeanne (Lou de Laâge), que afirma ser sua namorada e estar ali a convite dele. Em vez de admitir a verdade, Anna protela o momento de dizer a Jeanne que Giuseppe faleceu e diz-lhe que ele estará de volta a tempo da Páscoa. A espera por Giuseppe vai alimentando, na cabeça de Anna, a ilusão de que o filho não partiu.
Caminhando no domínio do indizível e do fantasmagórico, L’atessa é uma encenação delicada e contemplativa que vive da exploração filosófica das dicotomias vida/morte e aceitação/negação. Os muitos espelhos espalhados pela casa vazia e envoltos em panos pretos descobrem-se para reflectir a imagem de Jeanne – a imagem da vida – enquanto Anna ressuscita da sua dormência, ainda que por instantes, na presença dela. Mas todos os dias se fecham as portadas das janelas, mergulhando a mansão na escuridão e na dor que ressoa no silêncio pesado que acompanha todo o filme – como se o silêncio daquela mãe pudesse alterar o irreversível. A paisagem siciliana (de uma certa aspereza, com os seus enormes lagos a contrastar com as escarpas negras do Etna), a rigidez das tradições religiosas por aquelas paragens, a mansão familiar convertida numa espécie de retiro fúnebre, fornecem um enquadramento em que tudo contribui para o ambiente espectral da narrativa – atmosférico e deliberadamente ambíguo (não chegamos a saber o que de facto aconteceu a Giuseppe). Existem mesmo duas cenas em que Anna interage com o filho (que podemos presumir que se passam apenas na sua cabeça) que apenas servem para acentuar um sentimento de esperança infundada (até no espectador). Aqui, o verdadeiro protagonista é o silêncio, apenas rompido por algumas palavras ou outros tantos silêncios que nascem na casa ou na sua envolvente. A ausência da palavra dita é substituída pelo peso dos afectos, sustentando pela exímia teatralidade minimalista de Binoche, dotada de uma capacidade dramática que de facto não precisa de grandes vocábulos, aqui muitíssimo bem secundada pela jovem Lou de Laâge (uma das actrizes-revelação do recente Respire, de Mélanie Laurent): A tristeza imensa de Anna, a desorientação de Jeanne, a ligação nebulosa que se vai desenvolvendo entre as duas mulheres. O que Anna não revela, Jeanne não questiona, como se a dor da primeira fosse intuída pela ignorância paciente da segunda. É um dueto emocional notável entre as duas actrizes (quase apenas feito de olhares, gestos e expressões) em que a inverosimilhança da situação, ao invés de incomodar, se apodera do espectador – que, sem se aperceber, se apropria dos afectos da protagonista, fixada na primeira das fases do luto: a negação. Na banda sonora que pontualmente se ouve, há temas originais e alguns clássicos, entre os quais Waiting for The Miracle, de Leonard Cohen. No fundo, é isso que se pretende retratar: a espera por um milagre.
A insistente comparação da primeira obra de Piero Messina com o estilo inconfundível do seu mentor, ainda que inevitável, é eventualmente forçada, embora a dimensão lírica e o cuidado com os aspectos visuais estejam presentes. L’atessa é um filme com mérito próprio, com uma encenação minuciosa, duas actrizes em estado de graça e, se o despirmos de toda a poesia, um retrato psicológico muito preciso de um processo de luto patológico. O que lhe é verdadeiramente particular é a forma como trabalha a cadência do tempo, que não se apressa nunca, que se arrasta e se detém como quem sustém a respiração perante a iminência de uma revelação ou de uma catástrofe. O seu mérito maior é a promessa de Messina como um dos mais interessantes cineastas do novo cinema italiano. Ficamos também ansiosamente à espera: do seu próximo filme.