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Pelo sucesso do investimento e dos planos implementados nos sectores dos transportes públicos e da energia, Bristol, a sexta cidade com mais habitantes de Inglaterra, foi premiada em 2015 pela Comissão Europeia com o selo European Green Capital. Quem por lá nessa altura passou uma temporada não estranha a atribuição deste prémio e recorda o ambiente descontraído da terra que nos trouxe Bansky, Massive Attack, Fuck Buttons, a Arya de Game of Thrones e mais uma miríade de gente fixe.
Mas a realidade de Bristol, paralelamente à das principais cidades europeias, está a mudar a passos largos, e quem mais se queixa são os que lá vivem desde sempre. Com Londres a rebentar pelas costuras e o valor das rendas no centro da cidade a disparar, já não são só os cidadãos comuns a procurar alternativas — as empresas também se vão pirando da capital. O resultado é um efeito bola de neve e a gentrificação a alastrar-se às cidades onde ainda há pouco tempo o comum dos mortais conseguia sobreviver.
A par da avalanche yuppie propaga-se uma epidemia de patetice. Afinal, há contas de instagram para alimentar – e, pumbas, eis que surgem fenómenos como as míticas English Tapas que inspiraram o mais recente rant dos Sleaford Mods.
Ora, é a tropeçar num Airbnb em cada esquina e entre estabelecimentos que substituíram a alface (que horror!) por rúcula, onde não se come um hambúrguer por menos de 9€, que surgem os Idles.
Não se deixem enganar pelo aspecto felpudo dos rapazes, nem pelos modos grosseiros com que “Heel_Heal” nos convida a apreciar Brutalism. Um pontapé-de-saída brutamontes – técnica de selecção natural para afastar tolos – deixa claro que os Idles que em 2012 andavam às apalpadelas entre o legado de Echo & the Bunnymen e Interpol, no EP Welcome, encontraram finalmente uma identidade e já não são apenas mais uns jovens que se viram adultos e desiludidos. Não, os Idles de Brutalism estão acima de tudo zangados.
Ter um bom emprego, aspirar a ganhar prémios, gostar de futebol… “Well Done”, o primeiro single de Brutalism, casca numa sociedade prescritiva e normativa que rejeita o que não compreende ou se desvia das suas expectativas. Guitarras cheias de genica e um baixo a fazer de gordo que vai à baliza conferem aos Idles uma sonoridade densa mas cheia de energia, suja mas inteligível. São honestos; tipos normais que – segundo os próprios – nunca estarão nas capas das grandes revistas porque têm demasiadas rugas e os dentes manchados de nicotina.
Ao contrário do que o embrulho pode sugerir estamos perante um disco que, com a herança do pós-punk mais introspectivo no bolso, se atira de cabeça a um punk n’ roll consciente, interessado e preocupado. Preocupado porque, tal como para o jovem Holden Caulfield, em The Catcher In the Rye, está tudo a mudar demasiado depressa. Os locais onde passámos a infância já não existem, o mundo à nossa volta diz-nos pouco, os velhos amigos estão a desaparecer ou a viver longe e não há smartphone com 5300 fotografias ou presença assinalada num qualquer evento facebookiano onde nunca tencionámos meter os pés que nos valha.
Paralelamente a tudo isto, houve ainda um evento determinante no processo de escrita de Brutalism: a morte da mãe do vocalista (cuja fotografia surge na capa do disco), no seguimento de uma doença prolongada. O papel do NHS e as intenções de alguns políticos de fazerem cortes no mesmo foram, talvez, os maiores catalisadores na metamorfose de uns Idles que começavam a pensar em meter a viola no saco e dedicarem-se à pesca.
Se por esta altura ainda não nos lembrámos da figura de Jello Biafra, ou de qualquer um desses raros habilidosos do sarcasmo com uma entoação meio apalhaçada, basta esperar por “Faith in the City” ou por “Mother” — faixa que nos devolve a linha, ‘The best way to scare a torie is to read and get rich’, — ou pela adivinha que mete lâmpadas e mordomos ao barulho em “White Priviledge”.
O Idles não bebem bebidas com sombrinha (até porque o rock se faz é em bares desleixados onde o suor escorre pelas paredes – que se lixem os estádios e os festivais patrocinados por multinacionais). Ainda que num estilo visceral e sem pinga de presunção, Joe Talbot pesa cada palavra antes de a regurgitar em alvoroço no palco do Louisiana, um bar em Bristol seu púlpito onde ainda se pode tocar música ao vivo apesar da catrefada de licenças e dos valores ridículos praticados em Inglaterra para manter um espaço do género aberto ao público. Uma sonoridade electrizante, quase sempre na redline, serve para andar à pancada, dançar, beber copos, partir coisas e, se for preciso, fazer o amor. A narrativa, essa, é hilariante, mordaz e um pouco triste.
O palco do Louisiana funciona então como o Museu de História Natural em The Catcher in the Rye, um sítio por onde o tempo não passou, um lugar que nos traz segurança e conforto. Quanto a Brutalism; bem, Brutalism não deverá pintar um quadro desconhecido a grande parte daqueles que nasceram na segunda metade dos anos oitenta. Mais do que o simplista ‘vão-se foder’ do punk, deixa escapar apontamentos pessoais e observações nostálgicas vindas da penumbra da mesa do canto.
Recomendado para fãs de: Sleaford Mods, Metz, Protomartyr, Iceage, Echo & the Bunnymen, Interpol, The Chameleons.