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Com a estreia de Avengers: Infinitiy War, o estúdio Marvel fecha um ciclo iniciado há quase dez anos com o primeiro Iron Man. O que parecia uma aposta arriscadíssima de planeamento a longo prazo, de filmes encadeados uns nos outros com uma história contínua de forma a juntá-los todos num grande evento, veio a revelar-se no golpe deste século e numa mudança de paradigma na maneira como Hollywood faz dinheiro. Não há estúdio que não o tenha tentado, desde as opções mais óbvias (o universo cinematográfico da DC, que neste momento espera algo, talvez um desfibrilhador) até às que provocam espasmos de riso (quando a Universal tentou reunir os seus monstros clássicos num só filmes, com Russel Crowe a servir de Nick Fury, a ansiedade de conseguir um dólar fácil foi palpável). A Marvel não criou o modelo, este já existia na Banda Desenhada; mas aplicando-o a uma arte completamente diferente, e com alguma lógica de serial televisivo, mudou por completo a maneira como o cinema comercial se mexe.
A revolução teve o seu lado bom e o seu lado mau, mas não é nisso que o Dez Takes deste mês se focará. Dez anos trouxeram-nos dezanove filmes, cada um deles um bloco no edifício do Marvel Cinematic Universe (MCU). Este mês, vamos destacar uma dezena de momentos, uns mais icónicos e outros mais discretos, todos eles envolvendo os vários personagens que fazem parte do MCU e que se vão tornando referência para os apreciadores da cultura popular. Regra a reter: apenas vou usar os filmes produzidos pela Marvel, não filmes baseados em propriedades Marvel. Isso exclui as produções da FOX, da Sony e da Universal, o que me faz suspirar de alívio porque ficam de fora trampas como Daredevil ou qualquer filme do Fantastic four. Ufa. Vamos a isso.
A cena final, em que Nick Fury anuncia à audiência que se avizinham os Vingadores, é seminal na criação deste universo; mas Robert Downey Jr. é o verdadeiro pai do MCU. Hoje em dia ninguém se lembra, mas tudo neste filme era um risco: Iron Man era um personagem de segunda linha de uma empresa que vendera as suas principais propriedades anteriormente por risco de falência; Downey vinha de ser estrela no filme “Quanto mais droga no nariz, melhor”, em exibição nas prisões californianas, e este era o primeiro filme independente da Marvel. O realizador Jon Favreau não era de todo uma aposta evidente, mas o resultado foi a grande surpresa de 2008 e o principal motivo foi Tony Stark, arrogante e sarcástico, orgulhoso e com falhas, um homem que usa do seu génio de mecânica para tentar consertar a vida. Actor e personagem casam como raramente se viu e o momento em que Stark anuncia ao mundo o seu alter-ego, desafiante e com swag capaz de criar tsunami, mostra que acima de todo o espalhafato, estes filmes são sobre personagens e marca um tom bem diferente de outros filmes do género até então.
Captain America tem o mais interessante percurso deste universo, passando de um simples escuteiro americano à medula até alguém que questiona os valores e compromissos morais do seu país. No seu primeiro filme, no entanto, somos lembrados do espírito da década de 40 nos EUA e o contexto em que Steve Rogers, o all american hero, se move. Este número musical escrito por Alan Menken, o autor de todas as canções de The beauty and the beast, é uma pausa estranha no meio do filme, mas faz todo o sentido: nostalgia e sátira cruzam-se num momento em que Joe Johnston nos recorda de um certo patriotismo norte-americano, bacoco mas genuíno, que levou à criação inicial do personagem. No contexto do filme, é também o momento de transição de Rogers, que deixa de ser um fantoche em palcos para assumir o seu destino e o que mais ambiciona: ajudar os outros. Ainda que, desta vez, o acompanhamento de fundo tenha muito poucas plumas e lantejoulas.
