Blænd

Volcabulary
2017 | Edição de autor | Rock

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Nesta era de cantautores que pouco ou nada cantam, de guitarristas a solo que nada acrescentam e de demais repetições na música popular alternativa nacional, é sempre prazeroso observar ou, melhor dizendo, ouvir, gente que está mais preocupada em ser engraçada do que cair em graça. Bernardo Sampaio (Then They Flew) e João Lanita em boa hora resolveram mesclar guitarras, efeitos e convidados. Projectos nacionais recentes na mesma veia não faltam: Homem Em Catarse ou Cachupa Psicadélica, mas com uma personalidade diferente e com um alcance sónico (a nosso ver) mais reduzido. Tudo isto sem esquecer os Dead Combo, de quem os Blænd vagamente se aproximam.

Mas que alcance é aquele, afinal? Boa Pergunta dá pronta resposta: anda-se pelo jangle, pedem-se emprestadas as linhas precisas do math e os crescendos do post-rock. Com efeito, anda-se “por toda a arte”, como atesta o lema do duo no seu Bandcamp.

Destaque para Imazhigen, desgarrada também meio jangle, meio de improviso, devidamente compassada e onde já se nota que a dupla está entrosada, com Vini Reilly observando este espelho de guitarras ali ao fundo. Se até já tínhamos ouvido similar, em Crystals abre-se um mundo novo, cumprindo-se parte do lema da banda, dada a intensidade melódica do trompete de Zé Cruz (Wooden Arm Tree). A guerra pela diferença começa aqui a ser ganha.

Volcabulary vai crescendo paulatinamente – piadola fácil, bem sabemos, mas vai aumentando o seu vocabulário sónico. Não estamos perante dois meros curiosos que fizeram umas coisas num quarto e acharam por bem gravar. Temos, outrossim, dois músicos que usam da experiência para fazerem um caldo com tudo o que se espera de um projecto oriundo de um País de forte tradição guitarreia, mas que pretende entrar no século XXI com gosto e noção: samples, colaboração com sopros e sentir os pedais, na busca de um disco diferente e pretensamente inovador, mas ao mesmo tempo ancorado noutras (recentes) épocas.

Assim de surra, muitos dos ritmos remetem para Blu Terra, composição do grande Mr. Wollogallu, uma preciosidade de 1991 da autoria de Nuno Canavarro e Carlos Maria Trindade. Não havendo bateria, ouvimos também, vagamente e lá ao fundo, um pouco de Robert Quine e Fred Maher em Basic – e há, na desgarrada de Playtime, a proeminência da percussão de Carlos “Kabeção” Rodrigues.

Apache é a composição mais simples do álbum. Fugazes uivos de fundo num crescendo onde o acústico se torna eléctrico, onde o simples se torna complexo e onde se chega a um apogeu neste pow wow de samples e melodia.

As pedaleiras são o multiplicador de força da criatividade da banda, tal como o sampler. Se Bernardo Sampaio já tinha mostrado, nos Then They Flew, que tem um ouvido-esponja, aqui continua a mostrar a queda para um blending de influência: ora ouvimos um ritmo que soa a um adufe electrónico porque, bem, é um artista português, ora vêm ao de cima melodias e espécies de batidas que remetem para Forest Swords.

Parece que se seguiu a praxe de deixar o melhor para o fim: Garviachi. Encontro de guitarras, samples e sopros de Lanita, Sampaio e “Mariachi” Nunes, tomando aqueles a liderança; a tradição guitarreira nacional encontra-se com o experimentalismo improviseiro e uns pós de klezmer (mercê dos sopros) e o resultado é um fecho em grande.

Ao contrário do que tantas vezes acontece quando se cruzam intervenientes de origens musicais diferentes e cujo resultado é uma salganhada incoerente e sem identidade, Volcabulary mantém uma linha constante, trazendo à colação elementos que não destoam – antes acrescentam – à narrativa sónica. Um diálogo que se ouve de uma penada e que se espera que continue a produzir mais e melhor vocabulário (raios partam a piada fácil), talvez até um dicionário. De ser para ser, para toda a parte, por uma data de sons e com muita arte? Sem dúvida.

Resta saber quando continuará a misturadora dos Blænd a subir de intensidade.


sobre o autor

José V. Raposo

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