Entrevista


Amplificasom

É importante, diria que fundamental até, que nunca nos percamos no caminho pelo qual tudo isto começou: a música primeiro, sempre.


© Cláudia Andrade

Dez anos passaram sem que déssemos por isso e muitos são já os momentos pelos quais estaremos para sempre gratos à Amplificasom. Desde aquele serão inesquecível no Alquimista em que Scott Kelly, sob o ruído da chuva a cair lá fora, nos contava como muitas vezes as canções lhe surgem em sonhos, acabando por dedicar “We Burn Through the Night” a todos os presentes e às suas famílias, ao facto de termos visto os ISIS a tocar em Almada e no Porto em 2009, pouco antes da banda anunciar o final da sua carreira, muitos têm sido os momentos incríveis – que poderia ficar aqui a enumerar noite fora – que só aconteceram porque estes rapazes do Porto um dia acreditaram que tal seria possível. É por causa destes momentos, aliados às pessoas que fomos conhecendo a quem hoje podemos chamar amigos, que  a promotora do Porto nos é tão querida. A contar os dias para a sexta edição do Amplifest, aquela que traz finalmente os Neurosis a Portugal, estivemos à conversa com o André e com o Ângelo, dois dos incansáveis por trás da Amplificasom.

Em dez anos de Amplificasom (seis de Amplifest) como fazem o balanço desta primeira década de actividade? Quais são para vocês as maiores conquistas da Amplificasom?

Tem sido uma viagem incrível. Para além de serem dez anos de Amplificasom, são também dez anos das nossas vidas. O impacto é enorme. Todos os momentos que vivemos, os amigos que fizemos… Substituo as tuas “conquistas” pelos sonhos que concretizámos – preferimos esta perspectiva. Foram vários: tivemos o prazer de trazer ao Porto e a Portugal algumas das nossas bandas preferidas de sempre.

Quanto a obstáculos, suponho que se tenham deparado com muitas dificuldades ao longo destes dez anos? A nossa localização, por exemplo, não ajuda. Encontraram alguma forma de lidar com isso?

Temos de ser criativos; por vezes temos inclusive de nos propor a marcar tours ibéricas de forma a termos as bandas por cá. A geografia é, de facto, um obstáculo. Mas não é o único: os impostos e a burocracia em Portugal são desmotivadores. Enfim, toda a nossa paixão e vontade têm contrariado o que de menos bom encontramos pelo nosso caminho; preferimos continuar a abordar esses obstáculos de uma perspetiva positivista.

Calculo que de início não tenha sido fácil gerir o conflito do promotor que no fundo é também um fã. A impulsividade do fã e a vontade de criar algo mais livre por um lado, por outro a componente mais calculista do promotor. Sentiram algo deste género?

Continuamos fãs, continuamos a ser fãs acima de tudo. De outra maneira tudo o que a Amplificasom representa perderia a sua essência, não faria sentido. Temos, no entanto, de encontrar formas de equilibrar o lado emocional com o lado pragmático e racional.

Uma vez ouvi um de vocês dizer que às vezes são tantas as coisas a acontecer (no Amplifest) que mal conseguem ver os concertos. Não consigo deixar de pensar: isso não vos custa um bocado?

O prazer de estar lá atrás a lidar com as bandas, a fazer as coisas acontecerem e a proporcionar bons momentos a todos os envolvidos é igualmente importante. É verdade que não vemos concertos inteiros, muitas vezes só temos tempo para confirmar que está tudo a correr dentro do esperado. É uma perspetiva diferente de viver o Amplifest, mas não é menos recompensador.

A Amplificasom aparenta ser uma promotora extremamente focada, que estabelece objectivos e que se preocupa em conhecer bem não só os artistas mas também o público, mantendo assim uma relação de proximidade. Há uma identidade que têm vindo a desenvolver desde o início; nunca foram invisíveis, nunca foram só “os tipos que organizam concertos” que ninguém vê nem conhece. Parece-me que há um trabalho de desenvolvimento de marca (no melhor dos sentidos) que, aliado à qualidade dos eventos, está na génese do vosso sucesso. Isto faz algum sentido ou estou a divagar? 

Raramente nos sentimos sozinhos, o público que nos segue e acompanha é inteligente e tu, com esta pergunta, demonstras que nos conheces e bem. Obrigado pelas palavras.

Falando na proximidade com o público, lembrei-me do blog. Creio que foi um veículo importante para vos dar a conhecer. Por um lado o Facebook facilita a comunicação e a divulgação, mas o blog, com os textos e os convidados, deixa saudades. No Facebook acaba por ser tudo mais imediato e, de certa forma, fugaz. O blog está menos activo apenas porque não há tempo para tudo, ou acham que já cumpriu a sua função e faria pouco sentido arrastá-lo eternamente?