Joss Whedon recheou The avengers com humor e momentos icónicos, uma das principais razões a que se deve o monumental sucesso financeiro da reunião das principais franchises da Marvel na altura. A lista podia ser quase toda sobre este filme: o eye roll destinado a meme de Tony Stark; o confronto entre Thor, Iron Man e Captain America; o plano que reúne os sete heróis antes do grande final começar a sério; a cena que nos introduz Black Widow. Mas é Hulk a grande estrela do filme, não só porque Mark Ruffalo dá um ar goofy ao alter-ego Bruce Banner, mas Whedon também o coloca em momentos que assentam bem nos seus poderes. É tentador escolher o infeliz encontro entre o monstro esmeralda e o Deus da Trapaça Loki, mas a minha recordação de ver o filme no cinema começa sempre por esta cena. Durante todo o filme, a raiva de Banner é sempre um problema pendente, aludindo-se a um segredo que lhe permite controlar a transformação. Quando a batalha final chega, o segredo é revelado. Na sala de cinema onde assisti, toda a gente irrompeu em palmas e risos quando uma força irresistível encontra um objecto inamovível e perde. A revelação faz zero sentido, mas virou meme e ainda hoje continua um dos momentos mais épicos de todo o MCU.
A linguagem da BD implica sempre uma grande economia na introdução de um novo personagem. O momento deve ser curto, mas marcante, revelando de imediato os seus traços principais. Em Guardians of the Galaxy: vol. 1, James Gunn mostra como se faz logo no início do filme, quando nos apresenta o principal dos seus guardiões. A partir do momento em que este humano perdido nos confins do universo liga o seu walkman e o carisma e auto-confiança são automáticos. É o Singing in the rain cósmico. O movimento de ancas, o desconhecido como o seu recreio e as letras amarelas descomunais que anunciam o nome do filme sem pudor. O momento mostra que a sensibilidade e humor do filme são diferentes do que estávamos habituados no MCU, com as suas influências evidentes de um certo psicadelismo e espírito livre dos anos 70 e introduz-nos Peter Quill, o homem criança que será o nosso representante em todo o filme, abrindo também um novo universo para explorar.
Avengers: Age of Ultron é filme aceitável, embora com falhas que se devem a ter-se mais olhos do que barriga. No entanto, mantém um tom geral de diversão irresistível e para lá das explosões, Joss Whedon centra-a no que conta e naquilo que nos leva a ver este filmes: personagens. Para lá das explosões, a grande cena do filme fecha os heróis no mesmo espaço numa competição amigável: quem consegue erguer o martelo de Thor? É uma das perguntas do mundo Marvel que os fãs discutem e aqui, todos os Vingadores têm a oportunidade de saber quem é digno o suficiente para erguer a ferramenta que Odin ofereceu ao filho. Quando Captain America quase consegue o impossível, o arrogante Thor treme e é um momento tão revelador como qualquer monólogo épico. A cena é descontraída e de construção de personagem, que parece inofensiva, mas é recuperada de maneira memorável quando perto do terceiro acto nos é introduzido um novo personagem, cuja confiança é estabelecida a partir desta disputa.
Captain America: Winter soldier continua a ser um belo filme de espionagem e mostra outro dos segredos do sucesso do MCU: apesar de envolverem super-heróis e terem uma fórmula que muda pouco, são acima de tudo filmes de género e é isso que os faz aparentemente diferentes entre si. Este bebe muito do thriller paranóico da década de 70 (Robertd Redford aparece para que ninguém se engane) e a mistura entre acção realista e intriga política apertada torna-o consistente. Tem também os seus momentos de subversão, o maior deles a revelação do twist principal: a HYDRA não foi derrotada e infectou a SHIELD a tal ponto que os últimos anos da história americana foram coordenados por nazis para um único objectivo – o caos. É uma ideia incrivelmente polémica exposta num filme de grande audiência, ao ligar intimamente o comportamento de um governo e das suas ingerências noutros países a uma ideia de totalitarismo e Estado de vigilância. Isto numa obra onde o principal personagem é o símbolo dos valores americanos.
