//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Pouco inspirado nos seus discos em nome próprio, zero notoriedade como “aquele tipo que toca bateria nos Fleet Foxes”. A carreira artística de Josh Tillman era tudo menos memorável até à noite em que, reza a lenda, um shaman canadiano lhe vendeu uma quantidade absurda de cogumelos que o fez mudar a sua perspetiva sobre a vida. Ou, dispensando o desnecessário folclore que rodeia toda e qualquer historieta sobre um artista que se queira vender para se distinguir dos outros, tornando-se blogável, até Tillman ter experienciado uma feliz sucessão de acontecimentos na sua vida. Terá desistido da sua carreira como escritor de canções ao aperceber-se que, em palco, sempre foi melhor entertainer do que trovador (aprende, JP Simões) e decidiu dedicar-se à escrita de romances. A mudança para Laurel Canyon – lugar onde se fixaram algumas das grandes figuras da música nas décadas de 60 e 70, desde Gram Parsons a Frank Zappa, e por onde ainda hoje passa gente importante na cena folk-rock californiana, como Andy Cabic (Vetiver), Jenny Lewis ou Johnathan Rice – fez o seu caminho cruzar-se com o do músico, escritor de canções, luthier e produtor local Jonathan Wilson. Tudo mudou.
Os primeiros frutos de Father John Misty – a caricata personagem que é o veículo da terceira vida de Tillman como músico – puderam ser apreciados no surpreendente Fear Fun, disco maior da colheita de 2012. Nele, Tillman descarta a sua “sad-wizard, Dungeons and Dragons music” (palavras do próprio e que nem para o maior dos nerds serão propriamente um elogio), evidenciando nas suas composições – e, sobretudo, nas letras – um lado bem-humorado, sarcástico, eloquente e literato e que lhe desconhecíamos. Embora a comparação seja sempre simplista, a encarnação Father John Misty é uma espécie de Morrissey despreocupado, de bem com o degustar dos prazeres da vida e que se dedicou a estudar um pouco mais a obra de Harry Nilsson de cada vez que se sentiu tentado a demonstrar a sua acefalia a cada contacto com a imprensa; é um Jarvis Cocker que largou o cinzentismo do Reino Unido e se mudou para a solarenga Califórnia. É também muito mais que tudo isso.
É natural que o falatório acerca da lengalenga do “difícil segundo disco” fosse muito mais intenso no caso de Father John Misty. A barra foi colocada a um nível demasiado alto – Fear Fun era um álbum quase perfeito. Tal como o é I Love You, Honeybear, de forma algo diferente.
Fear Fun é um álbum certinho, sem altos demasiado altos e definitivamente sem quaisquer baixos, absolutamente delicioso mas sem epicidade, incapaz de ser alvo de devoção pela mole indie. I Love You, Honeybear é um pouco mais extremado: embora tenha um ou outro momento menos bom, Tillman é brilhante em muitos mais.
Em Fear Fun, Father John Misty era genial sem colocar um pingo de emoção na maior parte dos registos, salvo excepções altamente choninhas como “Everyman Needs a Companion” ou “O I Long To Feel Your Arms Around Me”. Em I Love You, Honeybear é mais evidente a esquizofrenia da personagem: dum lado, o apaixonado que versa sobre a relação com a sua esposa Emma (certamente uma rapariga bem mais interessante do que a musa do primeiro disco de Bon Iver, sua homónima) de forma tão melosa quanto o próprio nome do disco deixa transparecer; do outro, o mordaz narcisista que vem à tona em canções como “The Night Josh Tillman Came To Our Apt.” – a linha em que satiriza raparigas brancas com trejeitos vocais a la Sarah Vaughan é deliciosa e, após ouvida, será recordada sempre que vejamos um programa de talentos.
Instrumentalmente, Tillman cobre igualmente – e quase sempre com mestria – uma impressionante multiplicidade de territórios. Os quase-gritos de “The Ideal Husband” são acompanhados de um baixo e bateria ruidosos como nunca antes vimos em Father John Misty; em “Bored in the USA”, Tillman aponta o dedo à sociedade do país que o viu nascer, acompanhado apenas de um lento piano, tímidas cordas e um pouco de canned laughter que nunca fez mal a ninguém (e que é hilariante, tendo em conta o contexto). Ainda assim, a variedade de cordas e percussão que encontramos em quase todas as faixas (Phil Spector não passou por aqui, mas podia ter passado) e a produção imaculada de Jonathan Wilson mantém um certo fio condutor, ainda que o disco não flua tão bem quanto o seu antecessor. Será interessante ver como se traduzirão ao vivo canções como “I Love You, Honeybear” ou “Chateau Lobby #4”: prevêem-se tímidas lágrimas de alegria num qualquer fim de tarde em Paredes de Coura, onde actua em Agosto.
Há apenas mais um defeito a impedir I Love You, Honeybear de ser perfeito: a parafernália electrónica de “True Affection” soa vulgar e fora do sítio, como se uma das canções de Hercules and Love Affair em que Antony Hegarty é protagonista fosse enfiada a martelo em I Am a Bird Now. Mas entre o lançamento de Fear Fun e o de I Love You, Honeybear, quantos discos ouvimos aos quais conseguimos apenas apontar defeitos tão insignificantes quanto estes?
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)