Respondeste por nós, sem dúvida. Tudo tem o seu tempo. Não temos saudades do blog, mas cada vez que este assunto surge sentimos uma enorme nostalgia por tudo o que foi partilhado e pela comunidade que se criou. Muita gente ainda nos acompanha, mas hoje os tempos são definitivamente outros e a informação é consumida de uma forma diferente.

O crescimento da Amplificasom nestes dez anos é evidente – ao ponto de para a edição deste ano do Amplifest estarem a vender tantos bilhetes para o estrangeiro como para Portugal. Este crescimento permite-vos confirmar bandas que há uns anos atrás ninguém se atreveria a trazer cá. Isto acontece, creio, porque o público deposita muita confiança no vosso trabalho. Têm um público muito diligente. No entanto, com o passar dos anos, parece-me que se tornou também num público muito exigente. Sentem este peso; sentem que criaram um monstro?

Eu e o Ângelo costumamos brincar com essa expressão: criámos, de facto, um monstro. Mas é um monstro porreiro! Dá-nos imenso trabalho, mas cuidamos tanto dele como ele de nós. O público ajuda-nos imenso, sobretudo durante o fim-de-semana – sem ele nada disto faria sentido.

Apesar de terem trazido cá gigantes como os Swans, de terem esgotado salas com uns Mono ou Russian Circles, não deixaram de trazer cá os Enablers, sabendo que provavelmente não iriam ter muita adesão – pelo menos em Lisboa tocaram para poucos. É uma atitude que respeito muito; acho que muitas vezes faz falta essa preocupação em divulgar. Acham que nos últimos anos tem vindo a haver mais público, espaços e vontade para apostar na divulgação de artistas menos conhecidos (apesar de andar tudo com pouco dinheiro na carteira), ou nem por isso?

É importante, diria que fundamental até, que nunca nos percamos no caminho pelo qual tudo isto começou: a música primeiro, sempre. Como te disse anteriormente, sem equilibrarmos a emoção com a razão não teremos um grande futuro. Fazemos o nosso melhor nesse sentido e ficamos extremamente satisfeitos por perceberes a nossa forma de estar.

©Cláudia Andrade

©Cláudia Andrade

Falando agora do Amplifest: assinam “Not a festival, an experience”. Parece-me que há um cuidado em ir além da convenção mais comum do que é um festival. Suponho que não seja fácil tentar redefinir o formato e – lá está aquela conversa do fã versus promotor – se calhar há coisas que gostavam de experimentar mas em termos práticos é arriscado. Quais foram as principais preocupações e os objectivos por trás desta edição?

Procuramos que todas as edições tragam algo de diferente, não só no alinhamento mas em todas as iniciativas que ultrapassam os concertos. Acreditamos, acreditamos mesmo, que o Amplifest não é um mero festival, é uma experiência que, vivida do início ao fim, é extremamente rica. Quem decidir viver o evento na sua totalidade vai perceber o que queremos dizer, até porque nunca revelamos tudo o que vai acontecer.

Como foi o momento em que finalmente perceberam que Neurosis em Portugal, pela mão da Amplificasom, ia ser uma realidade?

Acho que ainda não acreditamos.

No âmbito do Amplifest realizaram-se as Amplifest Sessions. A última foi especial: não só marcou a estreia em Portugal de Sumac e Mamiffer, projectos liderados por duas das pessoas com mais mérito no que à experimentação e exploração de novas linguagens diz respeito, como, e acima de tudo, esteve ligada a uma causa. As receitas do evento reverteram a favor de uma instituição de solidariedade social, a Liga Renascer, querem falar um pouco sobre isso?

Fomos abordados por esta instituição e a nossa resposta foi imediata. Estes são os verdadeiros heróis, o mundo precisa de mais pessoas como estas que dedicam o seu tempo a ajudar quem realmente precisa.

No inquérito que enviaram aos “amplifesters” depois da edição do ano passado colocavam a possibilidade de mover o festival para outra cidade. Sempre mostraram um grande amor pelo Porto e não se cansam de promover a vossa bonita cidade, esta hipótese estará relacionada com a ausência de apoios camarários, por exemplo?

Não só. A autarquia não tem qualquer responsabilidade no que fazemos, mas o seu apoio seria muito bem-vindo de forma a darmos continuidade a um projecto que, sem arrogância o digo, oferece muito à cidade. Este ano, o número de estrangeiros roça os 60%. Todos estes amplifesters ficarão na cidade mais do que a duração do evento, consumindo desde alojamento, transportes, refeições, etc. Um apoio seria fundamental para nós. No entanto, não nos queixamos, aquilo que fizemos, daí a pergunta no survey, foi perceber se quem gosta tanto do Amplifest quanto nós o via noutra cidade ou espaço. A resposta foi positiva, por isso, independentemente de sermos nascidos e crescidos na Invicta, é importante não fecharmos qualquer tipo de porta.

Deixo-vos este espaço para dizerem o que quiserem.

Obrigado pela entrevista e até ao Amplifest \m/


sobre o autor

Ricardo Almeida

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