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Os mortos saem das campas, a fronteira entre este mundo e o outro esbate-se, as bruxas trocaram o caldeirão por uma Bimby na preparação de poções: o Halloween, que os EUA transformaram numa desculpa para comprar doces e comercializar o horror, tem muitos séculos e era a noite onde o sobrenatural tinha lugar nesta dimensão. Como megafone das nossas emoções, o cinema sempre aproveitou este imaginário para projectar os nossos medos num ecrã. Ainda que muitos filmes dos géneros Horror e Terror conjurem o medo através de truques baratos de edição e som, poucas coisas são mais assustadoras do que um ser humano – um actor ou actriz que consiga invocar demónios e mafarricos através da sua performance fica colado na nossa memória mais eficazmente do que uma jorrada de sangue. Este Dez Takes será dedicados aos magos do arrepio, esses intérpretes cuja mera aparição num ecrã nos faz desconfiar que boa coisa não virá, de certeza.
Antes de começar, duas coisas: em primeiro, vou evitar nomes demasiado óbvios como Christopher Walken, Nicolas Cage ou Steve Buscemi, tal como clássicos como Vincent Price ou Christopher Lee. Há que dar lugar a sangue novo, passe a expressão; em segundo, o factor de pavor baseia-se apenas no talento ou energia dos actores. Aspectos reais e pessoais não serão tidos em contra. Por isso, Kevin Spacey, que teria à vontade lugar nesta lista, não será referido. Aqui, pretendem-se outro tipo de pervertidos.
O actor que afinal inspirou esta lista. No que toca a creepiness, não aceito substitutos. Desafio-vos a dizerem um filme que seja onde Malkovich não vos cause aquele ligeiro desconforto de que a qualquer altura pode passar-se da marmita. Nem mesmo quando tentam fazer dele herói, como em The man in the iron mask ou Red. Está tudo nos olhos que são brocas, na voz marinada em drogas, na dicção de quem trata as palavras como lâminas. Quase literais: há uns anos, notando que um stalker o perseguia, Malkovich foi até ao seu apartamento em Nova Iorque, trocou de roupa e guardando uma faca no bolso das calças, desceu a rua para confrontá-lo. Filmes onde Malkovich simplesmente faz retesar músculos: In the line of fire; Con Air; Beowulf; e mesmo em Dangerous Liaisons, há ali um misto de sedução e repulsa que só Malkovich conjurar.
Já foi Cristo e Anti-Cristo. Foi Green Goblin e Nosferatu. E até entrou em sustos como aquele filme erótico-fajuto onde Madonna lhe ensina os possíveis prazeres da cera quente de velinhas na pele. Se isto não fossem já credenciais suficientes para esta lista, Willem Dafoe apresenta um dos mais inquietantes e aterradores sorrisos da Sétima Arte. É preciso ter um estado de espírito muito especial e particular para entrar em três filmes de Lars von Trier – mas talvez se perceba quando o dinamarquês, sempre que pode, elogia o tamanho da masculinidade de Dafoe. Se dúvidas houvesse acerca da capacidade que o americano tem para nos deixar enterrados na poltrona, o Bobby Peru de Wild at Heart é a prova final. Este ano estará na corrida aos Óscares interpretando Vincent van Gogh. Dafoe é o tipo de actor que acreditaremos plenamente que possa ter cortado uma orelha a sério durante a rodagem.
Lá porque coloquei de fora os dois grandes nomes do cinema de terror da Hammer, não quer dizer que não haja nesta lista espaço para clássicos. Peter Lorre foi um actor europeu que alcançou sucesso em Hollywood usando as mesmas armas que o tornaram num actor famoso na Alemanha: o seu carisma perigoso e desconcertante. Em M, de Fritz Lang, cria um perturbador retrato de um pedófilo homicida que pede a nossa compreensão, sem deixar de apavorar por isso. O Expressionismo Alemão encontra expressão completa nas anguladas linhas da sua cara, nos seus olhos grandes como o medo e nunca mais consegui ouvir Grieg da mesma maneira após ver o filme. Depois de Hitler subir ao poder, Lorre foge para os EUA onde aparece muitas vezes como secundário em papéis onde todos o acham desprezível. Lorre estava tão associado à vilania que se tornou historicamente o primeiro actor a interpretar um vilão Bond, na primeira adaptação de Casino Royale. Lorre: nobody does it better.
