Curtis Hanson: Demasiado Confidencial

por Bruno Ricardo em 21 Setembro, 2016

Morreu Curtis Hanson, realizador norte-americano com 71 anos. Foi encontrado morto em sua casa, pela polícia, suspeitando-se que as causas tenham sido naturais. A surpresa pela notícia vem do facto de Hanson ter estado afastado do mundo do cinema quase por completo desde 2012, altura em que estreou Chasing Maverick, a sua última obra. O motivo desse afastamento foi a descoberta de que sofria de Alzheimer, o que na altura obrigou a que se tivesse retirado da realização, legando até o término do seu último trabalho nas mãos de Michael Apted. Com probabilidade, terá sido a doença a causar-lhe a morte.

A sua obra mais conhecida (e reconhecida) é claro L.A. Confidencial, a adaptação que muitos consideravam impossível do romance homónimo de James Ellroy. Ainda hoje considerado uma das grandes obras do cinema norte-americano da década de 90, revelou ao mundo Russel Crowe e Guy Pearce, reabilitou Kim Basinger, e relançou o film noir na moda. Sobretudo, é uma intriga bem urdida, cheia de personagens tão fundo no poço que dificilmente há um bom, quase só maus, reflectindo o que move habitualmente os mundos de Ellroy (que ainda hoje, em entrevistas, mostra não só o seu apreço, mas surpresa por este sucesso crítico e comercial). Foi, por estranho que pareça, uma obra pessoal para Hanson, que sempre viveu fascinado pela Los Angeles da década de 40 e pela exploração da fronteira entre a ilusão e a realidade. Nomeado para nove Óscares, incluindo realização, o filme venceu o de actriz secundária para Kim Basinger. É uma obra súmula do grande talento que Hanson sempre revelou para, mesmo no meio dos conceitos mais simplistas, nunca perder de vista a trama humana: é ele, afinal, que nos faz levar a sério a ego-trip de Eminem que é 8 Mile, que é bem melhor do que parece; em que Meryl Streep confiou para fazer o seu primeiro papel de heroína de acção em River Wild; e que conseguiu entender não só os mundos interiores de homens que se recusam a crescer (o maravilhoso Wonder boys, onde Michael Douglas é Michael Douglas, mas com roupão em vez de fato de executivo), mas também o de mulheres na mesma situação (em In her shoes).

Esta polivalência tornou-o num daqueles nomes que passam despercebidos, mas a sua perda é sentida principalmente por aqueles que gostam de um modelo clássico de cinema norte-americano cujos autores maiores se têm vindo a perder. Não os génios ou os predestinados, mas os verdadeiros contadores de histórias, que filma com gosto, com a noção da narrativa e com a intenção total de sentar espectadores defronte do ecrã interessando-os pelas vidas e dramas de outrém. Fosse na Los Angeles da década de 40 ou na Detroit em auto-destruição do final do século XX, Curtins Hanson nunca perdeu de vista essa simples missão do realizador. A ironia de que um contador de histórias, com uma declarada paixão pela auto-descoberta – que considerava um tema central da sua obra – morrer de Alzheimer não lhe escaparia; nem mesmo que um momento privado como o da doença aparecesse em telejornais, imprensa escrita, webzines online. O contrário de algo que devia ser tratado como off the record, on the QT, very hush-hush.

 


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Bruno Ricardo

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