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Já nem vale a pena pegar na velha história que diz que com isto da internet, dos downloads, dos streams e afins acabamos por ter acesso a quantidades absurdas de música e depois não damos a devida atenção a cada lançamento. É verdade que muitas vezes andamos a comer pastilhas elásticas daquelas que perdem o sabor passados dois minutos, mas no fundo cabe a cada um de nós fazer um esforço para saber onde vasculhar devidamente, evitando assim as cópias das cópias das cópias e as bandinhas da moda – cada um sabe de si. Bem, vamos lá ao disco.
Tempo: o Tony de Matos queria que voltasse para trás. Mas será que a relva era assim tão verde? Os Kowloon Walled City sabem bem que o tempo é aldrabão e não se deixam enrolar em nostalgias nem iludir com esperanças ingénuas. “Your Best Years” abre o disco da mesma forma honesta com que os Kowloon Walled City sempre se apresentaram; sublinha mutabilidade que o tempo confere às memórias e o quão traiçoeiro pode ser o exercício da recordação – além disso tem uma das leads de guitarra mais fortes que ouvi nos últimos tempos.
Acima de tudo os KWC são isso mesmo, uma banda honesta. A produção sóbria e um tom de guitarra muito particular constituem já a trademark destes californianos. Fazem uma espécie de sludge-rock – pesado, lento, noisy, sem truques e artifícios desnecessários. Ficam-se pelo essencial; mais do que isso seria excessivo. Não estão cá para convencer ninguém; fazem o que fazem e ficam contentes, suponho, se nós gostarmos – só isso.
Grievances, surge como a evolução natural do processo iniciado no segundo disco, Container Ships. Mostra-nos uma banda cada vez mais focada em despir a sua música de elementos distractivos e substitui a agressividade do primeiro disco por um cenário mais desolado. A gestão do espaço, as progressões de acordes menos convencionais e o recurso à dissonância, aliados à voz de Scott Evans, pintam uma paisagem em tons de sentimentos de frustração, desilusão e impotência. Uma meditação sobre o mundo em que vivemos, sobre os efeitos psicológicos e sociais de um mundo onde muitas vezes é-nos difícil dizer qual é, afinal, o produto do nosso trabalho. Um mundo onde o que interessa são os resultados na folha de excel. Crescer, simplesmente por e para crescer – a retórica de um cancro.
À semelhança dos KEN Mode, também os KWC apontam o dedo aos vendedores de sonhos que nos impingem tudo e mais alguma coisa, materializando o que não pode ser materializado. “You sell it like a poet, somehow you say it like you know it”, desabafa Evans em “The Grift”, “the fiction sells”. Mas não são ingénuos, sabem que não há grande coisa a fazer. Pessoas vão ser sempre pessoas e de pouco vale fazer barulho – afastamo-nos um bocadinho do rebanho, torcemos para que não nos chateiem muito a cabeça e vivemos, na medida do possível, à margem do que nos faz confusão.
Numa altura em que cultura e entretenimento parecem ser conceitos sinónimos, “mecanismos de distracção” que visam converter em “bem supremo a nossa natural propensão para nos divertirmos”, parece que felizmente ainda há quem se dedique a sério às coisas e dê o litro para fazer algo genuíno, algo que só tem a ganhar com escutas sucessivas e não o inverso, algo que certamente não estará esquecido daqui por um ano e que não é motivado pela soberba e pela vaidade. A estas cada vez mais raras figuras só podemos tirar o chapéu.