//pagead2.googlesyndication.com/pagead/js/adsbygoogle.js
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
Julho de 2016: o mês em que os Jogos Olímpicos se deviam realizar. Caramba, como limpámos tudo desportivamente, hum? Quase deu vontade de marcar uma peladinha com as instituições europeias para resolver de vez os nossos problemas de défice e fundos estruturais. Enquanto estas ficções não se concretizam, o cinema já deu a oportunidade que outras ocorressem, algumas até baseadas em factos reais. Cinema e Desporto parecem uma combinação óbvia: são meios de emoção e cinética, com narrativas definidas, por vezes surpreendentes e onde tantas vezes admiramos gente com muito mais talento do que nós. Faz sentido então que se possam ajudar um ao outro a tornarem-se maior do que a vida. Literalmente. Stallone não teria uma carreira sem isso e até Jason Statham começou na equipa olímpica inglesa de saltos para a água e agora insulta mauzões com voz de quem come brita diariamente.
Por este júbilo nacional dos feitos dos nossos atletas, o tema deste mês é então o de filmes que, de uma maneira ou de outra estão relacionados com desporto. Apenas se excluem as artes marciais, que muitas vezes são de um género à parte, e tentarei evitar as escolhas mais óbvias (Escape to victory, Rocky ou Raging bull não aparecerão por esta razão). Esclarecidas as regras, vamos a isto.
A série que originou tornou-se bem mais conhecida e aclamada pela crítica, mas o filme não a desmerece. Centra-se muito mais na frustração e na noção de que o futebol americano universitário talvez seja o ponto alto, e precoce, para muitos dos jovens que surgem no filme. A ideia de que o desporto pode ser a coisa mais importante na vida de uma comunidade é também explorada, e o treinador interpretado por um Billy Bob Thornton íntegro e sóbrio, longe dos retratos exagerados destes profissionais. O Desporto alimenta ingénuos, mas faz descê-los à realidade, e a caminhada dos Permian Panthers tem tudo isso: racismo no Texas, pobreza e a noção, muito de cidade pequena, de legado familiar e histórico.
Menos sério, Shaolin Soccer mete monges especialistas em artes marciais a jogar futebol para derrotar forças maléficas. Bela profissão, se conseguirem ser contratados. A inspiração de Chow não foi o Dalai Lama, mas a clássica série Captain Tsubasa, que todos recordamos (os mais velhos, como eu, na sua versão original). É uma comédia com muito propósito, transformando o futebol num quase jogo de vídeo e parodiando, pelo caminho, alguns dos clichés mais estampados do cinema chinês da década de 80. Um mimo, onde até o guarda-redes da equipa dos bonzinhos é modelado a partir de Bruce Lee. O futebol não é dos desportos a que o Cinema mais se dedica, mas neste filme, é certamente um dos mais divertidos.
O primeiro documentário da lista é a magnífica obra sobre a vida de um dos maiores ídolos desportivos do mundo. Usando apenas as vozes dos protagonistas e imagens de arquivo, é sobre um fora da lei num mundo onde as leis só podiam ser dobradas para alguns, de um homem cuja paixão o tornava num contraditório enigma: implacável, mas compassivo; adulto nas pistas, adolescente fora delas, um campeão com pés de barro. Quando lhe foi proposto o filme, Kapadia pouco sabia sobre Senna e a Fórmula 1 e daí resulta o retrato imparcial de alguém que é herói para muitos, principalmente no seu Brasil natal. A falta de talking heads dão a este documentário o sentimento de um feeling tradicional e os minutos finais, onde o passado de Senna se cruza com a dilacerante dor da sua morte, é mais comovente que muitos dramas ficcionados e mostra como o Desporto pode ser um poderoso símbolo do esforço humano.
Cinco anos depois do excelente “Pleasantville”, que era uma homenagem à televisão clássica da década de 50, Ross faz um filme clássico em tom e mensagem, mas que se vê tão bem que nem apetece pensar na quantidade de vezes que já vimos este tipo de histórias: traçando o paralelo entre três vidas destroçadas por tragédia, um cavalo por quem ninguém dava nada, o palco da Grande Depressão e o poder de regeneração de um país acossado pela desgraça, o realizador conta, sem grandes artifícios, mas com um poder de concentração e atenção ao pormenor notável, uma história de superação e de ingenuidade que enraíza, no fim de contas, na capacidade de iniciativa que é a raiz do cinema americano. Há duas cenas em particular (um luto filmado com apenas 4 planos, e uma corrida onde se foge ao cliché para se reforçar, precisamente, a mensagem do filme) que ficam e um outro par de actores que elevam o nível do filme do agradável para o bom: Jeff Bridges, com a bonomia feroz de sempre, e Chris Cooper, tratando a sociedade e a socialização como paisagem na tenacidade dos que se focam num objectivo e que tal como o cavalo Seabiscuit, têm no coração e na crença a arma para derrotar as dificuldades. Chama-se a isso ser campeão.
