//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Saroo tem 5 anos, vive com o irmão mais velho, a irmã mais nova e a mãe numa pequena aldeia indiana. No seu dia-a-dia absolutamente conformado e afectivamente feliz, ajuda o irmão a vender pequenas coisas que encontra na rua ou que inocentemente rouba de transportes de carga, enquanto que a mãe carrega pedras para conseguir sustentar a família. Costuma dizer-se que tanto o jarro vai à fonte que um dia parte, pois é numa dessas aventuras com o irmão que adormece numa carruagem de comboio aparentemente desactivada e acorda em plena viagem sem destino conhecido. Vê-se perdido em Calcutá, a milhares de quilómetros de distância, só fala em dialecto Hindi e ninguém reconhece o lugar que diz ser a sua casa. 15 anos depois reencontramos Saroo, desta vez na Tasmânia, foi adoptado por um casal Australiano de classe média alta e acabou de ser aceite numa prestigiada escola de gestão hoteleira. Pouco se lembra do passado, mas este insiste em intrometer-se nesta existência privilegiada e cedo torna-se obcecado com a ideia de reencontrar a família que deixou na Índia.
Diz-se que não podemos conhecer ou julgar uma pessoa sem andar uma milha nos seus sapatos, é exactamente nesse lugar que Garth Davis nos coloca, nessa milha proverbial que nos faz passar de forma íntima pelo percurso da personagem principal. Podíamos ser apresentados ao passado através de sonhos ou flashbacks, mas a narrativa é contada de forma linear e cronológica para o espectador sentir todas as angustias e motivações de um Saroo mais velho e completamente desarmado pela vida que perdeu. A primeira metade do filme é maravilhosamente condimentada com um clima de aflição constante, estamos perante um cenário de pobreza extrema, mas mesmo assim não queremos ver o rapaz separar-se de uma família que, apesar das circunstâncias, é feliz. Na segunda metade entramos a fundo no conflito interno de quem deve tudo o que tem à família que o criou, mas que ao mesmo tempo se sente incompleto e quase negligente se não validar a família biológica.
O retrato desta história verídica é imortalizado com uma sensibilidade rara e contemplativa, deparamos com uma complexidade inesperada no que há partida parece um filme lamechas sobre um rapaz que apenas quer voltar às origens. Garth Davis consegue filmar a beleza nos territórios mais desesperantes, ao mesmo tempo que quebra o véu de certeza que envolve uma família nuclear de primeiro mundo. Todas as personagens são texturadas de forma exímia e quando achamos que há vislumbre de romance chapa cinco, somos brindados com a chatice que é a realidade e as zonas cinzentas em que recaem os afectos entre pessoas. Destaque ainda para o trabalho de fotografia, que por vezes pode denunciar pontos de contacto com as obras de Terrence Malick, mas acaba por servir o propósito e não é de maneira nenhuma mau que assim seja.
O filme resulta, em grande parte, pela interpretação de Sunny Pawar no papel de jovem Saroo. Não sei se é por não perceber hindi, espero que não seja, mas durante a prestação deste jovem actor é difícil não achar que estamos a assistir a um documentário com o mais sádico dos operadores de câmara, que não interfere no caminho trágico deste miúdo. Dev Patel não é surpresa nenhuma, tornou-se na personagem e diz mais com um olhar do que duas páginas de guião, já Nicole Kidman é de facto surpreendente porque larga toda a imagem de mulher linda, que continua a ser, tornando-se numa mãe extremosa que apenas quer manter a família unida, independentemente das circunstâncias.