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Daqui a umas décadas, os nossos descendentes poderão estar reunidos em redor de uma fogueira e não num cenário bucólico: em seu redor, edifícios decadentes e uma paisagem vazia e seca denunciam o apocalipse vivido uns anos antes devido ao simples acaso de um homem com uma raposa na cabeça ter confundido a campainha do jogo Tabu com o interruptor do arsenal nuclear de umas da mais poderosas nações do mundo. Não vamos falar de nomes, que isso é feio, por isso deixo à vossa imaginação de quem falo. Esses descendentes recordarão Janeiro de 2017 como o mês em que tudo começou, quando uma actuação surpresa da banda filarmónica do Ku Klux Klan e um concerto conjunto entre Nickelback e Creed, correndo juntos os seus repertórios, anunciaram ao mundo uma nova era bem para lá da Idade de Ouro de Aquário.
É incontornável que a antecipação dos próximos quatro anos nos EUA domina a atenção de Janeiro. Como tal, o Dez Takes dedica-se este mês a procurar alguns dos filmes que melhor mostraram a política norte-americana no cinema. Porque somos uns fixes e detestamos que ouçam sempre as mesmas coisas (como um discurso político), procuramos apresentar algumas obras menos focadas e faladas, mas que são igualmente interessantes e até prescientes quanto aos tempos actuais em que vivemos, onde o espaço político é acima de tudo uma pista de circo. Tentaremos não repetir filmes e realizadores noutros meses e como sempre, estamos a abertos a sugestões de outras obras que aqui caberiam.
“Veep” é, na actualidade, talvez o mais acutilante e divertido produto de ficção política, mas o seu criador, Precisamente Iannucci, teve tempo para afiar as garras na televisão britânica com “The thick of it”, brilhante sátira pontificada por um spinner político chamado Malcolm Tucker, que o actual Dr. Who, Peter Capaldi, elevou à categoria de mito, em particular no uso do insulto. Iannucci levou Tucker e outros personagens da série para o grande ecrã com esta obra que crua a política britânica com a americana quando um ministro inglês comete uma gaffe tremenda numa entrevista. Tudo tem um odor de invasão do Iraque/2003 e o interesse está em não centrar-se nas grandes figuras políticas, mas sim nos seus servos e gentes que navegam as traiçoeiras águas da política e dos acordos sem nunca se comprometer. O humor é negro e embora seja sátira, os seus personagens são credíveis e enquanto Malcolm Tucker destrói indivíduo atrás de indivíduo com a sua língua de veneno, juramos que estamos a ver a realidade, enquanto o humor negríssimo corrói o ecrã.
Antes de se embrenhar a sério nos dramas de meia idade do americano comum, Alexander Payne realizou, em 1999, uma pequena gema acerca das eleições para a associação de estudantes de uma escola secundário norte-americana. Matthew Broderick é um professor que teme a voracidade política de uma estudante incrivelmente competente, interpretada por uma Reese Whitherspoon a mostrar qualidades que foram pouco exploradas nos seus anos posteriores de sucesso, e decide por isso arrastar um simplório de bom coração mas zero apetência para a refrega. Mas fálo não por bom coração, mas simplesmente porque a despreza. O que se segue é um estudo de microcosmos daquilo que é de facto a política no geral: o mais popular ganha, a apatia dos votantes é geral, a incompreensão da função de quem manda um dado adquirido e os maiores aplausos são guardados para aqueles que se afirmam como contra-sistema e com opinioes demagogas: numa cena em particular, quando um dos candidatos apela à abstenção nestas eleições, quase sai em ombros de um debate. Soa-vos familiar?
Um dos mais curiosos filmes da década de 90, Bulworth vale, quanto mais não seja pela curiosidade de ver uma das lendas da era dourada de Hollywood de barrete e calções a debitar hip-hop. Beatty, que também realiza, coloca um simples cenário: e se um candidato a a um cargo político, com vontade de cometer suicídio, decide passar a sua campanha a dizer a verdade sobre tudo o que envolve o meio político? O filme confirma duas coisas: actores brancos, mesmo que lendários, não sabem mesmo entoar rap e às vezes um bom filme político pode ser bruto e substancial ao mesmo tempo: as divagações de Bulworth são directas e muito pouco subtis, o que torna o filme muito panfletário, mas há alturas em que acordar consciências só pode ser feito à marretada: a vacuidade da acção política e o domínio do dinheiro na vida pública são vistos à lupa tão directamente que a certa altura até queimam.
Nixon tenta ser, ao mesmo tempo, uma biografia ponderada e equilibrada (em certos pontos, talvez demasiado) de Richard Nixon, umas das mais vilanizadas, e controversas figuras da histórias dos EUA. Um homem cujo ódio por si mesmo conseguia ser maior do que aqueles que os outros lhe tinham. Anthony Hopkins é portentoso ao subverter todas as expectativas de imitação que existem nos biopics: apesar de não se parecer fisicamente com Nixon, ele é-o, soa a ele, desempenha-o e mergulha-nos na complexidade que só os grandes vilões possuem. O facto de a figura do presidente ser, em simultâneo, uma das mais bem sucedidas na sua política e uma das mais desgraçadas no seu legado confunde-o com a própria América, o país onde o desequilíbrio entre a sua promessa fundacional e a sua existência prática serão das mais assimétricas no planeta.