O actor conta que uma vez, enquanto lanchava, uma mulher chegou junto da sua mesa e lhe agradeceu profundamente por tê-la assustado durante anos nos programas de televisão em que participou. Emerson agradeceu simplesmente, porque até ele teria a noção do quanto a sua presença simples é tenebrosa para qualquer pessoa comum. Apesar de as suas personagens quase sempre terem este toque inquietante, uma ergue-se sobre todas as outras: Benjamin Linus, um personagem que estava para ser secundário na série Lost e acabou por se tornar como o símbolo de maquinações, manipulações e puro medo para os espectadores deste século. Michael Emerson não é grande, não é forte, não parece feroz; mas a maneira como impõe o discurso cadenciado, a imobilidade do corpo, os olhos que nunca pestanejam penetra em qualquer coisa de muito primário em nós. Como se a realidade sumisse e sobrasse aquele diminuto homem que parece tão capaz de tudo que não ousamos aproximar-nos.
Mais uma daquelas faces que diz tudo. Ajuda se vos contar que Swinton quis matar o irmão quando era criança? Tipo, matar a sério? Só para desistir segundos antes. Se calhar não. Swinton já interpretou alguns vilões, mas mesmo quando faz de pessoas com vidas normais, como a advogada que lhe deu o Óscar em Michael Clayton, há sempre algo ali que não bate certo. Talvez seja o indefinível ar andrógeno ou a pele pálida debaixo da qual o sangue parece não correr, ou mesmo a postura hirta de distância e falta de empatia. O mestre da estranheza que é David Bowie reconheceu isto, colocando-a como seu doppelganger nos vídeos que acompanharam o álbum The next day. Não que precisássemos da benção do Camaleão: afinal, é preciso qualquer coisa extra para ser a personagem mais perturbante num filme onde também aparece Peter Stormare a fazer de Satanás; e ela consegue-o em Constantine.
Eis o homem que roubou Hannibal Lecter a Anthony Hopkins. Não se faz isso sendo um bonacheirão e reinadio camarada. É necessário algo; e esse algo, no caso de Mikkelsen, é aquela cara que parece o exterior da Casa da Música no número e destreza dos seus traços. É um dos rostos mais enigmáticos do Cinema moderno, que nada nos diz ou nos conta, onde projectamos tudo, invariavelmente receios profundos. Em Valhalla Rinsing, misterioso e vindo de nenhures, é uma força da natureza que inquieta; em Casino Royale, o seu tique lacrimejante não causa empatia, pelo contrário; e na série Hannibal, a sua banalidade para com o mal que causa retém-se na sua aparente inexpressividade, na intenção projectada pelo seu corpo. Mads Mikkelsen não é inerentemente arrepiante, mas também não se esforça por não ser. É imprevisível e não há nada mais assustador do que isso.
John Lithgow tornou-se imensamente popular como um pateta cheio de si em 3rd Rock from the Sun. Porém, quem cresceu com os filmes das década de 80 e 90 sabe bem que tipo de peça ali está. Lithgow foi criando uma galeria de pervertidos tremendos, principalmente nas suas colaborações com Brian de Palma, para além de podermos questionar que tipo de monstro é necessário ser para proibir a dança numa cidade inteira como acontece em Footloose. Lithgow tem uma capacidade rara num actor de parecer normal, sossegar-nos, mas mudar tudo num gesto, como matar alguém. Clássico Lithgow. Como outros nomes desta lista, Lithgow não tem medo encarnar o medo em hipérbole: em filmes como Cliffhanger ou Ricochet, a subtileza não está para ser encontrada – Lithgow não pede desculpa por ser mau, nem sequer por deixar-nos a tremer ainda que não esteja num filme de terror. Há uns anos, interpretou um serial killer numa temporada inteira de Dexter. A partir daí, a qualidade da série caiu a pique. Como se o próprio Dexter, em comparação, passasse a ser normal na freakiness.