Mesmo com todas as suas imperfeições, The incredible Hulk tem os seus momentos. Edward Norton é um competente Bruce Banner e a química com Liv Tyler faz-nos pensar no que seria este filme se o tempo de antena fosse dado ao casal de cientistas Banner/Betty Ross. Há destruição e Tim Roth em modo bicho, o que nunca é de desprezar, mas tudo resulta melhor quando os amantes condenados fogem e vivem aventuras. Lembra-nos que o poder de Hulk é péssimo para se ter uma vida pessoal, desde a mais simples das interacções com outros até aos momentos mais íntimos. O par esteve sem se ver durante anos e quando finalmente se encontram, a libido quase dá para se esculpir estátuas. No momento em que ficam fechados num quarto de hotel, todos sabem no que vai dar. Só que… não. O ritmo cardíaco de Banner sobe e o resultado é-nos óbvio. Um momento pequeno, mas revelador e divertido, do maior empata-pinanço que pode existir.
Apesar do nome, Captain America: Civil War parece mais uma versão Avengers 2.5 do que um terceiro filme do bandeirante norte-americano. Mas o centro da intriga é mesmo um conflito ideológico entre Tony Stark e Steve Rogers a propósito do que significa ter poderes num mundo político complexo como o nosso… e em como isso desemboca na mais emblemática cena do cinema de super-heróis até agora: uma escaramuça entre amigos no aeroporto de Leipzig entre grupos de heróis divididos a meio à conta de uns acordos. O iconismo da cena faz-nos esquecer uma outra perto do final, menos espalhafatosa, mas muito mais marcante: Stark descobre a verdade sobre o Soldado Invernal e a amizade entre o Capitão e o homem dos fatos metálicos não mais será a mesma. É uma cena de pancada mais crua, emocional e onde a ideia de que estes filmes giram em torno de efeitos visuais e pouco mais se desvanece rapidamente. Esta primeira década da Marvel assenta naquele que foi sempre o maior trunfo da Casa das Ideias: gente que tem poderes, mas pés de barro e é problemática e faz asneiras como nós. Tudo decorre mais à conta disso do que de tudo o mais.
Durante algum tempo, os finais dos filmes Marvel eram tão previsíveis quanto ver uma bola cruzada para a grande área do Benfica sabendo que as luvas de Varela haviam sido barradas com manteiga: ataque aéreo, um inimigo sem cara, raios para cima e para baixo e destruição maciça. Na sua fase 3, o MCU tem tentado resolver o problema com algumas alternativas criativas: Ant-man transforma o comboio Thomas no palco de batalha de uma guerra minúscula que coloca em perspectiva o impacto das acções do herói; o terceiro Thor é algo de que falaremos à frente; e o mais inventivo clímax de um filem Marvel chegou-nos com Doctor Strange, que dá o melhor uso possível ao misticismo do herói. Usando os poderes de uma relíquia que lhe permite controlar o tempo, Strange confronta-se com a mais poderosa entidade vista até agora no MCU, Dormamu, uma espécie de papão inter-dimensional. O desenlace não só revela a sua inteligência, como também o crescimento de Strange ao longo do filme e cumpre assim dois propósitos de uma só cajadada. Para além disso, temos Cumberbatch contra Cumberbatch, o que é batcheet craze!
Thor foi transformado do mais aborrecido Vingador numa espécie de bobo residente do universo Marvel no cinema. Demasiado tempo na terra deu-lhe um sentido de humor que quase se diria pós-moderno e uma capacidade sem fim de se expôr ao ridículo sem nunca perder o bom aspecto de Chris Hemsworth e a assertividade heróica. Agradeça-se a Taika Waititi, que veio salvar o personagem do abismo do aborrecimento; no entanto, para além do humor, Waititi concedeu a Thor: Ragnarok muitas outras benesses. Podíamos aqui falar do combate entre Hulk e Thor, mas o momento em que o filho predilecto de Odin lança o pai de todos os relâmpagos contra a sua meia-irmã Hela inicia uma sequência absolutamente delirante, com imagens icónias e um sentido de ritmo, ajudado pelos Led Zeppelin, fundindo quase tudo o que no MCU leva gente ao cinema: uma piscadela de olho ao público ambientado com super-heróis, momentos épicos de esmurrar o ar e gente com quem nos podemos relacionar nos pontos altos e baixos, a quem o heroísmo não rouba a humanidade.