//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
“Retromania” foi o termo encontrado pelo reconhecido crítico musical Simon Reynolds para explicar esta tendência da cultura pop se reconectar ao seu passado, que tem dado origem a revivalismos nas mais diversas áreas, sendo que, no caso da música, os Tame Impala eram até há bem pouco tempo um exemplo perfeito deste fenómeno. “Eram” porque o seu terceiro álbum de originais Currents, editado há poucas semanas, é uma guinada clara e assumida da direcção musical da “retromania” do rock psicadélico da década de 70 com efeitos brilhantes dos sintetizadores da década de 80, dos seus anteriores trabalhos Innerspeaker e Lonerism. Esta fórmula que combinava o melhor (ou para alguns o pior) destas duas décadas e que garantiu aos australianos sucesso imediato, críticas elogiosas e os catapultou para os palcos dos mais importantes festivais, já não servia ao talentoso multi instrumentista Kevin Parker, voz e mente dos Tame Impala, que tem neste último trabalho a sua individualidade tão demarcada que até nos faz questionar se não faria mais sentido a banda assumir agora uma nova identidade, algo como, “Kevin Parker and his Tame Impala”.
Esta mudança de rumo musical do rock para o vasto universo da pop e da electrónica (ainda psicadélicas) poderá ser reflexo das influências que Parker já assumiu ter de artistas como Kanye West ou Mark Ronson, com quem colaborou recentemente. Uma mudança que terá apanhado de surpresa apenas quem andou completamente alheado das redes sociais ou até da rádio, pois os avisos foram vários e foram prévios. Antes da edição de Currents a banda fez questão de ir lançando vários temas a conta gotas que iam exasperando, por um lado, os mais resistentes a mudanças, por outro, os que antecipavam um álbum promissor. O primeiro aviso chegou-nos em março com “Let It Happen”, primeira faixa de Currents que, mesmo com os seus quase 8 minutos, tem tido um generoso airplay em várias rádios nacionais, sem sofrer o habitual criminoso radio edit, porque se há faixa impossível de cortar é esta, onde cada segundo conta e tem uma intenção. Temos ouvido com tanta insistência a cadência “Let it happen, let it happen (it’s gonna feel so good) / Just let it happen, let it happen” que agora, com o álbum nas mãos, já nem conseguimos recordar a estranheza com que a ouvimos pela primeira vez. “Let It Happen” trazia consigo a mensagem clara de abraçar pacificamente uma transformação inevitável mas positiva, quer na letra quer na experimentação de elementos electrónicos e no refinamento da produção, condensando em si todo o álbum, à semelhança de um trailer bem conseguido que nos aguça a curiosidade para o que de melhor um filme tem sem revelar o seu enredo.
Currents confirma-se como um álbum de ruptura, aquilo que na língua inglesa se costuma apelidar de “break-up album”. Para além da ruptura óbvia com as guitarras (e alguns seguramente irão verter lágrimas saudosas dos riffs de “Mind Mischief”), há aqui também uma forte ruptura emocional, um pouco abafada pela sumptuosidade musical do álbum. Mas com o ouvido mais atento descobrimos corações partidos e relações falhadas, como em “Eventually”, uma melodia leve e optimista que nos desvia das palavras “Cause if feels like murder to put your heart through this / I know I always said that I could never hurt you / Well this is the very, very last time I’m ever going to”. É que à excepção da melancólica “Yes I’m Changing”, a musicalidade de Currents serve melhor uma pista de dança brilhante que uma tarde chuvosa de introspecção. A contagiante “The Moment”, por exemplo, tem espaço para palmas, ritmos para coreografias e letra para acompanhar em coro, e antevemos que se transforme em breve num verdadeiro crowd pleaser em concertos (que poderá ser posta à prova já daqui por dias em Paredes de Coura).
Este é um álbum que flui com consistência até nos seus interlúdios mais experimentais como “Nangs” e “Gossip”, respirando no funk de “The Less I Know The Better” e com algo de nostálgico nos teclados atmosféricos de “Past Life” (que teria encaixado perfeitamente na banda sonora do inesquecível filme Drive). Termina de forma brilhante com “New Person, Same Old Mistakes”, onde Parker assume que nem todos entenderão Currents e as descobertas pessoais que o trouxeram até aqui (“I can just hear them now “How could you let us down?” / But they don’t know what I found / Or see it from this way around / Feeling it overtake / All that I used to hate”). Esta faixa tem tanto de diferente a acontecer ao mesmo tempo que, decorrido o primeiro minuto, paramos e regressamos ao início para reforçarmos a nossa concentração, de forma a conseguir absorver toda a sua complexidade. Sons de sitar, mudanças de ritmo e mais toda uma panóplia insana, mas em perfeito controle, de arranjos, sempre suportados pelas confortáveis linhas do baixo que nos trazem os “same old” Tame Impala de sempre.
Currents é um tiro no escuro mas certeiro no alvo, uma pedrada no charco psicadélico como até o artwork parece sugerir, daquele que teria sido o caminho fácil – repetir Lonerism -, que peca apenas no registo um tanto monocórdico do falsete da voz de Kevin Parker, que gostaríamos de ouvir atingir amplitudes diferentes. Alguns defendem que os Tame Impala estão agora mais tame que impala e esta teoria justifica-se se olharmos para Currents como um verdadeiro álbum de estúdio, meticulosamente trabalhado e conduzido pelo perfeccionismo obsessivo de Parker. Mas talvez os Tame Impala estejam agora pelo contrário mais impala do que nunca, pois Currents traduz uma verdadeira liberdade de experimentar, de correr riscos e de trilhar paisagens sonoras selvagens.