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Olhamos para a primeira cena no aeroporto: Ahmad chega de viagem, Marie está lá para o receber. Um vidro separa-os, comunicando pelos gestos e pelos sorrisos faciais. Parecem familiares próximos ou recém-casados, mas o contexto deste encontro é bem diferente. Por outro lado, o filme chama-se Le Passé (O Passado), mas é um conceito relativo. O passado está bem presente, como um fantasma que atormenta a vida destas personagens, colocando-lhes obstáculos e dilemas morais aparentemente insolúveis.
É este o cinema do iraniano Farhadi. Depois de Uma Separação, eis mais um drama familiar tão complexo quanto intenso. As ilusões são inevitáveis e as peripécias sucedem-se com uma paciência e uma subtileza desconcertantes. Dramas que podem transcender a questão cultural, pois se o filme anterior se passava no Irão, Le Passé decorre em França e só Ahamad tem ligações a Teerão.
A chegada de Ahmad origina um turbilhão de acontecimentos explosivos, vividos na mesma casa por Marie, pelo actual companheiro Samir, por duas crianças e uma adolescente, que só lentamente percebemos quem efectivamente são, e por um bébé em fase de gestação (real ou virtual?) E há ainda uma mulher em coma, cuja presença física é quase nula, mas que é fundamental para o desenrolar da acção. Não há bons nem maus e a ambiguidade das personagens é estrondosa. O caso mais claro é Ahmad. Ele é, sem intenção, o responsável pelo caos, mas é o suporte de um certo equilíbrio que evita males maiores numa família profundamente disfuncional e à beira do abismo.
A gestão das emoções é notável e estamos com as personagens do princípio ao fim (até com Marie, cujo comportamento pode ser eticamente mais reprovável), não havendo lugar a juízos morais precipitados e simplistas. A mestria está nos diálogos e, por exemplo, torna-se difícil não verter uma lágrima no poderosa conversa entre Samir e Fouad sobre a mãe do miúdo. Mas também nos silêncios, seja no final muito comovente (de forma bem diferente, mais um epílogo notável depois de Uma Separação) ou no longo plano com Ahmad e Samir sentados lado-a-lado, em que todo o desconforto das personagens passa definitivamente para o espectador.
Num melodrama familiar deste calibre, são fundamentais as sublimes interpretações dos protagonistas. O cast inclui Bérenice Brejo (Marie), a diva d’O Artista e distinguida este ano com o principal prémio de interpretação de Cannes, ou Tahar Rahim (Samir), que já tinha dado nas vistas em Le Prophète ou, mais recentemente, em À Perdre La Raison e Grand Central. Mas um dos destaques vai inevitavelmente para Elyes Aguis, o pequeno Fouad de não mais que uns 8 anos, cujo papel, entre o irritante e o carinhoso, expõe também a óptima direcção de actores de Farhadi.
Pela emoção, pela densidade psicológica de excepção, O Passado mantém ou acentua as características impressionantes de Uma Separação. O silêncio pesado, sentido na sala do LEFFEST durante os créditos finais, fala por si…