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No outro dia ouvi alguém dizer que estamos a viver a época dourada das séries, cada vez mais e melhores, melhores argumentos e melhores autores. Já não são olhadas como a segunda liga do entretenimento. E, talvez, seja isto que eu sinto em relação ao momento musical que estamos a viver em Portugal.
Saímos do armário, deixámos de ter vergonha de cantar em português. Fenómenos colaterais como passarmos a estar na moda, sermos o melhor destino turístico da Europa, ganharmos o Europeu do Futebol e até o facto de termos ganho a Eurovisão insuflou-nos a autoestima. Podemos não ligar ou até achar uma parolada, que achamos, mas é uma espécie de injecção subliminar de vaidade para a alma. Torna-nos vaidosos. Em bem.
Para os nascidos em 1973, como eu, gostar de música portuguesa não era fixe (sim, dizíamos fixe, não cool). Convenceram-nos que o português não dava para cantar. Vivíamos num novo-riquismo cultural, estávamos a aprender a viver em democracia, ter dinheiro e instrução universal. Não havia internet, longe ainda estava a FNAC, o IKEA, a Amazon e até o McDonalds. Poucos ou nenhuns festivais de música, os concertos esporádicos, o topdisco e o Júlio Isidro. Ainda me lembro da excitação que foi passar a ver na RTP2, o Álvaro Costa, o Nino Ferreto e o Adam Curry a falar de música. Claro havia excepções mas eram isso mesmo, excepções. Fixe eram os outros, os estrangeiros… mas isto agora não interessa nada, não é fazer arqueologia musical o que aqui quero fazer.
Acertemos o calendário. Estamos em Setembro e em Setembro celebra-se S. Pedro. Sim, não é o Santo mas, também, faz milagres, e dos bons, os musicais. E para que bela celebração somos convidados!
Foi amor à primeira audição. Como não amar um inventor de palavras. A língua merece palavras inventadas e não acordos (porn)ortográficos, que usamos por vício, não por amor.
“Amamanhã” é o nome da primeira música e achamos logo que o S. Pedro tem estado cá em casa, vive connosco, sabe do que gostamos, das manhãs e de menear a ancas. “Passarinhos” é a carta de amor (aceitamos uma sms) de que estamos à espera. «Vejo-te e ouço passarinhos a cantar/ Podia ser sempre assim» (Ai, ai). Agora tenho a certeza, ele vive aqui em casa. Transforma as minhas angústias, alegrias e banalidades em melodia e em cor. Em “Apanhar Sol” tenho vontade de fazer um detox das redes, deitar-me na relva e sentir-lhe o cheiro. «À noite custa mais/À noite mato-me a pensar/se alguém já estará/com o meu lugar». Não é uma estrofe de uma cantiga amor e de amigo é “Atende”, aquela música que nós gostaríamos de ouvir quando queremos é chorar.
S. Pedro transforma o vulgar em sublime, transforma as pedras em flores. Com cheiro, sabor e dia-a-dia. Sentimos “O Mundo” quando ouvimos «Eu já cá estou cá para ir» e em “Todos os Meus Amigos” vemos os nossos quando estes trocam «foie gras por percebes». Queremos partilhar da “Sorte” – quem não deseja ter alguém «sempre à mão»? Voltamos a ter 16 anos naquela viagem até Lisboa, uma viagem cheia de «curvas dadas de cor», coroamo-nos os «Reis da A1».
S. Pedro é um malabarista da palavra da vida comum. Lembram-nos músicas como o “Namoro” de Sérgio Godinho e a sua «Zefa do sete». Dá-nos esperança de tornar o cheiro da gordura em algo belo. S. Pedro é alguém que tem uma vida como a nossa, sabe como acordamos, apanhamos o autocarro, quando vivemos. Como se fosse um alter ego da pessoa comum com voz para cantar e dedos para escrever.
Agora digam lá porque é que um músico não pode ganhar um Prémio Nobel da Literatura?
Crítica por Cláudia Araújo Teixeira (convidada)
A Arte-Factos é uma revista online fundada em Abril de 2010 por um grupo de jovens interessados em cultura. (Ver mais artigos)