Billy Wilder: A Palavra e o Negro

por Edite Queiroz em 27 Março, 2015

Filho de pais judeus, Samuel Wilder nasce a 22 de Julho de 1906, em Sucha (actual Polónia). A mãe dá-lhe a alcunha de Billy em memória à sua última visita aos Estados Unidos, onde assistira ao espectáculo Buffalo Bill’s Wild West. Era vontade do pai que estudasse Direito, mas é no jornalismo que Billy encontra a primeira profissão. O gosto pelo jazz leva-o a entrevistar Paul Whiteman, que o convida acompanhar a sua Big Band em digressão a Berlim. É lá que acaba por permanecer e conhecer diversos artistas, escritores e músicos (Thomas Mann, Kurt Weill, Bertolt Brecht e Fritz Lang são alguns exemplos), cujos contactos lhe permitem começar a escrever para a indústria cinematográfica alemã. Entre 1927 e 1929, escreve cerca de 200 guiões e nos anos seguintes trabalha em 13 filmes como argumentista. Dizia que 80% de um filme consiste na escrita; os outros 20% incluiriam a execução, a contratação de bons actores ou a colocação da câmara no sítio certo.

A ascensão de Hitler obriga-o a fugir para Paris, onde continua a escrever e onde dirige os seus primeiros filmes. A mãe e outros familiares morreriam nos campos de concentração. O seu primeiro trabalho – Mauvaise Graine, co-escrito e co-dirigido por Alexander Esway – data de 1934. Os genes judaicos e o avanço do nazismo precipitam a fuga para o outro continente. Em Hollywood, passa pelos estúdios da Columbia, da Fox e da Paramount, onde conhece Charles Brackett, com quem estabelece uma estreita relação de parceria na escrita de argumentos, que se estende até 1950. O primeiro filme como realizador em Hollywood, The Major and the Minor, data de 1942, com argumento escrito em parceria com Brackett. A colaboração estende-se por mais quatro filmes: Five Graves to Cairo (1943) e o clássico Double Indemnity (1944), The Lost Weekend (1945) e, por fim, Sunset Boulevard (1950).

Sunset Boulevard é o nome da mais famosa artéria de Los Angeles, onde residem várias celebridades. Foi o cenário escolhido por Wilder para situar uma das mais cativantes – e mais cruéis – reflexões noir sobre a frieza dos mecanismos da indústria hollywoodesca. No início do filme, um narrador-fantasma – um homem assassinato que flutua de barriga para baixo numa piscina – situa a trama há seis meses atrás. Joe Gillis é um argumentista falido que se refugia numa decadente mansão na famigerada Sunset Boulevard, cuja proprietária, Norma Desmond (Gloria Swanson), uma antiga estrela do cinema mudo, vive com seu fiel empregado Max von Mayerling, antigo realizador dos seus filmes. Quando descobre que Gillis é argumentista, Norma propõe-lhe a revisão de um argumento para que possa regressar à ribalta, dirigida por Cecil B. DeMille. A arrasadora cena final ficará registada como uma das mais marcantes alguma vez filmadas: Completamente demente, Norma Desmond fantasia sobre o seu regresso aos estúdios e agradece à equipa que a acompanha: All right, Mr. DeMille, I’m ready for my close-up. O filme termina com a sua imagem, que se funde lentamente com a tela.

Realizado na viragem do século, Sunset Boulevard é um discurso sobre o próprio cinema, sobre duas épocas e seus métodos, matérias e mensagens: cinema antes e depois do som. Tal como Double Indemnity, é hoje um dos mais aclamados objectos do cinema noir. Juntamente com outros títulos, como The Maltese Falco (John Houston), The postman always rings twice (Tay Garnett) ou The Big Heat (Fritz Lang) é um retrato cinematográfico do progressivo adoecimento da América. As causas são diversas: o crash de Wall Street, a grande Depressão, o pós-guerra e a antevisão das ditaduras Europeias, criavam um horizonte nebuloso onde o crime se afigurava um meio rápido de ascensão social e a moral perdia a sua rigidez. O futuro não era promissor e o puritanismo, o conservadorismo, o código de censura e os orçamentos reduzidos não impediram que diversos realizadores exprimissem na tela visões amargas e cruéis do sonho americano, conseguindo trazer à ribalta assuntos tabus e polémicos. A visão clássica do herói, imersa numa ética maniqueísta e numa divisão simplista entre o bem e o mal, desintegra-se, dando o protagonismo a personagens desiludidas e desesperadas. Assim, deambulam pelas ruas escuras e chuvosas do film noir anti-heróis na pele de detectives privados, assassinos psicopatas e mulheres fatais perseguidos pela culpa e sem possibilidade de redenção. São dominados pela paranóia e pelos impulsos suicidas, expressos nos diálogos cortantes onde predomina a tensão psicológica. Tecnicamente, dominam os claros-escuros, os ângulos imprevistos, as fontes isoladas de luz e a profundidade de campo; os conteúdos, esses, suportam-se no Niilismo, no Existencialismo ou na Psicanálise.

O notável e profícuo percurso de Billy Wilder, iniciado em 1942, estende-se por mais cinco décadas, durante as quais dirigiu grandes referências do cinema norte-americano, como Marilyn Monroe, Audrey Hepburn, James Stewart e William Holden. É o primeiro a juntar no grande ecrã os actores Jack Lemmon e Walter Matthau. Some Like It Hot (1959), com Marilyn Monroe, Jack Lemmon e Tony Curtis, é considerado pelo American Film Institute como a melhor comédia da história do cinema americano. Em final de vida, pretendia ainda realizar A Lista de Schindler, projecto que acabaria por ser entregue a Steven Spielberg. De acordo com Wilder, este teria sido, por razões óbvias, o seu filme mais pessoal.

O escritor, realizador e produtor morreu de pneumonia aos 95 anos de idade, na sua residência em Beverly Hills. No dia seguinte, o Le Monde dedicava-lhe a primeira página, citando a frase final de Some Like It Hot: “Billy Wilder morre. Ninguém é perfeito”. Deixou um incrível legado em filmes, 20 nomeações da Academia de Hollywood e seis Óscares ganhos. Três deles – melhor filme, melhor realizador e melhor argumento – foram atribuídos por The apartment (1960), fazendo de Wilder o primeiro na história da Academia a receber três prémios pelo mesmo filme. Mas a forma como filmou o noir acabaria por consagrá-lo como um dos realizadores-arquétipo deste movimento. Tendo o seu nome inscrito nos mais diversos géneros, recusou sempre o rótulo de cineasta noir. Fez apenas, e disse-o, filmes que gostaria de ver.


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Edite Queiroz

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