Dez Takes 9: Péssimos penteados

por Bruno Ricardo em 24 Novembro, 2016

No dia 9 de Novembro, eu acordei um ano mais velho; o resto mundo despertou para a realidade de um egocêntrico maníaco, falso e idiota liderando um dos mais influentes países do mundo. Durante muito tempo, o mundo do humor teve um longo flirt com a ideia, usando-a amiúde para despertar risos fáceis. Por fim, foram apanhados por um facto a que não podemos fugir e penso que podemos todos receber de braços abertos uma nova era, a da pós-ficção, onde qualquer coisa que imaginem ou escrevam pode muito bem ser verdade: a diferença é o tempo que demorará a cristalizar-se.

O Dez Takes de Novembro não deixa escapar a oportunidade para saudar o Sauron Cenourinha da torre alta antes de iniciar funções como POTUS. Trump é sinónimo de muitas coisas: louras bimbas como esposas, ser contra emigrantes enquanto usufrui da sua existência, traumas com o tamanho das mãos, uma visão muito liberal daquilo que são factos, clubes de combate em comícios, uma desmesurada descompensação física, mudar de opinião mais depressa do que um catavento, imaginar mulheres sangrando de todos os orifícios mas alegando que tal não é sexismo, apelando aos negros e zurzindo-os de seguida, ter iniciado um clube de fãs de Vladimir Putin e outras maravilhas. No entanto, aquilo que para mim torna o self-made asshole nova-iorquino numa luminária apenas comparável a Zézé Beleza é um pormenor que tudo distingue, o Alfa e o Ómega da criação: a raposa que mumificou na sua testa e que a sociedade convencionou transformar num penteado. Devia ser o primeiro motivo para manter Trump longe da presidência e, no entanto, tornou-se na imagem de marca deste demiurgo razinza da idiotice.

O Dez Takes deste mês é assim dedicado a alguns dos piores cortes de cabelo do cinema norte-americano, insultos verdadeiros ao espectador e também às tesouras que lhe deram ser. Tal como o futuro commander-in-chief promete suspender liberdades, também nós anulamos as nossas regras habituais e nesta edição, vale tudo. Não nos responsabilizamos pelos danos causados.

#1 Cameron Poe (Nicolas Cage), em “Con Air” (1995)

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O mullet é o tipo de penteado que pertence tanto aos anos 80 que devia ter encontrado por lá sepultura. Mel Gibson quase o tornou suportável em “Lethal Weapon” e quem viu o futuro Jack Bauer, Kiefer Sutherland, a torturar a sua própria imagem com um desses cortes em “The lost boys” não esquece. Mas Nicolas Cage tudo supera e aliás, a carreira capilar de Cage dava uma lista por si só. A representá-la, um possessivo dos coelhos de peluche cuja estadia na prisão não desculpa o penteado. Pena capital definitiva, se eu puder opinar sobre isto.

#2 David Kleinfeld (Sean Penn), em “Carlitos Way” (1993)

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O ar rude e másculo de Sean Penn já lhe rendeu bastante sucesso com as garotas, mas certamente que não o conseguiu com o jewfro que orgulhosamente enverga num dos melhores filmes de Brian de Palma. Al Pacino, o Carlito do título, não vai com a sua cara, mas o estranho é conseguir estar na mesma divisão que este corte de cabelo sem começar a gritar. Penn está uns caracóis de se tornar programador informático e nunca o consegue. Mais tarde Pacino viria a ter o seu próprio jewfro quando interpretou Phil Spector. Um desastre nunca vem só.

#3 Tess McGill (Melanie Griffith), em “Working girl” (1988)

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Numa altura em que namorava um dos penteados mais memoráveis da década de 80 (Don Johnson, um minuto de silêncio pelo teu Ferrari explodindo na praia), la Griffith exibiu uma permanente digna da década. Podia ter acabado com as pretensões feministas das mulheres que exigiam os mesmos direitos laborais, mas não conseguiu. Talvez porque, no mesmo filme, Joan Cusack consegue ser mais folclórica. Simone de Beauvoir não aprova. Menção honrosa para Meg Ryan em “Sleepless in Seattle”. Demasiado tempo com a cabeça na almofada a ouvir rádio, Meg?