Robert S. McNamara foi Secretário da Defesa durante os Governos Kennedy e Johnson, no auge da Guerra do Vietname e tornou-se assim numa das figuras mais polémicas do século XX norte-americano. Morris, que usa a sua câmara como confessionário nos seus documentários, abre a porta a que McNamara apresente os eu caso de defesa e o que se segue é a espantosa lucidez de um homem que viveu praticamente um século mantendo a mesma racionalidade fria que o levou ao cargo que o tornou famoso, mas com a sapiência e arrependimento que só uma idade parecem conceder, sem que nunca abdique do seu papel na História ou assuma a culpa por algo que classifica sempre como a conjuntura dos tempos. É um exercício fascinante no estudo do legado de alguém vilipendiado por um importante sector da política norte-americana. Errol Morris tentou repetir o mesmo efeito anos mais tarde com Donald Rumsfeld em “The Unknown Known”, apenas para descobrir que onde McNamara representava o ideal do homem do século passado, esperto, sofisticado e em última instância embriagado de um poder destrutivo, Rumsfeld era apenas um papagaio perigoso e amoral.
Segundo muitos, a Política é um espectáculo e pouco mais; e essa ideia teve uma tradução quase literal nesta obra de Barry Levinson que consegue reunir dois gigantes da representação como são Robert de Niro e Dustin Hoffman. Para além do seu acutilante sentido satírico e óbvia qualidade como filme, o seu relato de uma indiscrição presidencial ofuscada por uma guerra que os EUA movem contra um país pequeno na península balcânica antecipa a vida real: no ano seguinte, o julgamento público de Bill Clinton pelo seu affair com Monica Lewinsky acontece enquanto o país arrasta a NATO para o bombardeamento da Sérvia. Como a história do filme envolve um conflito ficcional montado por um produtor de cinema a pedido de um spinner político, a ficção vê a realidade ao longe e acena-lhe com o chapéu.
Being There fala-nos de Chance, um homem de meia idade com um atraso de aprendizagem, e apenas conhece o mundo através da televisão, e o seu mundo é um jardim e o espaço onde habita, protegido por um homem rico. Quando este morre, a casa é vendida e Chance posto na rua. Por entre coincidências e idiotices várias, este simplório inexpressivo vê-se como conselheiro das maiores elites económicas e políticas dos EUA, cada um dos seus aforismos bacocos sobre plantas e árvores sendo interpretado como faróis que iluminarão o futuro do país. Peter Sellers interpreta-o e é enorme. Chance, que por se apresentar como jardineiro (gardener) ganha o nome de Chauncey Gardiner, é um alienado pelos media, uma tábua rasa onde homens inseguros e sem ideias projectam as suas ânsias e receios e onde uma classe dirigente que não faz a mínima ideia do que é visão de futuro tenta retirar sabedoria: de um homem com um atraso mental e dificuldades de aprendizagem.
É talvez das melhores interpretações de Robert Redford e uma das mais ignoradas: aqui, interpreta Bill McKay, um idealista senador californiano que entra numa eleição com todo a probabilidade de perder e por isso decide ser íntegro e honesto. À medida que a eleição decorre e tentando evitar números humilhantes de derrota, McKay vai moderando a sua mensagem para algo cada vez mais genérico e a corrida inverte-se. A mensagem é óbvia: a única maneira de se ser bem sucedido em eleições é dizer uma ou outra coisa vaga e apelar às pessoas sem realmente tentar resolver os seus problemas. Diz muito acerca de quem concorre, mas acima de tudo sobre quem vota.
Hoje quase ninguém se lembra do pobre Spitzer, o Bernie Sanders original: um homem que combateu Wall Street através do seu trabalho como procurador-geral do estado de Nova Iorque. No entanto, como todos os homens valorosos moralmente, tinha um vício: prostitutas. O escândalo rebentou e o seu esforço tornou-se inglório. Alex Gibney realiza um documentário que acaba por ser menos sobre clientes e prostitutas, e mais sobre a máquina política e de como se afastam adversários sem uma única troca de ideias e confrontação política. A perseguição que lhe é movida por um conjunto de políticos amigos de Wall Street é tão óbvia e descarada que faz morrer no espectador qualquer esperança na igualdade da justiça e mostra quanto os 3 poderes estão tão inquinados uns nos ouros nos EUA que tudo é basicamente um jogo controlado. It’s all rigged, dizia o outro, e na verdade é difícil não acreditar: talvez por isso tenha ganho.
A guerra é o inferno… Mas também política e talvez nenhuma outra actividade tenha definido tanto da máquina de governo norte-americana. O jornalista de investigação (algo que hoje em dia parece um paradoxo) Jeremy Scahill dá um passeio por vários países ode os EUA intervêm militarmente e descobre que aparentemente uma força militar secreta anda a matar gente por meras desconfianças e sem autorização. O combate ao terrorismo é um pretexto para simplesmente ser ser imperial e cumprir a profecia neo-conservadora de uma América no lugar do imperador, dominando o mundo, agitando as águas, pondo e dispondo das vidas de todos. E agora, à cabeça da mesma, temos um indivíduo que de cabeça tem pouco. Bem vindos aos próximos 4 anos: vão precisar de muito Cinema para se distraírem da realidade.