O basebol é um desporto tão Americano que apesar de não ser exactamente popular no resto do mundo, é central na indústria cinematográfica. Curiosamente, raramente produz os épicos de acção e catarse que esperamos de filmes desportivos: é normalmente usado como metáfora para algo e é por isso que encanta normalmente escritores e realizadores a usá-la como tal. Paul Auster, por exemplo, usa longas estatísticas de basebol nos seus livros como algo que fascina os seus personagens. No entanto, em “Field of dreams”, trata-se precisamente do impossível e do sonho, de um homem que constrói, no meio de um campo de milho no Iowa, um campo de basebol para que velhas lendas j+a mortas regressem para uma última tacada, um último lançamento. Desde heróis a casos perdidos, ninguém é esquecido; e o basebol é a cadeira que une pai e filho desavindos, mostrando como a teia desportiva consegue até juntar os mais separados dos seres humanos. “Se o construíres, eles virão”; e a Voz tinha razão.
O xadrez não será o primeiro desporto que nos ocorre quando pensamentos em desportos animados, mas combinem isso com política e temos filme. Acompanhando o choque, no auge da Guerra Fria entre os EUA e a URSS num tabuleiro com 64 quadrados, Pawn Sacrifice é a história da ascensão e queda de Bobby Fischer, um dos maiores nomes do jogo, através dos seus memoráveis confrontos contra o igualmente excelso Boris Spassky. Mais do que a competição e a política, fica no filme o efeito que um desafio mental, porque o Desporto não e só físico, pode ter numa mente em simultâneo frágil e forte, que quebra porque a pressão faz tão parte do desporto como a diversão. Pressão em si mesmo, pressão do desígnio nacional: as guerras do Passado passaram hoje para campos e tabuleiros.
Um dos mais influentes documentários jamais feitos retrata o percurso de dois estudantes negros de Chicago na antecâmara de se poderem tornar jogadores universitários, prosseguindo talvez para uma carreira profissional. É sobre muito mais que desporto: é sobre oportunidade e a vida de duas pessoas cujo quotidiano era tal que, quando se fez uma retrospectiva vinte anos mais tarde com os protagonistas, um revelou que dez dos seus amigos que surgiam no filme tinham morrido entretanto baleados. O Desporto pode ser a escapatória à pobreza e à fatalidade de uma vida que parece escrita ainda antes de nascermos, com oportunidade zero. É um retrato incrivelmente real na vida no projects das grandes urbes norte-americanas e pelo meio, tem o lançamento livre mais tenso de toda a História do Cinema.
A morte recente do grande pugilista e símbolo norte-americano Muhammad Ali torna obrigatória a referência a uma das grandes obras de Mann, cineasta que a certa altura parecia não só não falhar, mas perceber na perfeição a mente dos homens de personalidade indestrutível e gigante. Will Smith recusou inicialmente o papel, mas no seu estilo Ali convenceu-o com um argumento indefensável: era o único com bom aspecto suficiente para interpretá-lo. É o papel de uma vida, e também o filme sobre alguém maior do que a vida. Se o referido “Senna” é um retrato real, este é ficcionado, com Muhammad Ali como símbolo de toda uma raça, o homem que se impõe às regras, catapultado pelas suas proezas desportivas a tornar-se algo mais do que um atleta. O último plano do filme, com o resultado do famoso “Rumble in the jungle” é, talvez, a melhor representação visual daquilo que Ali foi num ringue de boxe.
E agora, vamos fazer batota e falar de jogos de vídeo. Blasfémia, dizem uns; duelo de League of Legends para decidir a situação, dirão outros. Criando a perfeita situação de um David contra um Golias (Billy Mitchell é um parvalhão arrogante que detém o recordo de pontuação no jogo Kong; Steve Wiebe o aparentemente humilde homem que luta contra tudo e todos pela oportunidade de batê-lo com um recorde homologado e reconhecido oficialmente), este documentário quer aparentemente provar que uma coisa tão inofensiva quanto um jogo pode, de facto, ser tudo na vida de alguém, gerar paixões irracionais e ser o pináculo na existência de um homem para quem uma vitória antiga é a sua eternidade. Prova também a perfeição do joystick exige a mesma dedicação, treino e sacrifício de um desportista a sério e que uma vitória virtual pode ser tão real como a de um atleta de alta competição. Não envolve Pokemons, mas é, ainda assim, um filme ara nos deixarmos capturar por completo.
Com os Jogos Olímpicos em Agosto, podia isto acabar de outra maneira? Claro que não. Um filme que ninguém queria fazer, sobre atletas e religião, veio do nada, conquistou o público, ganho um Óscar de Melhor filme e foi para casa. Podiam ser Fernando Santos e sus muchachos, mas é apenas um filme, um faz de conta. Ponham Vangelis a tocar e dêem corda às sapatilhas (ou ténis, se forem de Lisboa).