#4 Ruby Rod (Chris Tucker), em “The fifth element” (1998)

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Claro que apareceria aqui algures. Como não? Se outros penteados são apenas incómodos, este é ofensivo e potenciado pela interpretação estridente e passível de aceitarmos o homicídio como método razoável para resolução de problemas. Deste, pelo menos. Tucker tem com a subtileza a mesma relação que Cristiano Ronaldo desenvolveu com a literacia, mas Ronaldo ao menos marca golos. Tucker só assombra o cenário e permite que o seu cabelo chege pelo menos um minuto antes que o seu corpo e dois do que a sua língua nesta obra de Luc Besson. Menção honrosa: Gary Oldman. Inenarrável. Mais ofensivo do que Drácula.

#5 Anton Chigurh (Javer Bardem), em “No country for old men” (2007)

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Sim amigos, esta é a cara do Mal. Inspirado pela foto de um chulo tirada em 1979, a sugestão dos irmãos Coen levou o actor espanhol a exclamar “Oh não, posso dizer adeus a sexo durante os próximos dois meses!”. Pouco tempo depois, casou com Penelope Cruz. Coincidência? Há quem diga que os rapazes bonzinhos terminam em último e entre o penteado e a pistola pneumática, Bardem entrou direitinho para os nossos pesadelos.

#6 Velma von Tussle (Debbie Harry), em “Hairspray” (1988)

HAIRSPRAY, Sonny Bono, Deborah Harry, 1988, (c) New Line

HAIRSPRAY, Sonny Bono, Deborah Harry, 1988, (c) New Line

A vocalista dos Blondie surge no ecrã com o cabelo louro depois de uma explosão atómica. John Waters, talvez um dos melhores bigodes do Cinema, chamou-a a interpretar um arrogante personagem noutras das suas cartas de amor a quem é diferente e de uma maneira ou de outra, Debbie Harry oferece-nos um bolo capilar de três camadas ou mais, com o bónus da lambidela de vaca que deixa o cabelo ondulado… no sentido em que se assemelha a uma onda. Fantástico. Parte-nos o coração, como se fosse de vidro. No remake vinte anos depois, John Travolta tenta superar, mas é impossível.

#7 Terl (John Travolta), em “Battlefield Earth” (2000)

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No entanto, uns anos antes, Travolta surgiu em pleno esplendor horrendo num dos piores filmes dos tempos recentes, uma obra de propaganda à Cientologia, maior ainda que os sorriso falsos de Tom Cruise quando lhe perguntam sobre o que encontrou de bom na seita religiosa. Terl, o alien de Travolta, é execrável, de carácter e de character, e Travolta, que nunca fugiu ao lado mais assustador do aperto de mão, parece ter instalado o órgão do carrilhão de Mafra no topo da cabeça. A barba não ajuda e talvez seja por convencer os seus devotos de que esta é a encarnação dos maus instintos que tanta gente se inicia na Diurética. Assim como assim, que horror.

#8 Randall Hertzell (Dermot Mulroney), em “About Schmidt” (2002)

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A decoração facil é fundamental neste retrato, mas olhem bem para aquele cabelo. Parece que um albatroz voou rasante e levou metade do material com quem construiu um ninho. Mulroney é um daqueles bons actores cuja cara conhecemos e com um nome demasiado complicado para ficar no ouvido, mas para quem lembra sempre uma cara, esta é inesquecível. A prova? Kathy Bates surge nua no filme e não é a imagem mais escabrosa que dele retemos. Agradece ao Dermot, Kathy: aquela cabeça sim, é pornografia.

#9 Lloyd (Jim Carrey), em “Dumb and dumber” (1994)

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É um de entre vários penteados questionáveis na carreira do comediante canadiano (“Ace Ventura”… que animalesco) e podemos argumentar que na comédia dos irmãos Farrelly, serve o personagem… Mas esta tigelinha de cabelo é simplesmente ofensiva, quase tanto quanto o gel de cabelo especial de Cameron Diaz noutra ode ao desarranjo capilar da mesma dupla. Carrey devia pedir àquele senhor com a máquina de apagar memórias selectivas e voltar a 1994.

#10 Lydia Deetz (Winona Ryder), em “Beetlejuice” (1988)

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Uma gótica com um mullet e um abajour na cabeça. Só isto. Chega.


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Bruno Ricardo

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