Cillian Murphy é um daqueles actores que caminha numa corda que divide o medo e a atracção: não se sabe bem se ele é giro ou se é assustador, mas provavelmente consegue ser ambos. Murphy tem uma daquelas caras que nasceu para projectar medo – olhos grandes como lagos, face quadrada – e uma atitude de quase desprezo pela moral que parece sair-lhe naturalmente. Já teve a sua dose de psicopatas (e até mesmo de um vilão nos Batman de Nolan, no caso um psiquiatra que é ao mesmo tempo lunático e fascinado por causar medo… Vá-se lá saber porque é que o realizador britânico foi buscar o irlandês) e mesmo quando é herói, como em Anthropoid e Sunshine, apetece recusar ajuda e ligar para os bombeiros. De há uns anos para cá, em Peaky Blinders, tem dominado Birmingham como gangster. Onde continua a dar bom uso ao seu ar de susto para afugentar rivais.
Para mim, em criança, Vincent Schiavelli era o bizarro. Cabelo desgrenhado, uma cara que vista a meia-luz sobressaltaria qualquer um na noite profunda, o actor nasceu com o dom físico de ser simplesmente fora deste mundo. Tim Burton, que há uns anos percebia duas ou três coisas acerca do que mete medo – depois deixou-se disso e passou a assustar-nos com o decréscimo de qualidade dos seus filmes – usou-o em Batman Returns tocando um realejo que triturava carne; no entanto, é Milos Forman, que o usou em vários filmes, que tenta resgatá-lo do typecast a que o seu corpo o entregou. Sem sucesso: uma longa lista de séries B de terror e uma participação num episódio de The X-Files, como um artista de circo que acolhi dentro de si um anão gémeo assassino (obrigado, Darin Morgan!) cimentaram o seu lugar como rosto do horror e também como um dos mais citados actores reconhecíveis ainda que o nome não bailasse na ponta da nossa língua. Referência a um colega de vários filmes chamado Brad Dourif. É a voz de Chucky, o boneco assassino. Tem um currículo suculento o suficiente para assustar os próprios pesadelos.
Houve ali um período de quase 15 anos, entre Pretty in pink e Secretary que James Spader chamou a si a missão de ser um símbolo máximo da perversão. Porquê, não sei: Spader tem todos os atributos físicos para ser um galã, mas fez a opção deliberada de fugir disso (num certo sentido, o seu herdeiro espiritual é Jake Gylenhall – de Donnie Darko a Nightcrawler, Gylenhall tem dado boa conta do recado no que à inquietude diz respeito). Sex, lies and videotape ainda nos dá um Spader aceitável, mas filmes como Crash – o de Cronenberg, não o xoninhas de Paul Haggis – , 2 days in the Valley e o já referido Secretary não dão margem de manobra nas dúvidas. Spader, o indivíduo, é naturalmente estranho e excêntrico e talvez por isso o tenham convocado para Boston Legal, uma série de advogados onde ele interpreta, adivinharam, um pervertido que é genial com leis. Ninguém pode prendê-lo, nem sequer Spielberg ou a Marvel ou um canal de televisão baunilha como a ABC, onde tem estado permanentemente com Blacklist. Não consigo vê-lo num ecrã sem começar a respirar um bocadinho mais pesado.
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Há algum actor ou actriz que achem poder fazer parte desta lista? Juntem-se à conversa.