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O percurso (irrepreensível, diga-se de passagem) dos Bizarra Locomotiva começou a ser trilhado há mais de vinte anos, fruto da aliança entre dois inegáveis talentos nacionais: Rui Sidónio e Armando Teixeira, quando este último vivia ainda a fase terminal dos Ik Mux, banda precursora e incontornável no que ao Electropop/EBM luso diz respeito. A originalidade estética e a irreverência devastadora do grupo foram sempre um dos seus principais atributos, uma imagem de marca que tem conduzido a Locomotiva ao longo dos anos e que continua, ainda hoje, tão freneticamente vigorosa como em 1993.
“Mortuário” prova-nos isso mesmo. Os temas que aqui ouvimos possuem uma funesta, avassaladora e apocalíptica beleza que lhes confere um cunho muito especial: o de composições completa e perfeitamente concebidas, únicas e ímpares por direito próprio. Não deixa de ser curioso que, embora nos soem familiares, estas canções são estranhamente intemporais. É verdade, estamos perante aquilo a que se chama coerência.
A abrir as hostilidades aparece “Na Febre de Ícaro”. Tal como uma droga criada em laboratório, este tema possui um daqueles refrões concebidos conscientemente para nos viciar. E, tirando-lhe respeitosamente o chapéu, é caso para dizermos: “missão cumprida!”. Pela parte que me toca, devo ser totalmente sincero e confessar que “Intruso”, versão do clássico “Intruder”, de Peter Gabriel, era uma das minhas maiores curiosidades para este álbum. E é caso para afirmar com regozijo que não desiludiu, muito pelo contrário. Permanecendo fiel àquele que lhe deu origem, o “Intruso” reveste-se de uma obscuridade Bizarra, de uma demência Bizarra, de uma roupagem Bizarra e, tal como a letra faz tão bem questão de mencionar, o intruso “deixa a sua marca”. Peter Gabriel, senhor das vanguardas e músico sobejamente multifacetado, ficará indubitavelmente orgulhoso desta magnífica abordagem (se alguém tiver a amabilidade de lha mostrar, claro está). Por outro lado, tenho a plena convicção que “Segredos Ferrugentos” vai acabar por se tornar um hino, uma referência, um must por onde quer que a Locomotiva passe doravante. Este tema tem selo de hit e, vá-se lá saber porquê, transporta-me automática e irremediavelmente para “Pandemonium”, álbum de referência dos Killing Joke.
Toda a música constante neste “Mortuário” é intensamente perturbadora, claustrofóbica e exasperante. Em última análise, é porventura o espelho de uma sociedade caracterizada pela falta de pilares, desmoronando-se em falência total e despida dos verdadeiros valores que a deviam reger.
Depois de muito se dizer e escrever sobre uma eventual reorientação artística da banda, uma coisa é certa: mais pesada ou menos pesada, mais Industrial ou menos Industrial, com mais riffalhada ou com menos riffalhada, a Bizarra Locomotiva continua a seguir o seu percurso sem nunca descarrilar.