Vodafone Paredes de Coura 2024: Contas Finais

por José V. Raposo em 27 Agosto, 2024 © Hugo Lima www.fb.me/hugolimaphotography

Enquanto em Paris (e noutras cidades de França) os atletas acabavam de suar as estopinhas em busca de glória olímpica, no Alto Minho começavam as Olimpíadas do Vodafone Paredes de Coura. Com modalidades aquáticas, ao ar livre e em pista coberta, foi uma semana em que todos foram atletas e espectadores, por vezes simultaneamente. E todos levaram, pelo menos, um diploma olímpico.

Trinta e um anos desde a primeira edição, Coura continua firme e diferenciado no panorama dos festivais nacionais de grande dimensão. A familiaridade da vila, das tradições e dos rituais que existem por via das envolventes geográfica e histórica do festival continuam a fazer a diferença e a encher-nos a alma. Uma banda que toca na vila nos dias anteriores e é “promovida” ao recinto porque uma outra cancelou a sua actuação já se tornou numa tradição do festival.

Uma observação que nunca é demais fazer é a de que tudo o que se torna numa chatice “daquelas” nos demais festivais grandes ali é minimamente tolerável, não obstante as dificuldades de circulação no recinto em dois dos quatro dias, sinal da maior presença de público este ano. Em Paredes de Coura, o desgaste do passar dos anos nas idas a um festival deste tamanho não se nota se comparado com os suspiros e grunhidos que se solta quando alguém que queremos ver (e escrever sobre) é confirmado num festival de grandes multidões.

Há aspectos do modelo a rever? Há, sobretudo nos preços do merchandise dos artistas ou na programação d’O Festival Sobe À Vila. Há aspectos novos a louvar, neste anos de cartazes repletos? Há, que os horários deste ano, mesmo tendo transformado o horário nobre guitarreiro em after, são bem melhores do que andar a cortar concertos pela metade, tendo a única mácula sido a de os Superchunk terem saído prejudicados pelo prolongamento do concerto dos The Jesus and Mary Chain e pelo começo do espectáculo dos Fontaines D.C..

Há muitas maneiras de viver Coura. Se há década e meia ou vinte anos se acampava e viajava de autocarro, agora utiliza-se a zona como base de operações minhotas e galegas nos dias anteriores ao festival. Desde há uma década que Coura é, para nós, partilhar casa por uns dias com amigos que, por via da distância geográfica, no resto do ano são letras e emojis num ecrã, é comer despreocupadamente aquele bitoque ou diária que sabem pela vida no Barbaças ou no Miquelina, é escrever despudoradamente umas linhas sobre os concertos, é fazer um set de GPSS (o décimo!) para os amigos, para a zezaria e demais malucos e duros (de ouvido) no Xapas Lounge, a quem se agradece a generosidade e a paciência e se faz votos para que para o ano lá estejamos todos para o décimo primeiro set. E é, claro, ver concertos que ficam na memória.

Ainda que os concertos sejam importantes, a alma de uma campanha courense são os dias e noites de vila nos dias anteriores. Falando por experiência própria, foi aí que muitas das nossas actuais amizades se consolidaram. Caso ainda não se tenha percebido, é (quase a par mas ainda assim uns furos acima do Primavera Sound Porto) o nosso festival grande preferido, por tudo o que há anos se elenca.

Relativamente ao festival, no papel foi bem grande o regozijo aquando das confirmações do cartaz; já em termos de jogo jogado foi mais uma grande edição. A aposta em André 3000 foi arriscada e polarizadora mas para nós deu num tiro certeiro. Foi incrível ver, na mesma edição, Superchunk e Slowdive e vários dos seus discípulos, como os Hotline TNT, os Wednesday e os Deeper, sem esquecer a estreia no anfiteatro natural da música dos Fontaines D.C. e a porrada dos Model/Actriz. Que duas ideias continuem a vingar nas próximas edições: o hip hop de qualidade, que este ano teve Killer Mike a assinar o livro de honra de Coura, e a folk e a country com assunto, que Hurray For The Riff Raff e Palehound (que El Kempner volte para o ano e traga o resto da maralha) fizeram boa e mui decente figura.

No meio de tudo isto, não esqueçamos o estoiro que foram Mdou Moctar, as cantigas contemporâneas de escárnio dos Protomartyr e a grande revelação (ou confirmação) desta edição, os Tramhaus.

Os dizeres que noutros festivais de grande dimensão não passam de um slogan publicitário travestido de lema supostamente vindo do coração, em Coura são, pelo que se viveu, genuínos. Coura é mesmo amor e esse amor, como já se disse ad infinitum, não é um amor de Verão, é mesmo para toda a vida. Depois da estreia (e a nossa já foi vai para duas décadas), quem realmente sente fica com o bicho de algum dia querer voltar (de preferência no ano seguinte), que as saudades do anfiteatro natural da música ficam como poucas.

Seguem as contas finais desta edição.

i) CAMPEÕES PAREDES DE COURA 2024: Superchunk; Slowdive; Tramhaus; Protomartyr; André 3000; Sababa 5; Hotline TNT; Hurray For The Riff Raff; Wednesday; Model/Actriz (prémio partilhado com o segurança que segurou no cabo do microfone); Fontaines D.C.; Killer Mike; Beach Fossils; Mdou Moctar; Idles; Deeper;

ii) Menções honrosas:  The Jesus and Mary Chain; Palehound; L’Impératrice; 800 Gondomar (vila);

iii) Tivemos pena de ter perdido: Conferência Inferno; Nourished By Time; Acid Acid;

iv) Gostaríamos de ter visto mais: Sextile;

v) Podem ficar em 2024: pessoas que furam fora de tempo e, pior do que isso, voltam para trás;

vi) Palavras e expressões do festival: “A ELES!”; “Stop Bajon”; “zezos/Zezas”; “zezaria”; adaptações da linguagem à Bruno Aleixo (“o festival de música popular Paredes de Coura”); “brat”;

vii) Queremos ver/rever no Couraíso*: Chat Pile; Catcher; The Chisel; Boucabaca; Polvo; Fire! Orchestra; Bob Mould; Still House Plants; Black Country, New Road; DJ K; DJ RaMeMeS; Anna St. Louis; Dinosaur Jr.; Ducks Ltd.; dälek; Caveira; Éme; PACKS; Bar Italia; Einstürzende Neubauten; Mega Bog; Geordie Greep; 100 gecs; The Spirit of the Beehive; Geese; Grails; Fucked Up; Joshua Ray Walker; Hetta do Montijo; Sistemas Inestables; Maruja; Drahla; Garrett T. Caps; The Tubs; Armand Hammer; Folly Group; Heavy Lungs; KNOWSO; syayvo; Torrey; Pedro Ricardo; Pissed Jeans; La Luz; Metz; Maria Reis; Real Estate; SAICOBAB; Novulent; Bad Breeding; British Murder Boys; Denzel Curry; Ratboys; Rose City Band; Horse Lords; Titus Andronicus; Faye Webster; Alfa Mist; Xylouris White; Gume; Nick Cave and the Bad Seeds.

Já falta menos de um ano para os dias 13 a 16 de Agosto de 2025. Até para o ano.

 

* – De notar que da nossa lista do ano passado vieram este ano a Coura nada mais, nada menos do que quatro (!) nomes: Fontaines D.C., Mdou Moctar, Wednesday e Protomartyr. Agora só nos falta acertar no Euromilhões (mas para isso era preciso jogar naquilo).


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José V. Raposo

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