Arcade Fire

Reflektor
2013 | Universal | Rock

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Todas as bandas que chegaram a um nível estratosférico de popularidade mundial tiveram, a certo ponto da sua carreira, pontos de viragem ou de experimentação. Os Arcade Fire, no caminho para se tornarem a banda (nascida) indie-rock mais bem sucedida da história, quiseram sempre alterar de forma significativa o seu som de álbum para álbum, e foram conseguindo a (muito) difícil proeza de fazer trabalhos únicos e arrebatadores, em tons tão diferentes como os de “Neon Bible” são dos de “Funeral”.

Ao quarto trabalho, os canadianos atingiram mais um momento de mudança, e percorrem agora caminhos mais dançáveis do que as ruas dos subúrbios que calcorrearam tão bem em 2010. A mudança seria positiva e até bem recebida, se tivesse a qualidade que o grupo de Montreal tinha aplicado aos seus trabalhos anteriores, e nas mudanças de direcção protagonizadas até agora. No entanto, este “Reflektor” está uns furos abaixo do que se esperava, por ser um esforço de certa forma inconsistente, e apenas os temas que foram sendo lançados como avanço do álbum se salvam de um marasmo musical, que soa a uma tentativa forçada de rompimento com o passado.

Mas há que reconhecer audácia aos Arcade Fire. Num tempo de singles curtos e directos, apostar num disco com quase 80 minutos, é um risco que poucos estariam dispostos a correr. E lançar como primeira amostra uma música com 7 minutos, é um tiro ainda mais longo. “Reflektor”, abre o álbum com um som de fusão entre a banda e os LCD Soundsystem de James Murphy (produtor do álbum), som esse que continua em “We Exist”, faixa cheia de um groove molengão, a anteceder “Flashbulb Eyes”, um tema repleto de efeitos sonoros que não o salvam de ser absolutamente desnecessário ao disco.

Numa banda que se destaca pela união curiosa dos (muitos) membros, que partilham instrumentos e protagonismo com uma coesão invejável, parece agora haver em Win Butler um vocalista numa sintonia diferente do resto da banda. Em recente entrevista à Rolling Stone, o músico fala da importância que a viagem que realizou ao Haiti teve na sua nova abordagem ao mundo da música, e talvez tenha voltado num estado de espírito diferente dos restantes membros do conjunto. “Here comes the night time” (que descreve parte da experiência na ilha, e baseia o seu título no facto de as ruas de Port au Prince não terem iluminação durante a noite) mostra uma variedade de ritmos quentes e alegres, numa sonoridade muito caribenha e dançável, com uma pitada de xilofone quase infantil, que dá um brilho peculiar a um dos temas mais inovadores e agradáveis de “Reflektor”. No início de “Normal Person”, Butler atira um “Do you like rock n’ rol music? ‘Cuz i don’t know if I do!” que pode muito bem ser um desabafo, ainda que contraste completamente com o tom mais festivo e rock desta que é também uma das boas faixas do álbum, e que completa um dos ciclos mais inspirados do trabalho.

A linha de “Reflektor” é mais próxima do trabalho anterior do que dos dois primeiros discos da banda, mas na grande parte dos temas, falta pujança, falta sentimento, falta a explosão musical em que os canadianos foram mestres tantas vezes no passado. Não tanto no conjunto de instrumentos que, com mais ou menos distorção vão criando as telas sonoras do disco, mas essencialmente na ausência de garra na voz de Butler, em momentos chave dos temas. Quando tudo parece apontar para um fortalecimento da música, o desajeitado (e por vezes desafinado) vocalista não consegue saltar fora de um patamar morno e aborrecido. Prova evidente disso, são “You Already Know”, “It’s Never Over”, “Awful Sound” e “Joan of Arc”, com esta última a prometer muito nos segundos iniciais, mas a desiludir a cada uma das inúmeras repetições do nome da heroína francesa durante 5 (demasiado) longos minutos.

Quem já assistiu a um concerto dos Arcade Fire, sabe que a magia do colectivo sempre se centrou no equilíbrio peculiar entre os momentos introspectivos e as detonações de cor e alegria. Em “Reflektor”, não há momentos que nos façam sentir saudades do ambiente de festa rock criado nos concertos da banda, seja na irreverência com que Richard Parry usava capacetes para ritmar os temas de “Funeral” em Paredes de Coura, ou nos majestosos sing alongs da mais recente passagem pelo Super Bock Super Rock. “Afterlife” talvez seja a música que mais se aproxime do objectivo de nos lembrar da festa pop, rock, folk, indie (ou tudo ao mesmo tempo) que os Arcade Fire gostam de dar, e é o tema mais sólido de um trabalho que finaliza com “Supersymmetry”, numa toada de eletrónica introspectiva pincelada com violinos, que soa surpreendentemente bem.

“Reflektor” é um álbum com bons apontamentos, e cheio de boas ideias. Mas passar da teoria à prática é o passo que os Arcade Fire deram em falso, já que a tentativa de recriar a cacofonia harmoniosa em crescendos épicos que encontramos em muitas das suas melhores faixas, falha recorrentemente, por falta de intensidade na apoteose dos temas. Ao programar a edição deste trabalho em duas partes, e ao apostar em temas longos e complexos, Win Butler e companhia tentaram criar um objecto marcante no momento musical em que vivemos, e ao seguir os trilhos de “The Suburbs” e juntar-lhe o toque disco de James Murphy, criaram uma linha de ruptura com o passado, que os poderá catapultar para uma fama de proporções planetárias, ou que poderá atrasar a chegada dos canadianos ao Olimpo musical. Por ser um álbum complicado de digerir, só o tempo dirá em qual destes patamares ficou este “Reflektor”.


sobre o autor

Arte-Factos

A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)

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