Basset Hounds

Basset Hounds
2015 | NOS Discos | Rock, Indie

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Ainda recordo com carinho a primeira vez que lhes assisti a uma actuação ao vivo, numa noite como não se fazem mais ainda em 2013, sob um vento deslizante correndo a cobertura do telhado da Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Ao longo dos últimos anos, os Basset Hounds tornaram-se uma das melhores promessas não concretizadas da música da capital. Entre a espada e a parede, como quem diz entre uma vontade imensa e um talento inócuo, e as carências e obrigações da vida, os miúdos que compõem a banda sempre foram adiando uma inevitável explosão, buscando nos meandros sinuosos dos ensaios e dos concertos pontilhados a oportunidade para um crescente apuramento.

Queremos fazer tudo bem, não temos pressa de nada.Já em Janeiro deste ano, no Sabotage, em Lisboa, debruçado sobre o balcão do bar depois de um desses concertos, em que abriram o lançamento dos Lazy Faithful, quem mo confidenciava off the record era o António, guitarrista e elemento essencial da banda, oferecendo-me carinhosamente um fino. Apesar de perceber, torci-lhe o nariz, à afirmação, não à cerveja. Já então era tempo deste homónimo, e de se mostrar o que os quatro elementos da banda guardavam no alinhamento e nas salas de trinta pessoas, e via-se na centelha do seu olhar que também ele o sabia.

O resultado desta espera e do cuidado de preparação, misturado com a mestria dos acabamentos dos estúdios Black Sheep, concretiza-se em onze faixas sólidas que os situam algures entre a inspiração mais directa do dream pop aguerrido dos amigos JUBA, banda lisboeta que os próprios admitem enquanto padroeiros, e o percurso paralelo do quarto para os palcos de projectos lo-fi de caracter audaz como uns Wavves ou uns Cloud Nothings. Até porque, a quem não saiba, os Basset Hounds começaram a desenhar-se nos cordéis caseiros do anteriormente referenciado António, e propagou-se pela linha de baixo do Zé, pela genica da bateria do Afonso e pelo eco da voz do Miguel.

Da maresia solarenga meio Califórnia à portuguesa que aliás caracteriza demasiadas bandas a eles paralelos, o que os destaca afinal é a facilidade com que transitam entre o desprendimento da atmosfera e o descomprometimento sonoro, privilegiando a leveza da música, e o súbito, objectivo e estilhaçado desgarrar e extravasar do ruído, arrancando com energia por entre os arrastos e as amarras. Na corda bamba entre emoções e expressões, relembram-nos que a juventude sónica é mesmo suposta ser este misto meio confuso e que puxa por nós pelo braço.

A malha Take Time, por exemplo, é uma verdadeira ode ao rasgo dos riffs de guitarra afiados que nem facas e à irreverência jovial, além de garantir um gancho pop inequívoco. Até chegar a ela, no entanto, há que passar pela melancolia hipnotizante da melódica Bossa, ou o equilíbrio harmónico bonito da Marr, que nos surge logo após o oásis muçulmano de ária refrescante que é Arabica, viagem totalmente deslocada da fluidez do restante trabalho.

No seu todo, Basset Hounds é um álbum de crescimento e afirmação de quatro “putos” que afinal já não o são, mas é sobretudo a exibição dos valores que têm e do potencial que existe entre o espacial e os pés assentes no chão. No entanto, é sempre bom saber que continuam a fazer piadas sobre “marufas” e que ainda ficam ofuscados e meio atrapalhados pelas luzes e pelo peso do público, como ficaram no concerto de lançamento. Lembra que, por maiores que se estejam a tornar, continuam a ser os mesmos quatro rapazes de sorriso fácil e ambição desmedida, e que o seu melhor ainda estará para vir.


sobre o autor

Sergio Neves

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